Ninguém assume a culpa. O aumento dos preços dos remédios em 17% no último ano (cerca do dobro da inflação) virou um jogo de empurra dentro do governo. Desde que a CPI dos Medicamentos foi instalada, em novembro do ano passado, já foram ouvidos representantes dos ministérios da Saúde, da Fazenda e da Justiça. Todos alegam não ter responsabilidade sobre o assunto. Na terça-feira 1º, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, chegou a declarar que, felizmente, não tinha a menor idéia de quanto custava qualquer remédio porque não precisa fazer uso de nenhum. Até o aumento das remessas de lucros enviadas ao Exterior por empresas e laboratórios farmacêuticos nos últimos cinco anos – cerca de 210% – foi considerado normal pelo chefe do BC. No dia seguinte, o secretário de Direito Econômico, Paulo de Tarso Ribeiro, deixou a CPI de queixo caído quando revelou que seu orçamento anual era de apenas R$ 97 mil. "Não vou nem perguntar nada, em respeito à miséria em que vive o senhor", disse o deputado Alceu Colares (PDT-RS).

Enquanto todos os setores do governo fazem vista grossa para o abuso dos preços dos remédios, a batata quente cai em cima do consumidor. Desde o Plano Real (1994), há medicamentos que chegaram a subir 500%. Como se não bastasse, na quarta-feira 2, em meio ao tiroteio verbal em que vive a CPI, a indústria farmacêutica elevou o preço de 275 medicamentos. "Não há política nacional de saúde no Brasil", ataca o relator da comissão, deputado Ney Lopes (PMDB-RN).

Ataques foram feitos também pelo presidente da Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Abifarma), José Eduardo Bandeira de Melo. Ele tentou defender o setor com o argumento de que aqui os remé-dios são mais baratos do que nos vizinhos Peru, Bolívia, Argentina e Uruguai. Só conseguiu despertar mais indignação. Na tentativa de melhorar a imagem da entidade, fez uma proposta simpática. Disse que o segmento estaria disposto a criar uma cesta popular para os aposentados. Mas não revelou que o governo teria de custear a filantropia.

A CPI está levantando informações que possam comprovar a prática de super e subfaturamento dos insumos importados pela indústria farmacêutica. Relatório do Ministério do Desenvolvimento mostra que há exemplos de distorções abusivas. A suspeita é de que, por de trás do registro de valores falsos na importação de insumos, exista uma tentativa de sonegação tributária. Apesar de ter mecanismos de quebra de sigilo, a comissão tem sido excessivamente cuidadosa nesse ponto. Até agora, os parlamentares não romperam nem mesmo o sigilo dos laboratórios irregulares que foram interditados pela polícia.

Genéricos
Do lado de fora das discussões em que nem o governo se entende, está a população. Muitas vezes a despesa com os remé-dios é tanta que envolve toda a família. É o que acontece na casa da administradora de empresas Rosália Prandi, 28 anos. Ela e suas duas irmãs têm conseguido pagar o tratamento do pai, que há dois anos sofreu um derrame cerebral. Mas o custo é exorbitante: mais de R$ 500. Na lista, entram oito medicamentos. Nos últimos dias, Rosália ainda teve um gasto extra de R$ 300 por causa de uma infecção na garganta.

Com problemas inadiáveis para resolver, os brasileiros só querem saber que remédio a complicada CPI e o governo trarão para o assunto. Na semana passada, a aprovação dos primeiros genéricos foi anunciada como uma das alternativas para fugir do esquema dos laboratórios porque imprime modificações em todo o mercado farmacêutico (leia quadro). Medicamentos genéricos são a cópia de um remédio original, aquele que foi o primeiro no mercado a tratar determinado problema. A vantagem é que, além de passarem por testes que garantem sua qualidade, eles custam no mínimo 30% menos porque seus fabricantes não precisaram investir em pesquisa (a droga já foi descoberta) nem em publicidade (estima-se que até 40% do valor de um remédio corresponda a gastos com promoção). Em duas semanas, no máximo, os genéricos deverão desembarcar no mercado. Na maioria, o consumidor vai ter abatimento de mais de 50%. Por enquanto, são seis: Cefalexina (antibiótico idêntico ao Keflex); Ampicilina (antibiótico idêntico ao Binotal); Ranitidina (para doenças do estômago cujo remédio de referência é o Antak); Salbutamol (antiasmático idêntico ao Aerolin); Cetoconazol (antiinfeccio-so vaginal cujo produto original é o Nisoral) e Furosemida (diurético idêntico ao Lasix). Os três primeiros serão produzidos pelo EMS; os últimos pelo Teuto Brasileiro. "Essa alteração de mercado vai começar a ser significativa nos próximos dois anos", ressalta Sílvia Storpirtis, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. É um pequeno alívio para a doença crônica que é a saúde no Brasil. Mas ainda bem que vai começar a existir.