Se fosse ficção, essa seria a história perfeita de um tesouro perdido – ou melhor, de um tesouro emprestado e nunca mais devolvido. Mas a trajetória de mais de quatro mil peças que pertenceram ao Império Inca e foram levadas do Peru há um século não tem nada de ficcional, é a mais pura realidade. Retiradas dos peruanos em 1916 pelo arqueólogo americano Hiram Bingham, sob a condição de que logo seriam devolvidas, transportaram-nas para os EUA, mais pontualmente para a Universidade de Yale onde serviram de base para estudos sobre antigas civilizações. Com o passar do tempo, o empréstimo ficou esquecido e o tesouro nunca mais saiu dessa instituição. Na semana passada, peruanos e americanos firmaram um acordo que irá, finalmente, permitir que essas valiosas peças voltem para casa.

Elas foram descobertas por Bingham em 1911, em Machu Picchu, com a ajuda da população local – região que foi o berço da cultura inca no Peru. O pesquisador escavou mais de 100 tumbas nas quais encontrou múmias, ossos, vestimentas, jóias e objetos de cerâmica.

Empenhando a sua palavra de que devolveria todo o material recolhido, Bingham conseguiu levar as peças para o seu país. O tempo foi passando, as cobranças eram desconsideradas, até que um dia a Universidade de Yale declarou desconhecer o empréstimo e se negou a devolver o tesouro. As autoridades peruanas iniciaram então uma dura e longa, muito longa, campanha diplomática que chegou ao auge quando Alejandro Toledo assumiu a Presidência do Peru em 2001 e ameaçou processar em tribunais internacionais a Universidade de Yale caso os seus diretores insistissem em manter o tesouro inca em seu poder. No ano passado, o Congresso peruano deu um ultimato aos EUA com a aprovação de uma lei que exigia a repatriação imediata das peças. Encarregado de tomar a frente da negociação, o ministro da Habitação, Hernán Garrido Lecca, finalmente fechou a questão – e foi ele próprio quem anunciou agora a assinatura do acordo que reporá aos peruanos o que é dos peruanos – mais do que isso, é patrimônio vital da história e da memória cultural do país.

Arqueólogos e historiadores do mundo inteiro vão sair ganhando, no campo do conhecimento científico, com esse acordo. Como condição para receber as peças de volta, o governo peruano comprometeu-se a construir um museu onde elas ficarão em exposição permanente. Além disso, também criarão um centro de pesquisas na cidade de Cuzco que irá incentivar o desenvolvimento de novos estudos na região. Mas não será necessário, num primeiro momento, viajar até o Peru para ver de perto as relíquias incas. “Enquanto o museu é construído, nos próximos dois anos faremos uma turnê pelas principais cidades do mundo para mostrar as peças”, diz Lecca. Essa exposição itinerante terá a curadoria do Instituto Nacional de Cultura do Peru em parceria com a Universidade de Yale. As pazes estão feitas, 100 anos depois.


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