Em qualquer idade, o alcoolismo é uma tragédia. Na maioria dos casos, ele destrói o indivíduo, desequilibra a família e traz um custo imenso para a sociedade. Quando atinge pessoas jovens, no entanto, ganha cores ainda mais dramáticas – dá para imaginar, então, quando o álcool se associa à adolescência. Esse é um cenário que está se tornando comum no Brasil, como atesta pesquisa da Secretaria Nacional Anti-Drogas em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os adolescentes participam de forma cada vez mais expressiva da estatística do alcoolismo no País e já correspondem a 10% da parcela de brasileiros que bebem muito, somando um total de 3,5 milhões de jovens. Esse número é resultado da tendência de aumento de consumo nessa faixa etária já verificado por estudos anteriores. Em levantamento feito no ano passado pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas, em cinco anos a ingestão de bebidas alcoólicas aumentou 30% entre jovens de 12 a 17 anos e 25% entre jovens de 18 a 24 anos.

A pesquisa da Secretaria Anti-Drogas e Unifesp é a mais ampla já realizada sobre o consumo de álcool no Brasil. Foram 2,6 mil entrevistas com pessoas de 14 anos ou mais, em 129 municípios. Além de apresentar a parcela de jovens que abusam do álcool, o estudo mostra que, pela primeira vez, as meninas estão bebendo quase tanto quanto os meninos: 7% dos homens de até 25 anos bebem uma ou mais vezes por semana, consumindo, nessas ocasiões, cinco ou mais doses. Entre as mulheres dessa faixa etária, 5% manifestam o mesmo padrão de consumo. Acima dos 25 anos, a proporção é bem diferente: 27% dos homens contra 14% das mulheres. Se as adolescentes continuarem bebendo no ritmo detectado pelos especialistas, é provável que a participação feminina no drama do alcoolismo seja ainda maior no futuro. Dados atuais já são suficientes para disparar um alarme. Segundo estudo da Secretaria de Saúde de São Paulo, nos últimos três anos aumentou em 78% o número de mulheres que procuram tratamento nos centros de saúde. Há outros levantamentos que reforçam o alerta: os jovens estão iniciando cedo a rotina de abuso de álcool. A idade média em que meninos e meninas de 14 a 17 anos começaram a beber foi 14,6 anos. A mesma pergunta foi feita para jovens de 18 a 25 anos. Eles começaram bem mais tarde: 17,3 anos.

O quadro estampado pelos números pode ser visto facilmente nas ruas. Basta passar em bares próximos de escolas e faculdades para encontrar grupos de jovens com copos nas mãos. Em São Paulo, por exemplo, é no boteco Boimbar que os estudantes da Faap, uma das mais caras do País, se encontram para beber. O consumo médio é de duas garrafas de cerveja por estudante. Os mais abastados são fãs do uísque misturado com energético. Como retratou a pesquisa, as meninas muitas vezes superam os garotos. É o que ocorre com as amigas Júnia Karan, 19 anos, Stella de Abreu, 18, L. J., 17, e Fernanda Barroso, 18. Elas saem juntas quatro vezes por semana para “tomar todas” nos botecos. “Meus pais ficam assustados com a freqüência com que a gente bebe e criticam muito”, comenta Stella, estudante de cinema.

Muito se especula sobre as razões que estão levando os jovens a beber tanto. Há alguns motivos conhecidos. Entre a turma, a bebida é uma ferramenta de socialização. “Você já ouviu dizer que alguém fez amigo tomando leite?”, brinca o estudante Guilherme Sarue, 19 anos, que costuma sair para beber com o amigo Tomy Holsberg. Outro fator é o financeiro. “As baladas são muito caras. A gente gasta menos nos bares e consegue conversar com os amigos”, explica a estudante Fernanda Barroso. Também se sabe que muitos dos jovens têm dificuldades de relacionamento em casa ou na escola.

Um dos grandes problemas é perceber quando se está passando do limite. Afinal, porres são comuns na juventude. Mas é possível ter alguns indícios de que a situação está fugindo ao controle. Entre eles, estão bebedeiras diárias ou nos finais de semana, desinteresse em festas que não tenham álcool, agressividade, isolamento, escolha de amigos que só saem para beber. “Eles não conseguem mais se divertir sem a bebida”, explica a psiquiatra infantil Jackeline Giusti, de São Paulo.

É importante saber distinguir o consumo normal do preocupante para que o adolescente de hoje não se torne um dependente de álcool. Há 19 milhões de brasileiros nessas condições. Na vida dessas pessoas, a bebida transformou-se num motor de destruição. A empresária paulista Denise (nome fictício), por exemplo, cruzou a fronteira entre a farra e a dependência 16 anos atrás e só se recuperou depois de muita luta. “Com 14 anos, bebia escondido todos os dias”, conta. Ela ficou com a vida tão transtornada que abandonou o curso de filosofia e perdeu o rumo profissional. Aos 26 anos, abriu um bar. Em um mês, tomava vodca no gargalo todos os dias, esquecia de cobrar a conta dos clientes e desmaiava no banheiro. “Estava no fundo do poço e vi que o meu negócio ia fechar se eu não me tratasse”, diz. Denise procurou os Alcoólicos Anônimos e contou com a ajuda do namorado, Carlos. “No começo, achava que seria impossível parar”, lembra. Mas desde o ano passado ela só bebe água, suco ou café.

