img1.jpg
Maré alta e crescente Barreiras de concreto tentam proteger, em vão, o litoral de Malé, capital das Ilhas Maldivas, que pode sumir do mapa

"De quanta terra precisa o homem?” A pergunta é o título de um conto de Leon Tolstoi. Nele, um sujeito faz pacto com o diabo. Receberá toda a terra que conseguir percorrer a pé, durante um dia, do nascer ao pôr do sol. O homem atravessa as horas sem descanso. Quando o sol já se aproxima do horizonte, não se dá por satisfeito. Corre. Falta-lhe fôlego, mas ele não para. Quer ainda possuir aquele vale, aquele bosque. Quando cai morto de fadiga, o conto explica de quanta terra precisa um homem: se ele não tem consciência de limites, apenas um par de metros lhe bastam. Uma cova não requer mais do que isso.

A trágica moral contida no conto sintetiza um mito-chave para a compreensão da crise que nossa civilização enfrenta. O mito do único pecado que os gregos consideravam capital: a arrogância, entendida sobretudo como falta de consciência de limites, como ambição desmedida, como desejo incontrolável de posse e de poder. Para os gregos antigos, a arrogância era o maior de todos os pecados. Era a falha que não tinha remissão. Eles a chamavam hýbris, e acreditavam que incorrer nessa falha acarretava a danação eterna.

Insustentável Não é assim, desse modo arrogante – feito de destruição, poluição e exploração insustentável dos recursos naturais – que tratamos nosso planeta-mãe, a Terra? Convencidos de que todas as coisas foram criadas para satisfazer nossos desejos e necessidades, inventamos uma cultura inteiramente destituída de bom senso: a cultura da produtividade e do consumismo insustentáveis. Como no conto de Tolstoi, não conseguimos parar. Derrubamos e queimamos florestas, matamos lagos e rios, poluímos os mares e a atmosfera, extinguimos espécies de plantas e de animais. Sem falar nas mazelas que produzimos para nós mesmos, como perturbações da saúde física, psíquica e mental, ao nos impormos um ritmo e uma carga insustentáveis de trabalho, de produção e de consumismo.

Embriagados pelo desejo de posse e de poder, cada vez mais distantes da sabedoria ancestral da qual somos herdeiros, esquecemos que a arrogância constitui um desequilíbrio maior. Não lembramos que, por uma lei natural, toda ação que leva à perda do equilíbrio gera uma força igual e contrária que procura restabelecê-lo. Essa força, que os gregos chamavam Nêmesis, era simbolizada por uma deusa implacável, avessa a qualquer compromisso, a qualquer oferenda, a qualquer intercessão apaziguadora. Para os gregos, o aquecimento global nada mais seria do que uma das tantas emanações de Nêmesis: a consequência nefasta de uma ação errônea.

Gaia vive Esse tipo de raciocínio, por sinal, há muito deixou de ser formulado no âmbito estrito da filosofia e da religião. Hoje, ele invade o território pragmático da ciência. Cita-se como exemplo a Hipótese Gaia, do cientista inglês James Lovelock. Para ele, a Terra não é uma simples bola mineral a rodopiar pelo espaço afora. Lovelock e seus seguidores entendem nosso planeta como um ser vivo, pulsante, dotado não apenas de um corpo físico, mas também de psique. Um macrosser, em tudo análogo a seu filho, o homem.

“Até quando a Terra suportará sem reagir todos os arranhões que estamos produzindo em sua superfície?” A célebre questão de Lovelock, formulada há cerca de três décadas, não precisou esperar muito pela resposta. Ela está aí: o planeta reage às agressões de múltiplas formas e, no momento, a mais ameaçadora delas chama-se aquecimento global.

 

A evolução do problema
Como e por que as mudanças climáticas ganharam força com o desenvolvimento da humanidade

1800-1870
O nível do dióxido de carbono (CO2) na atmosfera é de cerca de 290 ppm (partes por milhão). A temperatura global média é de 13,6o C. Ocorre a primeira Revolução Industrial. O carvão, os desmatamentos e as ferrovias aceleram a emissão de gases-estufa. Avanços na agricultura e no saneamento favorecem o aumento populacional

1859
O cientista inglês John Tyndall propõe que alterações na concentração dos gases poderiam levar a mudanças no clima

1870-1910
Segunda Revolução Industrial. Fertilizantes e outros produtos químicos, eletricidade e saúde pública estimulam ainda mais o crescimento da população

