A paz tem-se mostrado mais trabalhosa do que a guerra para as forças aliadas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). As batalhas não são mais travadas na segurança dos ares, mas sobre o terreno movediço e minado do território kosovar. São quatro os fronts que exigem muita dedicação para que não se ponha a perder a tênue paz conquistada. Os russos exigem para si o domínio de um naco do Kosovo, jogando no lixo o mapa de ocupação desenhado pela arrogância dos ocidentais. O Exército de Libertação do Kosovo (ELK) também quer sua parte nos espólios. Até agora não se conseguiu um compromisso de desarmamento dos guerrilheiros. Os sérvios da região, com pouca confiança ou amores pelos novos administradores da terra, inverteram a mão do fluxo de refugiados e deixam às pressas suas casas. Isso, a despeito dos pedidos em contrário feitos até pela Igreja Ortodoxa Sérvia. Numa tarefa mais hedionda, começa-se a desenterrar os fantasmas do império de terror movido pelas tropas iugoslavas. Os números são material de pesadelos: cerca de dez mil mortos.

Em um embate diplomático digno dos velhos tempos da guerra fria, a Rússia exige respeito de potência de primeira grandeza no palco de operações na Iugoslávia. Com 200 membros de uma tropa de elite, os russos demonstraram um pouco da legendária performance de seus blindados, numa blitz que começou no dia 9 último da Bósnia e só foi parar 48 horas depois no aeroporto de Pristina – a capital do Kosovo. Está em jogo o futuro de Moscou como participante no banquete geopolítico das grandes nações. Aceitando os ditames da Otan, o Kremlin cairia definitivamente na categoria das potência de menor categoria. Por isso essa tentativa de solução à la Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Fizeram de Pristina uma nova Berlim.

 

O sorriso do urso Dez dias depois da operação surpresa, a queda-de-braço parece ter sido vencida pelos russos. Na sexta-feira 18, em Helsinque (Finlândia), foi anunciado pelos ministros russos Igor Sergeyev (Defesa) e Igor Ivanov (Relações Exteriores), pela secretária de Estado, Madaleine Albright, e pelo secretário da Defesa americano, William Cohen, um acordo de cooperação entre a Otan e a Rússia. Esse acordo permitirá o envio de 3.600 soldados russos para os setores do Kosovo controlados hoje por tropas americanas, alemãs e francesas. O aeroporto de Pristina, ocupado pelos russos, deverá ser reaberto ao tráfego. Moscou arrancou dos ocidentais o que considerava ponto de honra: manter uma estrutura militar própria, sem se submeter ao comando dos oficiais da Otan. "Estamos entrando no mais complicado e responsável período em Kosovo. O sucesso da operação nos Bálcãs dependerá da nossa habilidade", afirmou o ministro Sergeyev. Acordo feito, resta saber como russos e aliados vão se entender nas operações militares.

Outra dor de cabeça para Otan são os guerrilheiros do Exército de Libertação do Kosovo (ELK). O grupo continua sem aceitar compromissos de desmilitarização de seus contingentes e agarra-se à idéia de que a independência do Kosovo é a única saída possível para a região. Durante toda a semana passada, tropas aliadas participaram de um jogo de gato e rato com os guerrilheiros. A ordem era desarmar os kosovares e substituí-los no controle de vilas e aldeias. O ELK tomou de assalto as cidades e colocou para correr os habitantes sérvios. Por enquanto não se têm notícias de vingança sistemática, mas somente uma maior presença de tropas da Otan pode garantir a precária paz. Até agora, apenas um terço dos esperados 50 mil soldados da força internacional de paz (Kfor) chegou ao território. Por tudo isso, os sérvios estão fugindo em números cada vez maiores.

Trava-se também um combate corpo-a-corpo com o horror. A cada passo na terra arrasada do Kosovo, as tropas aliadas e os habitantes retornados encontram mais covas coletivas, corpos insepultos, câmaras de torturas, pilhas de documentos queimados; vilas inteiras destruídas e incontáveis provas da barbárie das forças de Slobodan Milosevic. Os primeiros cálculos dos grupos de peritos da ONU e da Comissão de Direitos Humanos do Tribunal de Haia dão conta de dez mil mortos. Eles demonstram que, por mais difíceis que sejam os tempos de agora, nada pode ser pior do que o passado recente no Kosovo.

 

Batalha naval no Mar Amarelo

Dez minutos de intenso tiroteio foram suficientes para reacender a possibilidade de uma nova guerra entre as irmãs inimigas Coréia do Sul e Coréia do Norte, que se enfrentaram duramente entre 1950 e 1953, num dos mais dramáticos conflitos da Guerra Fria. Na quarta-feira 16, a Coréia do Sul afundou um navio norte-coreano e ainda atingiu outros três no Mar Amarelo – faixa marítima demarcada pela ONU em 1953 como linha de fronteira entre os dois países. Desde junho do ano passado, intensificaram-se os confrontos entre as duas Coréias que se acusam mutuamente de invasão territorial. Pelo menos 30 pessoas morreram no ataque que aparentemente começou com barcos pesqueiros norte-coreanos ultrapassando a linha limite. Seul justificou a ação militar como uma resposta "às provocações da Coréia do Norte". Os EUA, que apóiam a Coréia do Sul, puseram de prontidão dois navios no Mar Amarelo. Apesar do clima tenso, o governo sul-coreano se declarou na sexta-feira 18 disposto a sentar-se à mesa com Pyongyang em um encontro previsto para esta semana em Pequim, na China.