O empresário Pedro Paulo de Souza, dono da Encol, selou um acordo com o juiz da Vara de Falências de Goiânia, Avenir Passo de Oliveira. Trocou o apoio dos advogados, que decidiram denunciar o esquema de corrupção que envolve o juiz, pela promessa de uma confortável prisão domiciliar. Na segunda-feira 28, irritado com as denúncias publicadas por ISTOÉ, Pedro Paulo convocou os advogados para pedir trégua na briga com o juiz. Na sala de reuniões da Academia de Polícia Militar de Goiás, onde está preso, disse que as denúncias estavam prejudicando o acerto pelo qual Avenir, antes de sair de férias, permitiria que ele cumprisse a ordem de prisão em casa. Ao lado de Pedro Paulo, seu genro José Wey atacou os quatro advogados que estavam presentes: "Essa briga com o juiz está atrapalhando. O que queremos é tirar o Pedro Paulo daqui e proteger o patrimônio. Ele vai negar tudo." O encontro acabou com uma ameaça do advogado Sérgio Mello, que denunciou a distribuiçãode propina: "Se você negar, acaba o meu compromisso com você. Vou pedir uma acareação e abrir tudo."

No dia seguinte, Sérgio e os outros advogados presentes na reunião foram surpreendidos com uma manobra do juiz. Avenir marcou um depoimento relâmpago em que Pedro Paulo desmentiu as acusações de suborno. Os advogados da Encol não acompanharam o depoimento, onde teriam a chance de pressionar o empresário para que confirmasse suas denúncias. A reação foi imediata: dois dos advogados já começaram a contar ao Ministério Público, sob juramento, o que sabem sobre o esquema montado na Vara de Falências e Concordatas de Goiânia para desviar dinheiro da empresa. Mello confirmou aos promotores Abrão Amisy Neto e Maria Bernadete Ramos Crispim a entrega da sacola com dólares na casa do juiz, revelada por ISTOÉ. A divulgação do suborno provocou um ataque de nervos no juiz. Na quarta-feira 30, Avenir partiu para a agressão física à equipe de ISTOÉ. De maneira arbitrária, determinou a prisão dos jornalistas Mino Pedrosa e André Dusek.

Na tentativa de livrar a própria cara, Avenir alega que a decisão de prender Pedro Paulo é prova da sua inocência. Mas, na verdade, ela é parte da aliança com o empresário. A detenção em Goiânia bloqueia novas ordens de prisão que possam ser decretadas em outros Estados. O que Pedro Paulo mais teme é um pedido da Justiça de Brasília, onde os procuradores da República movem várias ações contra a Encol. Na capital, Pedro Paulo poderia ficar preso por tempo indeterminado e perderia o esquema de desvio de dinheiro que, segundo os advogados declararam na Justiça, o juiz ajuda a patrocinar. As declarações de Pedro Paulo ao juiz acabaram virando peça de marketing para Avenir. "É uma situação esdrúxula, onde o acusado de corrupção pergunta ao suposto corruptor se ele realmente o corrompeu", diz a promotora Maria Bernadete, adiantando que esta parte do depoimento não tem o menor valor jurídico.

Em um relato de 12 horas, Sérgio Mello revelou aos promotores que a pequena construtora Govesa é testa-de-ferro da própria Encol, facilitando o esquema de desvio de dinheiro da massa falida. A construtora assumiu a conclusão de obras que a Encol deixou inacabadas, num sistema adotado desde a concordata. A Encol vende aos mutuários, organizados em condomínios, os terrenos e os esqueletos dos prédios. Embutidas no preço, vão todas as dívidas associadas aos empreendimentos. Os mutuários, por sua vez, ficam responsáveis pelos custos de contratação de uma empresa para acabar a construção. Segundo Sérgio Mello, o advogado Micael Mateus, conhecido como "O Sombra" e que foi um dos portadores da sacola de dólares levada à casa do juiz, nas negociações com os mutuários, sempre colocava a contratação da Govesa como uma imposição. Usava o argumento de que a empresa tinha credibilidade para levantar financiamentos bancários. A Govesa superfaturava as obras e a Encol, ainda concordatária e sob a administração de executivos ligados ao empresário Pedro Paulo, aprovava oficialmente o orçamento. Resultado final do conluio: os mutuários da Encol mais uma vez eram lesados, e a massa falida pagava a conta. "O envolvimento da Govesa com a Encol era total. Ouvi do próprio dr. Pedro Paulo que estava comprando a construtora", disse Mello aos promotores.

