O humorista do Porta dos Fundos, grupo festejado até pelo "The New York Times", defende a piada responsável e conta por que eles não querem ir para a tevê

Relembre, em vídeo, a carreira de Gregório Duvivier no cinema:

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SUCESSO
As esquetes do grupo alcançam dois milhões de visualizações em uma semana

O grupo Porta dos Fundos começou como uma brincadeira entre amigos e virou um dos empreendimentos mais bem-sucedidos da internet em menos de um ano. Eles costumam lançar oito esquetes por mês – cada uma alcança dois milhões de cliques em apenas uma semana – e conseguem mais repercussão do que programas de tevê. No total, somam 450 milhões de visualizações. Recentemente, foram notícia até no jornal americano “The New York Times”. A publicação falava do sucesso do canal deles no YouTube, que apresenta um dos crescimentos mais rápidos do mundo. O grupo também lançou o livro “Porta dos Fundos” (Sextante), com tiragem inicial de 50 mil exemplares, e vai lançar um filme em 2014.

Um dos responsáveis por esse fenômeno que renovou o humor brasileiro é o carioca Gregório Duvivier, 27 anos, roteirista e ator. “Nosso humor é diferente. Se é o futuro, não sei dizer.” Duvivier estreou na carreira de humorista em 2003, em “ZE – Zenas Emprovisadas”, comédia que chegou a ter três sessões por dia, e está atualmente em turnê com outra peça, “Uma Noite na Lua”, que lhe rendeu o prêmio de melhor ator da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro este ano. As esquetes da trupe às vezes causam polêmica. A última foi com o deputado pastor Marco Feliciano (PSC-SP), que exortou seus seguidores do Twitter a tentar tirá-la do ar por suas referências à religião.

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"Não acho o vídeo (“Oh, meu Deus”) ofensivo.
Os vídeos do deputado Marco Feliciano são muito
mais ofensivos. Aquilo, sim, deveria ser crime”

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“Faz-se pouco humor político no Brasil.
O “Casseta & Planeta” fazia muito bem. Quero fazer,
no ano que vem, debates com políticos no YouTube"

ISTOÉ

Vídeos recentes envolvendo religião e política provocaram a reação do deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Qual é o objetivo do Porta dos Fundos com essas polêmicas? 

Gregório Duvivier

O objetivo não é, em momento algum, a polêmica. Nosso objetivo é sempre fazer rir. Não acho o vídeo “Oh, meu Deus” ofensivo. Acho, ao contrário, os vídeos do deputado disponíveis no YouTube muito mais ofensivos. Aquilo, sim, deveria ser crime.  

ISTOÉ

Vocês têm preconceito em relação aos evangélicos?  

Gregório Duvivier

Preconceito nenhum. O vídeo em questão, inclusive, não tem nada a ver com evangélicos, já que eles não adoram imagens. O vídeo está rindo de um hábito católico, o de adorar imagens em lugares insuspeitos. Mas o pastor vestiu a carapuça, talvez por ignorância, talvez por má-fé, talvez pela combinação de ambas, que é o que o define.  

ISTOÉ

Considera que o Porta dos Fundos faz um humor novo no Brasil? 

Gregório Duvivier

O (escritor Luis Fernando) Verissimo tem uma teoria de que o humor brasileiro veio se despindo dos maneirismos. Primeiro era a cultura da peruca, do cara vestido de mulher, fazendo a graça da drag queen. Depois teve a graça do caipira, como o (Amácio) Mazzaropi (1912-1981). O humor foi tirando o dente de mentira, o chapéu… Foi se despindo dos artifícios cômicos para fazer um humor mais realista, baseado em relações verdadeiras. O tom do Porta dos Fundos é esse, quase dramático. As pessoas não atuam uma oitava acima como antigamente. Na comédia, tudo era gritado. O melhor humor é o mais verdadeiro. 

ISTOÉ

O que não tem graça? 

