Prostituição, proxenetismo, homossexualismo, drogas, contrabando, mendicância e degradação dos serviços, definitivamente, não integram o retrato oficial de Cuba. Mas são ótima matéria-prima para Juan Pedro Gutiérrez em seu livro de estréia na prosa Trilogia suja de Havana (Companhia das Letras, 358 págs., R$ 29,50). Sem sequer citar o nome de Fidel Castro – o homem que desde 1959 comanda a ilha com mão de ferro -,Gutiérrez traça um contundente panorama da grande crise econômica que atingiu Cuba nos anos 90, expondo situações numa linguagem ríspida, chocante, embora com estilo fluido. Exímio ao elaborar perfis psicológicos, em nenhum momento o autor apela a discussões políticas para mergulhar na crueldade do cotidiano do país naquele período. Ao mesmo tempo, preserva seu encantamento pelo povo, pela música e pela natureza exuberante do Caribe. Quando o foco são as mulheres negras, em especial seus traseiros, o sentimento se transforma em fixação.

Não à toa, depois de Trilogia suja de Havana, Gutiérrez vem sendo apontado como o Charles Bukowski de Cuba. Talvez por assumir que o livro é, na sua essência, autobiográfico. Ao contrário de outros escritores seus conterrâneos, como Cabrera Infante, que preferiram viver no Exterior, Pedro Juan Gutiérrez segue morando na ilha. É o que lhe dá respaldo para descrições escabrosas. "Cheguei na casa de um caipira e o sujeito tinha um cavalo morto caído no quintal. Já com a barriga meio inchada. Mal conseguia conter os negros: um enxame de negros, com machados, facas e sacos. Queriam esquartejar o animal e levar os pedaços. O caipira explicou para eles que o bicho tinha morrido de doença e estava apodrecendo rapidamente. Eles não discutiam. Só pediam para pegar um pedaço…". relata o autor. Gutiérrez garante que presenciou a cena na época em que viajava pelo interior em busca de comida para vender no mercado negro de Havana. Parece ficção de um pesadelo apontado para a realidade.