 

Grande negócio O esquema ainda existe e passa pela caneta do juiz Avenir. Pela lei, qualquer operação que signifique tirar um bem da massa falida tem que ser aprovada pelo juiz. Curiosamente, Avenir vem se empenhando especialmente em fechar um grande negócio, de R$ 600 milhões, que prevê a conclusão de 259 obras espalhadas por todo o País. O Bradesco está disposto a conceder o empréstimo e a Govesa divide a parceria no empreendimento com a peso pesado Camargo Corrêa. Sérgio Mello disse que o diretor da Govesa, Jorcelino Braga, chegou a participar junto com Avenir de negociações na sede do Bradesco, em Osasco (SP). A Govesa também foi usada pela Encol para fazer pagamentos irregulares ao ex-comissário e ex-síndico da massa falida Habib Badião, que acompanhou "O Sombra" na entrega dos dólares ao juiz. Segundo Mello, a Encol chegou a repassar à Govesa um imóvel, posteriormente vendido para antecipar o pagamento de parte da comissão de Badião, fixada em R$ 1 milhão. Pela lei, Badião, que saiu do processo antes da sua conclusão, não poderia receber nem um tostão. Outro filão de desvios está nos créditos trabalhistas, os primeiros na fila de pagamento das dívidas. Mello confirmou uma denúncia que o MP já investigava: empresas estão comprando, com desconto, dívidas trabalhistas de ex-funcionários da Encol. Com isso, candidatam-se a receber o dinheiro. Os promotores suspeitam que essas empresas sejam ligadas ao esquema.

No início deste ano, às vésperas da falência, Pedro Paulo também garantiu o seu pé-de-meia. Na venda do Hotel Renaissance, na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, a compradora, a cadeia internacional Marriott, pagou R$ 8,5 milhões. No caixa da concordata, no entanto, só entraram R$ 4 milhões. Segundo denunciou Mello à promotora Bernadete, os outros R$ 4,5 milhões estão sendo pagos, em dólares, a Rodrigo Dimas de Souza, um dos filhos de Pedro Paulo, a título de uma assessoria que estaria prestando à Marriott.

Além das revelações sobre o esquema montado por Pedro Paulo para desviar patrimônio da massa falida da Encol, outras denúncias contra o juiz Avenir voltaram a pipocar na última semana. No programa de tevê, ancorado pelo jornalista Paulo Beringhs em Goiânia, o advogado Paulo Viana mostrou fotos com a vista aérea da mansão de Avenir e do condomínio que o juiz está construindo a 18 quilômetros da capital de Goiás. Para sair do tiroteio, o juiz, que também esteve no programa, tenta agora articular a sua mudança da Vara de Falências. "Mesmo que ele saia, vai responder por tudo o que fez", diz o advogado Waldomiro de Azevedo, que formalizou cinco denúncias contra o juiz e não tem nenhuma relação com a Encol. O MP tem até pistas para rastrear os dólares entregues na casa de Avenir. Os promotores estão investigando uma denúncia de que o dinheiro obtido com a venda da boiada passou pela conta de Micael. Eles também têm em mãos uma lista de empresas onde o dinheiro pode ter sido trocado pelos dólares. A primeira delas é a Ventur Viagens e Turismo, do maior doleiro de Goiânia, Sassini Ibrahim Chehoud. Até 1992, o doleiro, coincidentemente, era sócio do desembargador e ex-presidente do Tribunal de Justiça de Goiânia Fenelon Theodoro Reis, considerado um amigo fiel de Avenir.