Gregório Duvivier

O que menos tem graça é pensar demais. A graça vem da ação espontânea, verdadeira, que vem da intuição mais do que da razão. Não gosto muito do humor racional, da piada que se explica, mas sim daquele que brota de forma sincera. A improvisação, para mim, é a melhor escola para o ator. Ela ensina a lidar com tudo, inclusive com o texto. A grande regra da improvisação é que a verdade é engraçada.  

ISTOÉ

Esse tipo de humor escandaloso ainda se vê em programas de tevê, como o “Zorra Total”, da Rede Globo. Essa é a comédia em crise? 

Gregório Duvivier

Ele ainda é hegemônico, não só no “Zorra Total”, mas de um modo geral na tevê. Minha impressão é de que existe uma mudança de pensamento em relação ao humor que se traduz na programação televisiva e também no cinema. Quando era pequeno, eu amava “Um Convidado Bem Trapalhão” (1968), do Peter Sellers. Outro dia assisti e achei que perdeu a graça. Parece um filme lento. O tempo da minha geração é muito mais rápido. Seria pretensioso dizer que o que a gente faz é uma revolução ou um novo humor. Não acho que todo humor vai ser assim. O legal é a diversificação. É um humor diferente. Se é o futuro, não sei dizer. 

ISTOÉ

Uma característica do humor do Porta dos Fundos é procurar rir do mais forte. De onde vem isso? 

Gregório Duvivier

Acho o riso responsável muito importante. O humor está sempre rindo de alguém. Só tem graça assim. Talvez o melhor humor seja aquele que ri de si mesmo, mas tradicionalmente o humor ri da minoria. Piada de português, racista. Não acho que todo humor é válido. Sou a favor de um humor que ria da maioria. Fizemos uma esquete sobre a Ku Klux Klan. Rimos do absurdo de um grupo se reunir porque acha que é superior a outro. Sobretudo em temas espinhosos, como política e racismo, a gente tem que se posicionar. Sou contra aquela posição de “é só uma piada”, como dizem alguns humoristas. Ao dizer isso, está esvaziando a própria profissão. Acho que existe uma responsabilidade muito grande em fazer as pessoas rirem.  

ISTOÉ

Você se acha engraçado? 

Gregório Duvivier

Não. Eu sou engraçado sem querer. Na primeira vez que subi no palco, no Teatro Tablado, com nove anos, eu era o menor da turma. Todos eram mais velhos e eu era baixinho, tinha voz aguda de criança. As pessoas começaram a rir do meu ridículo. Ainda assim, foi uma experiência tão prazerosa que eu nunca mais saí do Tablado, fui lá todos os dias da minha vida até os 19 anos.  

ISTOÉ

De onde vem o nome Porta dos Fundos? 

Gregório Duvivier

Nos juntávamos para falar besteira até altas horas, fazer mímica, coisas bem bobas. Numa dessas vezes, o Ian SBF (um dos idealizadores do programa) não conseguiu fazer uma mímica para “porta dos fundos” e isso virou uma piada nossa. Quando pensamos em criar uma produtora de filmes para a internet, ficou esse nome. Coincidentemente, porta dos fundos também tem um conceito. Nós não estamos entrando pela porta da frente, que seria o caminho tradicional, da televisão, do cinema. A gente está abrindo uma outra portinha, que é a internet. 

ISTOÉ

Como é o processo de criação da produtora? 

Gregório Duvivier

O segredo do Porta dos Fundos é jogar fora a maioria das ideias. Somos quatro roteiristas e cada um traz dois roteiros escritos por semana, que são lidos por todos. Desses, a gente escolhe dois, no máximo três. Uma vez por semana nos encontramos e escolhemos. Cada um escreve sozinho. A gente debate e exercita o desapego.Também exercitamos muito a reescrita. Outros reescrevem até que fique bom. Temos um cuidado grande com o texto. 

ISTOÉ

Como são esses encontros? 