1896
O físico sueco Svante Arrhenius divulga o primeiro cálculo do aquecimento global a partir das emissões humanas de CO2

1920-1925
A abertura de poços de petróleo no Texas e no Golfo Pérsico inaugura a era da energia barata

1938
O meteorologista inglês Guy Callendar afirma que o aquecimento global motivado pelo efeito estufa ligado à atividade humana está a caminho

1957
img_1957.jpg
O oceanógrafo americano Roger Revelle descobre que o CO2 produzido pelos humanos não seria prontamente absorvido pelos oceanos como se imaginava

1960
O oceanógrafo americano Charles Keeling detecta uma elevação anual nos níveis de CO2. O índice em 1960 é de 315 ppm; a temperatura média do planeta é de 13,9oC

1963
Estudos sugerem que a reação com o vapor d’água poderia tornar o clima muito mais sensível a mudanças no nível de CO2

1967
O meteorologista japonês Syukuro Manabe e seu colega americano Richard Wetherald mostram que o dobro de CO2 na atmosfera elevaria em 2oC a temperatura mundial

1970
Primeiro Dia da Terra: o movimento ambientalista dissemina a preocupação com a degradação global. O volume de aerossóis na atmosfera cresce rapidamente

1975
Alertas sobre os efeitos ambientais dos aviões levam a pesquisas sobre os gases presentes na estratosfera, que revelam os riscos para a camada de ozônio

1976
img_76.jpg
Pesquisas indicam que gases CFC (clorofluorcarbono), metano e ozônio podem ter papel importante no efeito estufa.
O desmatamento e outras alterações em ecossistemas são considerados fatores importantes no futuro do clima

1979
Com a segunda crise do petróleo, o movimento ambientalista incentiva o uso de energia de fontes renováveis e desestimula a energia nuclear

1981
img_81.jpg
A chegada de Ronald Reagan à Presidência dos EUA provoca reação dos ambientalistas e associa o conservadorismo político ao ceticismo sobre o aquecimento global

1985
Amostras de gelo da Antártida revelam que o CO2 e a temperatura subiram e caíram simultaneamente nas eras glaciais, indicando poderosas reações biológicas e geoquímicas

1988
Conferência em Toronto (Canadá) conclui pela fixação de limites na emissão de gases-estufa. A ONU cria o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês)

1990
Primeiro relatório do IPCC afirma que a Terra está ficando mais quente e que um futuro aquecimento parece provável

1992
img_92.jpg
A Eco-92, no Rio de Janeiro, leva à criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Os EUA se mostram refratários a ações concretas na área

1993
img_9293.jpg
Estudos de amostras de gelo da Groenlândia indicam que grandes mudanças climáticas – pelo menos em escala regional – podem ocorrer em um intervalo de apenas dez anos

1997
Uma conferência internacional dá origem ao Protocolo de Kyoto, que fixa metas de redução das emissões de gases-estufa

1998
Um El Niño de grande intensidade provoca desastres climáticos e o ano mais quente já registrado até então – comparável aos posteriores 2005 e 2007

2001
O terceiro relatório do IPCC ressalta que o aquecimento global, sem precedentes desde o fim da última era do gelo, é “muito provável”. A maior parte da comunidade científica entra em consenso sobre o assunto. As bacias oceânicas registram aquecimento associado ao efeito estufa

2003
Vários estudos indicam que o colapso das camadas de gelo sobre a Groenlândia e a Antártida Ocidental pode elevar o nível dos mares mais do que se imaginava

2005
O Protocolo de Kyoto converte-se em tratado e entra em vigor, com a adesão da Rússia. Empresas e governos do Japão e da União Europeia esforçam-se para reduzir emissões. O furacão Katrina e outras grandes tempestades tropicais estimulam o debate sobre o impacto das mudanças climáticas

img_2007.jpg

2007
O quarto relatório do IPCC assegura que efeitos do aquecimento global são visíveis e que o custo de reduzir as emissões seria bem menor do que as despesas que elas causarão. As camadas de gelo sobre a Antártida, a Groenlândia e o Ártico encolhem mais rapidamente do que o esperado

2009
Vários especialistas afirmam que o aquecimento global está em ritmo mais acelerado e perigoso do que se imaginava alguns anos atrás. O nível de CO2 na atmosfera chega a 385 ppm; a temperatura global (média de cinco anos) é de 14,5oC, a mais alta em séculos