O Rio de Janeiro tomou um banho de loja. Praças foram refeitas, buracos de ruas, tapados, tunéis voltaram a mostrar o mármore original e até os mendigos do Parque do Flamengo foram "varridos" para a periferia da cidade. Tudo isso para receber os 48 chefes de Estado que se encontram na cidade neste final de semana para participar da Cimeira (versão portuguesa para cúpula) América Latina, Caribe e União Européia, nos dias 28 e 29, no Museu de Arte Moderna (MAM). A despeito da maioria da população local não fazer a menor idéia do que seja o encontro, será a primeira vez que líderes latino-americanos e europeus vão sentar-se para discutir uma nova forma de relacionamento para o próximo milênio. Nenhum resultado milagroso deverá sair desta reunião. Mesmo assim, a expectativa é grande.

A Cimeira estava fadada ao fracasso até a terça-feira 22. Os ânimos só melhoraram depois que o Conselho de Ministros da União Européia decidiu no dia anterior, em Luxemburgo, autorizar o início das negociações entre o Mercosul e a União Européia. O sinal verde para a criação de uma área de livre comércio e a fixação de um calendário para iniciar as discussões derrubaram "os obstáculos psicológicos que rondavam negativamente o encontro", comentou o diretor para a América Latina da União Européia, o português Francisco Câmara. As negociações em torno da criação dessa área de livre comércio podem começar em julho de 2001 e a previsão de término é 2005.

Isto significa que o poderoso bloqueio levantado por franceses, ingleses e irlandeses contra os produtos agrícolas do Mercosul começa a cair. Pelo menos retoricamente. Hoje, os produtos agrícolas daqui chegam à Europa caríssimos devido aos altos impostos cobrados. O lado protecionista da Europa queria discutir o fim dessas barreiras somente depois do término da Rodada do Milênio, reunião da Organização Mundial do Comércio, prevista para começar em novembro próximo. A pressão contra o protecionismo europeu saiu de Espanha, Portugal e Itália. Ao colocar a Espanha de um lado e a França de outro, a Cimeira estava dividida entre seus dois mentores, já que o evento é uma idéia franco-espanhola. "O mais importante é o diálogo institucionalizado do Mercosul com a União Européia. O Mercosul representa mais da metade do comércio da UE com a América Latina", avalia o embaixador brasileiro e coordenador do evento, Luiz Augusto de Castro Neves. Os temas econômico-comerciais serão apenas um dos muitos assuntos que serão discutidos na Cimeira. Está sendo esperada a assinatura de um pacto antidrogas pelos 33 chefes de Estado latino-americanos e os 15 europeus.

 

Longe da favela Durante os dois dias da Cimeira, o MAM vai se transformar numa festa diplomática orçada em R$ 25 milhões, que saíram dos cofres federal e municipal. O clima festivo já tomou conta da cidade desde o começo da última semana. O anfitrião da festa é o presidente Fernando Henrique Cardoso, mas é o prefeito do Rio, Luiz Paulo Conde, quem está emprestando a casa. Um exército de oito mil homens está espalhado pela cidade. Parte deles vem do Comando Militar do Leste e tem a responsabilidade da segurança do evento, outra parcela é responsável por conter os pequenos roubos. Para evitar problemas diplomáticos, a organização excluiu do trajeto dos chefes de Estado uma das principais vias de acesso à cidade, a Linha Vermelha, que é rodeada por favelas. Desde a quarta-feira 23, o espaço aéreo por onde as comitivas passarão está restrito a até 500 metros de altitude. Abaixo dessa altitude e neste corredor só poderão voar as aeronaves envolvidas no evento. Para facilitar o percurso dos convidados, várias ruas da zona sul do Rio tiveram sua mão trocada. O prefeito pensou em decretar feriado, mas foi obrigado a recuar da idéia. Agora, é torcer para que todo este investimento se converta em benefícios comerciais para o Brasil no futuro.

 

Carisma cubano

Ninguém sabe exatamente por onde ele circulará. Todos os passos que dará no Rio, no entanto, já foram cuidadosamente traçados por cinco seguranças incógnitos que desembarcaram na cidade há dez dias. Outros 48 agentes são esperados para cuidar da segurança do El Comandante Fidel Castro. Três andares do Hotel Othon foram reservados para a maior comitiva da Cimeira, um total de 200 pessoas. O quarto de Fidel só será decidido na hora de sua chegada. Uma cozinha foi especialmente montada para que o cozinheiro particular do líder cubano prepare suas refeições. Até os ingredientes vieram da ilha.

A popularidade de Fidel é tanta que ele conseguiu a proeza suprapartidária de ser convidado para eventos de origens ideológicas opostas. A esquerda está alvoroçada. Os cubófilos de plantão montaram até um seminário sobre Cuba na Universidade Federal Fluminense (UFF), assim como o campus da Universidade Estadual do Rio (Uerj) vai sediar um encontro estudantil. Mas até mesmo a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) agendou um encontro. Seu presidente, o católico e social-democrata Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira está animado em conhecê-lo. "As idéias de Fidel evoluíram muito desde a Revolução cubana", acredita.