O Palácio da Redenção, em João Pessoa (PB), estava quase vazio na quarta-feira 22. A única sala onde se via gente trabalhando, no primeiro andar, tinha três servidores. Eles introduziam freneticamente papéis em uma trituradeira elétrica. Enquanto isso, o governador Cássio Cunha Lima (PSDB) afivelava as próprias malas para uma viagem a Portugal. Ele foi reeleito com uma vantagem de 52 mil votos sobre seu adversário José Maranhão (PSDB-PB), mas é alvo de cinco processos em curso na Corregedoria do Tribunal Regional Eleitoral. Cada um deles guarda elementos suficientes para barrar a sua diplomação para o segundo mandato, marcada para o dia 18 de dezembro, ou, mais tarde, custar-lhe a cassação. Sob o rótulo de “prestação de assistência social e ajuda financeira a pessoas carentes”, por meio da Fundação de Ação Comunitária (FAC) a administração que ele chefia distribuiu no ano da eleição nada menos que 35 mil cheques para cidadãos da Paraíba e, até, de fora do Estado. Alguns ultrapassaram o valor de R$ 10 mil. Até mulher de deputado ganhou cheque.

Para analisar a montanha de cheques, o corregedor regional eleitoral Alexandre Targino Falcão teve de requisitar uma auditoria externa. A pedido do TRE, a analista de controle do Tribunal de Contas da União Ana Lígia Lins Urquiza destrinchou este mês, em um laudo técnico de 62 páginas, todas as doações em cheques feitas pelo governo de Cássio nos últimos dois anos. Além da Casa Civil, o governo local usou a FAC para distribuir o dinheiro. A auditora questiona a própria constitucionalidade dessas doações.

Na lista dos que receberam cheques há casos emblemáticos de pessoas que não tinham nada de carentes. A auditoria apurou que Emília Mendonça Limeira Ferreira, por exemplo, embolsou R$ 10,9 mil a título de ajuda para um tratamento dentário. Ela é mulher do deputado estadual Ruy Carneiro (PSDB). Ruy é da base de sustentação de Cássio na Assembléia. O laudo técnico diz que Emília não apresentou nenhum orçamento de suposto tratamento dentário nem atestado de carente. O casal não quis dar explicações sobre a doação. Nos últimos dois anos, o governo paraibano distribuiu R$ 5,1 milhões diretamente aos cidadãos.

A auditoria técnica constatou também que outro dos beneficiários dos cheques, Rosenilson Pinheiro, solicitou dinheiro para o pagamento de mensalidades atrasadas da escola particular dos filhos. Ganhou R$ 1,6 mil. Ricardo Varandas levou R$ 2 mil de Cássio e apresentou o pagamento de um plano de saúde particular como comprovante de despesas. Renata Maciel mostrou declaração de despesa emitida para o plano de saúde da Associação dos Funcionários da Secretaria da Fazenda para justificar recebimento de R$ 1,5 mil. O governo de Cássio deu dinheiro até para gente que mora fora da Paraíba, como Thereza Cristina de Souza (R$ 5 mil). O laudo técnico descobriu ainda pagamento de R$ 2 mil para o assessor de imprensa Severino da Silva. Noutra fatura, o funcionário da Secretaria de Educação, Nathanael dos Santos, ganhou R$ 1,7 mil.

A FAC, para cobrir os cheques, sugou dinheiro do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza da Paraíba, o Funcep. Vários beneficiários que alegavam dificuldades financeiras moram em residências de alvenaria, com saneamento básico e outras benesses públicas. Na contramão da ONU, Cássio distribuiu dinheiro só para eleitores de municípios com maiores índices de desenvolvimento humano (IDH), exemplo de João Pessoa, Campina Grande e Bayeux. As populações mais miseráveis, em Cacimbas, Curral de Cima, Natuba, Casserengue e Poço Dantas – os cinco com menores IDH’s – não receberam nada. João Pessoa, maior IDH, recebeu 5,5 mil cheques. Campina Grande, terceiro maior IDH, 3,4 mil cheques. Os recursos também patrocinaram encontros de estudantes de direito, cursos de auditor, festividades de formatura e até ajuda para festival de repentista. “Em qualquer programa social há equívocos”, justifica Luciano Pires, advogado de Cássio. “Cássio vai ser cassado”, rebate o advogado Marcelo Weick, contratado pela oposição para ajuizar as ações.

A Corregedoria do TRE apresentará em dezembro os primeiros relatórios sobre as cinco ações que correm contra o governador. Cássio terá de esclarecer, por exemplo, os gastos de R$ 4 milhões de janeiro a junho deste ano em “assistência social”, 85% do total gasto na mesma rubrica nos anos de 2003, 2004 e 2005 juntos. O mototaxista Adriano Severino da Silva contou à Corregedoria que pediu ajuda diretamente ao governador e teria ouvido de volta: “Aguarde que vai chegar. Eu lhe ajudo e você me ajuda.” Mais tarde, recebeu seu cheque. Auditoria do Tribunal de Contas do Estado, de 30 de agosto, atribuiu a distribuição de cheques do Funcep a “fins eleitoreiros”.

Além disso, houve literalmente uma chuva eleitoral de dinheiro em João Pessoa. Nas vésperas do segundo turno, agentes das policias Federal e Rodoviária Federal apreenderam R$ 450 mil em dinheiro vivo. O governador pode estar envolvido. Parte desse dinheiro, R$ 42 mil, estava com dois servidores públicos, em um carro alugado pelo Estado. A PF vai chamar um agiota que jogou R$ 304 mil da janela do Edifício Concorde nas vésperas da eleição. Além do pacote de dinheiro voaram camisetas amarelas, da cor da coligação de Cássio, propaganda eleitoral do governador e contas de água e luz, pagas e a pagar. No domingo da eleição, a população foi ao prédio para acompanhar a apreensão de outros R$ 100 mil. Mais de 200 pessoas gritaram: “Fora Cunha Lima.” Procurado por ISTOÉ, Cássio não
quis falar.