Gregório Duvivier

São muito sérios. É trabalho. Em geral, à noite. Envolve horas de discussão, entra na madrugada. Eventualmente, rola uma cerveja. Mas nada mais. A gente é bem careta. Somos totalmente nerds. Tanto é que estamos na internet, foi lá que a gente se sentiu em casa mesmo.
 

ISTOÉ

Qual é a diferença entre estar na internet ou no palco?  

Gregório Duvivier

Estar no palco é parecido, porque há liberdade total e relação direta com o público, que é o que nos alimenta. No momento em que lançamos o vídeo, temos 200 mil visualizações. Ao longo do dia, bate 700 mil e chega a 2 milhões em uma semana. As pessoas esperam e comentam. 

ISTOÉ

O que muda se o trabalho for na televisão e no cinema? 

Gregório Duvivier

Mudam os filtros, os intermediários. No Porta dos Fundos, a gente não pergunta a ninguém, nós somos nossos chefes. Esse é o grande barato: produzimos conteúdo sem filtros.
 

ISTOÉ

Pensam em migrar para a tevê? 

Gregório Duvivier

Não. A internet já cumpre tudo o que a gente quer. Temos um público muito fiel, que não queremos abandonar. A diferença do Porta dos Fundos para outros produtos é que fazemos humor para internet e ponto final. Não encaramos a internet como um trampolim para outro espaço.  

ISTOÉ

O humor de vocês dá dinheiro? 

Gregório Duvivier

Hoje somos uma produtora de 35 funcionários. O dinheiro vem de duas fontes. Uma são as parcerias com empresas, que eventualmente fazem campanhas com a gente. Outra é a parceria com o YouTube, que põe anúncios antes dos vídeos. Hoje são eles que dão mais dinheiro.  

ISTOÉ

Você também é muito atuante no Twitter. Encara isso como trabalho? 

Gregório Duvivier

Adoro o Twitter como ferramenta de interação com o público. É um contato direto e sem filtros. É um espaço de pesquisa, não é trabalho. Não tem obrigação e não pode criar dependência. Você tem que usar as redes sociais sem deixar que elas te usem. É muito importante não usar por um tempo.  

ISTOÉ

A internet foi importante para mobilizar as pessoas para as manifestações de rua. O que considera mais importante nesse processo? 

Gregório Duvivier

Um amigo disse que “quem não está confuso, não está bem informado”. Fui a uma passeata no Rio de Janeiro para entender mais do que para protestar. E o que entendi foi que a violência policial era gigantesca, um exagero no uso de gás lacrimogêneo. Acho que o essencial dessas manifestações é instaurar o medo numa classe sem vergonha, que é a dos políticos.  

ISTOÉ

Política pode ser engraçada? 

Gregório Duvivier

Sim. Faz-se pouco humor político no Brasil. O “Casseta & Planeta” fazia muito bem, depois foi ficando menos político. Acho que o público brasileiro tem a rejeição como reflexo da nossa cultura. A minha geração não tinha interesse por política. Talvez isso agora tenha mudado. Ter ido às ruas já fez diferença e vai fazer a longo prazo. Só não pode morrer nas eleições de 2014. Quero muito fazer, no ano que vem, debates com políticos no YouTube, com humor. E não só de cargos executivos, mas também com deputados. Nós temos a função de divulgar ou contestar para as pessoas conhecerem mais em quem elas votam. Quero fazer debates eleitorais com humor no ano que vem. 

ISTOÉ

Desgasta trabalhar com a sua namorada, Clarice Falcão (atriz e cantora que atua nos vídeos do Porta dos Fundos)? 

Gregório Duvivier

A gente está muito junto, mas nos fins de semana cada um vai para um lugar. Eu viajo com a peça e ela vai fazer show (acaba de lançar o CD “Monomania”). Temos nossos momentos de distância e de trabalho juntos. Lazer e trabalho estão muito identificados para a gente. Não tem desgaste porque não consideramos o trabalho uma coisa penosa.