A Cimeira América Latina, Caribe e União Européia terminou como começou. Não se esperava nenhuma resolução importante e se esperava um show de Fidel Castro. Foi o que aconteceu. Concretamente, a única decisão aprovada foi a definição de uma nova data para uma segunda reunião de cúpula dos 49 chefes de Estado. O local acertado foi Madri, capital da Espanha, e o ano, 2002. No encontro, realizado entre os dias 28 e 29 de junho, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, uma extensa relação de 123 itens de boas intenções foi traduzida em dois documentos oficiais. A Declaração do Rio de Janeiro e as Prioridades de Ação mostraram apenas a vontade de se criar uma vaga sociedade estratégica entre o segundo e o terceiro maiores blocos econômicos do mundo, a União Européia e o Mercosul. E só.

Alterações sutis acabaram transformando a Declaração do Rio num documento ainda mais vago do que o original. E também mais diplomático. Tanto assim que, apesar do desconforto, o presidente de Cuba, Fidel Castro, não se esquivou de assiná-lo. Mas, em sinal de protesto, acabou não participando da foto oficial da Cimeira, o que causou certo constrangimento aos demais chefes de Estado. Aliás, enquanto esteve no Rio, El Comandante roubou a festa, ajudado pelos cubófilos de plantão. Fidel não gostou do fato de ter sido retirado do texto final a referência que se fazia à Lei Helms-Burton, a lei americana que impede empresas estrangeiras de fazerem negócios com a ilha, e criticou os ataques da Otan à Iugoslávia.

Apesar das vozes dissonantes, a Cimeira foi um sucesso diplomático com muitas fotos, apertos de mão e algumas definições para o próximo milênio. O presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu deixar o Rio na noite da terça-feira 29 com uma sensação de vitória parcial. Isso porque os franceses, que sempre impuseram barreiras protecionistas aos produtos agrícolas latino-americanos, finalmente aceitaram discutir o assunto a partir de julho de 2001. A conclusão sobre o tema deverá ocorrer mesmo depois da Rodada do Milênio, que começa em novembro em Seattle, EUA. Para os países do Mercosul, este tema é crucial. Desde o final da década de 80 os sul-americanos abriram suas fronteiras, enquanto a Europa continuou fechadíssima.

"A globalização deve valer para todos. Não pode ser dádiva para os ricos e privação para os pobres. Transformar a globalização assimétrica em globalização solidária é uma questão de justiça e de aspiração democrática", analisou Fernando Henrique. Seu discurso tinha alvo certo: atacar os parceiros europeus contrários à abertura comercial geral e irrestrita. Não é de hoje que o Brasil briga para que os produtos brasileiros, e consequentemente os do Mercosul, tenham acesso livre na Europa. Resta saber se a indústria nacional tem condições de enfrentar a concorrência internacional em pé de igualdade. Ao contrário dos países da Europa, o Brasil, particularmente, não tem uma cultura de exportação desenvolvida. O País exporta, por exemplo, suco de laranja, mas não consegue vender o produto no mercado externo com uma marca própria.

"Este governo não tem políticas industrial e agrícola. Ao buscar o livre comércio, o País está caminhando para o suicídio. Devíamos aprender com os países ricos que fecharam suas economias para proteger os seus empregos. Nós fizemos exatamente o contrário", disparou o sociólogo e professor da USP, Emir Sader. Ao transferir lá para fora as responsabilidades sobre as mazelas brasileiras, o governo está, na sua opinião, empurrando o Brasil à antiga condição de país primário exportador. As preocupações de Sader já começaram a fazer eco no meio empresarial. "Os europeus têm uma agenda clara e idéias bem definidas do que querem com a integração econômica e a abertura para os setores de serviço e investimentos. A demanda dos europeus é maior do que as nossas pretensões", adverte Roberto Teixeira da Costa, coordenador do Brasil no Conselho de Empresários da América Latina. Em resposta aos temores do empresariado nacional, Fernando Henrique disparou: "Empresário é como político: sempre precisa chorar um pouquinho; eu também choro. Todos têm medo do desconhecido. Mas, hoje, o desconhecido é previsível e dá para ser enfrentado com tranquilidade."