No início dos anos 80, um escritor endividado procurou o restaurador carioca Cláudio Valério Teixeira para que ele salvasse o único bem que lhe restava: uma tela do pintor José Pancetti que, em bom estado, poderia lhe render em valores de hoje uns R$ 100 mil. Quando Cláudio iniciou o trabalho, descobriu, por trás daquela tela, uma outra, colada. O escritor pôde vender os dois quadros e refazer sua vida. Histórias como essa fazem parte da vida desse seleto e malconhecido grupo de profissionais: os restauradores de quadros. Nos últimos dez anos, com o crescimento do prestígio dos artistas nacionais, a profissão vem atraindo mais atenções. A recente aquisição do quadro Vaso de flores, de Guignard, por US$ 761,5 mil, pelo deputado Ronaldo César Coelho, confirma a afluência desses profissionais. Em vez de escolher um restaurador na Europa, onde trabalham os profissionais mais consagrados, César Coelho escolheu Cláudio Valério, 50 anos, 25 de profissão, para realizar a delicada tarefa.

Hoje existem no Brasil 200 restauradores e auxiliares em atividade. Eles acompanham o mercado internacional por meio de seminários, de publicações especializadas e da Internet e não ficam nada a dever a seus colegas estrangeiros. É Cláudio Valério Teixeira quem restaura telas de coleções como as de Roberto Marinho, Walter Moreira Salles e Paulo Gayer, além de ter cuidado das monumentais telas Batalha do Avaí, de Pedro Américo, e Batalha dos Guararapes, de Victor Meirelles, ambas do acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio.

A restauração começa por uma análise a olho nu da cor e da estética da obra. Pode-se recorrer a exames de luz ultravioleta e infravermelha, de sódio e até raios-X, para análise dos defeitos e do estado da tinta e do verniz. Depois consolidam-se as camadas de pintura, que podem estar descoladas da tela. Quando necessário, faz-se o reentelamento, aplicação de adesivos naturais ou sintéticos às áreas danificadas da tela. "Hoje só se intervém quando é imprescindível", explica Cláudio Valério, que faz uma média de 200 restaurações anuais. Os retoques são feitos com pincéis muito finos, quando há perda de tinta e rachaduras. O preço da restauração de uma tela grande com autor de pedigree não sai por menos de R$ 15 mil.

O pai da restauração no Brasil foi o carioca Edson Motta, falecido em 1981. Em 1945 foi estudar em Los Angeles, no Fogg Museum, que pertencia à Universidade de Harvard. Atuava ali a vanguarda dos restauradores, que fez a especialidade passar da simples "melhoria estética" das obras para a preservação de sua estrutura. Como professor da Escola Nacional de Belas Artes, Motta formou a maioria dos profissionais em atividade, inclusive seu filho, Edson Motta Júnior, 49 anos, 27 de restauração.

"Hoje a abordagem é mais sensível, menos mecânica. A preocupação maior é impedir que a deterioração avance", ensina. Outra mudança dos últimos 20 anos é revalorizar o tratamento estético da tela. "Na geração de meu pai, a preocupação se limitava à saúde da obra. Hoje tentamos devolver ao quadro sua forma original, para que possa ser apreciada", esclarece. Restaurar a forma é a etapa mais tensa do trabalho, já que qualquer deslize pode ser fatal. Felizmente, tudo correu bem quando ele restaurou, em 1990, uma das sete Magdalenas do italiano Tiziano, no Museu Paul Getty, nos Estados Unidos. "É um privilégio enxergar aquilo que estava escondido há muitos anos. O quadro passou a exibir um vigor nunca visto", festeja Motta Júnior. Uma veterana nesse grupo seleto é a paulista Marilka Mendes, 68 anos, formada no Centro Nacional de Restauração, em Madri. Ela trabalha em um sobrado na Lapa, centro do Rio, por onde já passaram milhares de obras de arte. Entre suas grandes alegrias cita a restauração de seis obras de um dos luminares do barroco mineiro, mestre Athayde, em 1991. Ela não tolera pressões de tempo. "Às vezes demora até obtermos o resultado ideal." Restauração, afinal, é arte – e não linha de montagem

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