O juiz também terá de dar explicações à CPI do Judiciário. Na quarta-feira 30, a comissão decidiu investigar a denúncia de que ele teria recebido R$ 1 milhão para facilitar a vida dos donos da Encol. "Esse caso não podia ficar fora da CPI. O doutor Avenir vai ter de se explicar, não pode é se esconder na sua condição de juiz e se achar acima da lei", disse o vice-presidente da comissão, senador Carlos Wilson (PSDB-PE). Logo depois do recesso parlamentar de julho, a CPI vai apurar o caso. Os primeiros a serem ouvidos são os quatro advogados que acusaram o juiz de ter recebido suborno, em depoimento marcado para a quarta-feira 4 de agosto. Em seguida, a comissão convocará Avenir e Pedro Paulo. "Esse caso vai fechar com chave de ouro a CPI", comemorou o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, ao parabenizar Wilson por ter proposto a apuração desta história escabrosa.

 

Juiz agride jornalistas de ISTOÉ

Sem argumentos para responder às denúncias sobre as escabrosas histórias em torno da falência da Encol, o juiz Avenir de Oliveira extrapolou. Na quarta-feira 30, convocou uma entrevista para caluniar a jornalista Sônia Filgueiras, responsável, ao lado de Mino Pedrosa, pela reportagem em que os advogados da Encol denunciaram a entrega, na casa de Avenir, de uma sacola com R$ 1 milhão em dólar, desviados do patrimônio da empresa. Avenir inventou uma história, segundo a qual Sônia teria tentado extorquir R$ 25 mil em troca da supressão do seu nome da matéria. Temendo ser imediatamente desmentido, proibiu o acesso à entrevista dos jornalistas Mino Pedrosa e André Dusek, de ISTOÉ. Na tentativa de evitar ser fotografado, Avenir ainda chamou a polícia para expulsar os dois repórteres dos corredores do fórum, onde aguardavam para registrar a sua saída. Ao ser fotografado por Dusek, o juiz resolveu partir para a agressão física. Enquanto o comandante da operação segurava Pedrosa, três PMs agarravam Dusek. Com o fotógrafo imobilizado no chão, o juiz avançou sobre ele para arrancar a câmara. Com violência, Avenir quebrou o flash e o usou para golpear Dusek na cabeça. O fotógrafo ficou com um hematoma de três centímetros na cabeça. Com a máquina nas mãos, Avenir voltou ao gabinete e ordenou a prisão dos dois jornalistas.

Na delegacia, abriu-se um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), com enquadramento dos repórteres no artigo 330 do Código Penal, que significa desobediência de ordem judicial. Não é o entendimento de alguns dos mais renomados juristas brasileiros. "O juiz tomou uma atitude típica de bandidos que se acham protegidos pela capa da magistratura. Assim, escondidos pela toga, agridem jornalistas que estão no exercício legítimo do seu direito de informar", afirmou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Reginaldo de Castro. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) foi ao plenário e protestou: "Conheço a repórter de longa data e sei de sua excelente reputação." Para o jurista Evandro Lins e Silva, "os dois estavam em local público, exercendo a profissão, e não podiam ser presos em flagrante". O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho, afirmou que imprensa não pode ser coagida. "Não podemos tolerar o arbítrio, parta de onde partir." A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) encaminhou um relatório à Federação Internacional de Jornalistas para denunciar arbitrariedade, agressão física e a liberdade de imprensa e expressão. Não ficou só por aí. Além de responder a uma ação judicial de ISTOÉ por calúnia, o juiz também terá de se explicar num inquérito instaurado pelo Ministério Público para apurar abuso de autoridade.

Guilherme Evelin e Hélio Contreiras