"Tenho uma pergunta sobre Ricardo Mansur," introduz a repórter. "Eu já disse que não tenho nada a ver com Mansur. Ele está absolutamente fora do Mappin e da Mesbla", reage o atual administrador das duas redes, José Paulo Amaral. Sobre o assunto, o executivo apenas responde que o dono telefona eventualmente para saber como vão as coisas, mas nem chega a falar com ele. Amaral, ex-sócio de Jorge Paulo Lemann e reestruturador da Mesbla, antes de ser vendida ao próprio Mansur, recebeu plenos poderes para tentar salvar as lojas da falência – depois de levar um sonoro "não" do BNDES quanto a um empréstimo de R$ 102 milhões, optou por vender produtos em consignação. Por pressão dos credores, Mansur já tinha se afastado de seu projeto de ser o rei do varejo brasileiro. Encostado na parede, com as redes devendo mais de R$ 1,1 bilhão, o empresário escreveu uma carta no dia 9 de junho, assumindo o compromisso de doar suas ações, hoje deficitárias, aos funcionários. Se não debandasse do Mappin e da Mesbla, nenhuma proposta de salvação seria aceita. Amigos da família dizem que Mansur transita agora entre Londres, onde primeiro comprou um apartamento, depois construiu um castelo em estilo vitoriano, e Miami. O fato é que sumiu do solo brasileiro. Mas não está assistindo impassível a tudo. Está tentando defender o próprio caixa.

"Ele não é encontrado há uns 45 dias", afirma o advogado Roberto Moreira Lima, que representa a VR, empresa de Abram Szajman, ex-sócio minoritário do Mappin. No dia 5 de abril, Mansur esteve no escritório de Moreira Lima, segundo o advogado, para propor uma moratória de notas promissórias, sacudindo um vespeiro acalmado em 1997. A VR era uma das acionistas minoritárias da Casa Anglo Brasileira, holding do Mappin. Pela antiga lei das sociedades anônimas, Mansur, ao adquirir a rede, teria de fazer uma oferta pública aos minoritários. Mansur propôs um valor proporcional ao que tinha pago pelas ações da antiga controladora, Cosette Alves, mas os minoritários queriam que fosse adicionado o valor do passivo assumido, considerando que o preço proposto estava subvalorizado. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu ganho de causa aos minoritários. O banco JP Morgan recebeu sua parte à vista, e a VR, que tinha o dobro das ações, aceitou o pagamento em 36 prestações. Mansur pagou durante um ano e agora está na Justiça tentando anular o acordo.

 

Sem capital Em uma conta rápida, encontra-se a razão: sem considerar a correção, faltam dois anos de prestações mensais de cerca de R$ 820 mil, uns R$ 20 milhões no total. Se o acordo for anulado, além de deixar de pagar o que resta, Mansur ainda recebe de volta o que já pagou à VR. Em troca, devolve a ela as ações, que, devido à atual crise, não valem lá muita coisa. A linha do advogado de Mansur no caso, Luiz Roberto de Arruda Sampaio, é que considerar esse passivo daria margem a umas tantas outras ilações, como incluir os ganhos futuros do Mappin. Mas por que mexer nisso agora? "Mansur ficou descapitalizado com esse desembolso, também teve a liquidação do Crefisul, o fim dos financiamentos do Bradesco e a crise das duas redes", diz Arruda Sampaio.

O castelo do empresário começou a ruir no final do ano passado. "A má situação da economia foi determinante para essa derrocada", afirma o analista de varejo do Banco Pactual, Bruno Zaremba. Mansur havia se enchido de estoque, com o empurrãozinho dos fabricantes de eletroeletrônicos. A estratégia para o Mappin e a Mesbla sempre foi fazer caixa suficiente para abater suavemente a dívida, sem pagar o principal. A recessão trouxe o golpe final, e até o Bradesco, financiador habitual das idéias de Mansur, deu um basta na história. Foi então que ele teria começado a desviar dinheiro das redes, por procedimentos até legais, e garantir o seu quinhão. Em nome de Mansur não há imóvel algum registrado na capital paulista, nem mesmo a mansão onde mora, em frente à casa de Paulo Maluf, nos Jardins. Em nome de sua holding United, foram encontrados apenas o prédio do Mappin Itaim – a United tem 27%, mas 24% estão hipotecados em favor da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil – e um apartamento dúplex em Moema, zona sul. Havia três outras casas no nome da United até 11 de março. Mas Mansur transferiu-as para as filhas Paola e Marie, valendo-se de um recurso jurídico chamado "dação em pagamento": alegando uma dívida que teria com elas, pagou com imóveis, em um negócio com valor registrado de R$ 2,4 milhões. Sorte ou puro faro. Depois da transferência, o banco de Mansur, o Crefisul, foi liquidado, e seus bens tornaram-se indisponíveis. Na tentativa de livrar a própria pele, Mansur estaria ainda, segundo corretores de shopping centers, costurando a venda de pontos já desativados do Mappin Telecom à rede de moda masculina Via Venetto.

 

Cavalo e avestruz O filho de libaneses, que levou cartão vermelho no seleto clube Harmonia, e nunca foi muito bem aceito pela fechada sociedade paulistana, pode estar se preparando para morar em Londres de vez. Ele deixaria aqui alguns de seus projetos megalômanos, como a mansão no condomínio Helvécia, em Indaiatuba, interior de São Paulo. No estilo da fazenda Tara, de …E o vento levou, a construção tem três campos de pólo (seu esporte predileto), três cozinhas, muitos móveis antigos arrematados em leilões em Londres, uns 40 cavalos puros-sangues e até avestruzes – palavra de quem já viu. Também é um desfecho incômodo para quem lidou com tantos negócios diferentes, em situações muitas vezes mal explicadas. Ricardo Mansur foi dono das indústrias Leco e Vigor, hoje nas mãos do irmão e desafeto Carlos Mansur, da franquia da Pizza Hut em São Paulo, revendida para a matriz americana com dívidas ocultadas dos balanços, e da Ford Models. Mansur pode até ficar com dinheiro no final da história, mas já está com a imagem arranhadíssima no mercado brasileiro.