Os prejuízos não se limitam à vida pessoal do indivíduo. Uma das mais terríveis conseqüências do alcoolismo são os acidentes de trânsito. Anualmente, 35 mil pessoas morrem nas estradas brasileiras devido ao uso abusivo de álcool. Aproxima-se do total de homicídios – 48 mil por ano, segundo a Organização dos Estados Ibero-Americanos.

Muitas vezes a sorte falta justamente a quem nunca passou perto de bebida. Foi o caso da paulista Andréa de Oliveira, 24 anos. Há quatro anos, ela foi vítima da imprudência de um motorista alcoolizado. A tragédia ocorreu numa data que tinha tudo para ser especial: o seu primeiro dia de trabalho no primeiro emprego de sua vida. Recémformada em enfermagem, ela também se preparava para uma apresentação de dança, que ocorreria no dia seguinte ao acidente. “Tudo estava dando tão certo na minha vida que parecia até mentira”, lembra. Foi quando um motorista de 23 anos, bêbado, atropelou os seus sonhos. Ela atravessava uma avenida quando foi atingida por um microônibus a mais de 100 quilômetros por hora que ultrapassara o sinal vermelho.

Andréa quebrou sete costelas, o quadril e a clavícula. O pulmão também foi atingido. Ficou internada um mês e precisou de um aparelho para respirar durante quatro meses. Sua carreira foi interrompida por dois anos. Até hoje faz sessões semanais de fisioterapia e só se locomove com o auxílio de um andador. Sua mão direita ficou paralisada. “O que mais sinto falta é da dança. Era a minha vida”, conta a jovem, que sonha em recuperar os movimentos. O motorista nunca foi localizado pela polícia.

Outra vítima indireta é o arquiteto Gabriel Padilla, pai de Ana Clara Padilla. A moça morreu em 2006, aos 17 anos, em um acidente de carro. Todos os ocupantes do veículo em que ela se encontrava também morreram. Eles estavam alcoolizados. Ela, não. Gabriel acaba de lançar o livro O relato de um amor. Na obra, fala da filha e alerta os jovens para o risco de acidentes como o que tirou a vida de Ana Clara. “A mistura de álcool em excesso, imprudência, inexperiência na direção e cansaço de uma noite sem dormir é mortal”, diz.

Algumas iniciativas estão sendo tomadas para diminuir a ocorrência de tragédias como essas. Recentemente, o governo lançou uma campanha sobre os riscos e prejuízos do alcoolismo e, no mês que vem, pretende dar início ao processo de restrição de propagandas de bebidas alcoólicas, previsto em uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “O assunto está incluído no PAC da saúde”, diz José Gomes Temporão, ministro da Saúde. Segundo a proposta, a publicidade das bebidas fica proibida das 8h às 21h em rádios e tevês. Nos outros horários, nos veículos impressos e na internet, a propaganda terá de ser acompanhada por alertas que associem o consumo a acidentes de trânsito com vítimas, má-formação fetal, abuso sexual e episódios de violência, num total de 13 frases que substituirão o tradicional “beba com moderação”. A resolução também quer vetar a comercialização do produto em estradas e postos de gasolina. “Pretendemos proibir a indústria de bebidas alcoólicas de patrocinar eventos esportivos e festivais de música, como ocorreu com o cigarro”, diz Pedro Godinho Delgado, do Ministério da Saúde.

Na esfera do comportamento, os especialistas recomendam maior rigor. “Adolescente não tem de beber. Festa de 16 anos não pode servir cerveja. A sociedade precisa ter uma participação mais crítica”, afirma Ilana Pinksy, professora da Unifesp. O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, também da Unifesp, defende ações preventivas mais contundentes. “É fundamental priorizar a prevenção para que aqueles que não bebem não adotem o hábito”, diz. O neurologista José Mauro de Lima, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vai além. Propõe uma redução no limite de concentração de álcool no sangue em motoristas. “A atual taxa, de 0,6 grama por litro de sangue, é elevada”, garante.

Na área de tratamento, a novidade é a comprovação da eficácia de três estratégias: a psicoterapia para prevenção de recaídas, a entrevista motivacional (sessões nas quais se dá muito espaço para a fala do paciente) e os 12 passos dos Alcoólicos Anônimos (que prega a abstinência total). Os bons resultados dessas opções foram aferidos em um estudo recente realizado pelo Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo dos Estados Unidos. Os pesquisadores verificaram que os pacientes que participaram das terapias apresentaram nos seis meses seguintes redução no uso do álcool ou até mesmo abstinência. Quanto aos remédios, eles podem funcionar como auxiliares, mas no máximo por um ano.