A mistura de Alka-Seltzer e aspirina, que ele toma diariamente há décadas, não é suficiente para explicar a boa forma física de Leonel Brizola, que fez 78 anos no mês passado. Manter-se no centro do tabuleiro político é o que lhe dá energia e jovialidade. Após as derrotas nas eleições presidenciais de 1989 e 1994, quando ficou em quarto lugar, e de 1998, quando foi vice de Lula e nem chegou ao segundo turno, não faltou quem decretasse o fim da carreira do ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Mas é arriscado fazer previsões para uma das mais longas carreiras políticas do País, que já dura 53 anos.

Brizola é o mais novo complicador da eleição para a Prefeitura do Rio, à qual se diz "candidato potencial". Em entrevista a ISTOÉ, Brizola disparou em todas as direções. Com o ímpeto dos anos 60, quando exortava o cunhado-presidente João Goulart a resistir ao golpe, ele ataca o governador Garotinho, diz que a petista Benedita da Silva é conciliadora demais, reprova a quarta candidatura de Lula e levanta a hipótese de o desastre ecológico na Baía de Guanabara ter sido sabotagem. Brizola reconhece que escolheu mal as palavras ao falar do fuzilamento do presidente Fernando Henrique, mas reitera que, num tribunal revolucionário, "passaria fogo" no presidente.

ISTOÉ Não foi um exagero defender o fuzilamento do presidente?
Leonel Brizola
– Ao chegar em Porto Alegre, fui rodeado por petroleiros que até choravam ao dizer que grupos espanhóis estavam dentro da refinaria Alberto Pasqualini dizendo que o leilão já estava marcado. Aí, comparei o presidente a Calabar, que fazia parte da resistência, mas bandeou-se para o lado dos holandeses invocando vantagens econômicas para a zona canavieira. A resistência o prendeu e o executou. Eu disse que nossa ação é limitada por estarmos num estado de direito, mas que, se amanhã, como tudo indica, cairmos num estado revolucionário e se eu participar de um tribunal, não terei nenhum problema de condenar o presidente, como um Calabar moderno. Nossa campanha pela renúncia é para que o País não caia numa situação sem controle. Não há povo que aguente o que o nosso está sofrendo. Tudo não passou de uma metáfora. Reconheço que meti o pé na cumbuca sem querer, poderia ter escolhido melhor as palavras. Mas penso assim e a celeuma que se criou não me impressiona. É o coro dos vendilhões da Pátria, dos que estão na pomada, vivendo das benesses do poder.

ZERO HORA

Jango e Brizola nos anos 60

ISTOÉ Sua frase foi comparada à do deputado Jair Bolsonaro, que pregou o fuzilamento do presidente, e o senador Antônio Carlos Magalhães chegou a dizer que o sr. estava bêbado.
Brizola
– Não tem nada a ver com o que esse Bolsonaro falou. Ele disse que fuzilaria. Era um ato pessoal. Eu fiz uma metáfora que tem embasamento histórico. Acabo de receber uma pesquisa feita pelo site Terra, em que mais de 50% dos internautas disseram que minha afirmação foi justa e querem fazer o mesmo. Quanto ao ACM, ele sempre parte para a ofensa pessoal. Está careca de saber que eu não bebo. O que ele deveria fazer é aproveitar a ocasião para aceitar o desafio de debater comigo na Rede Globo em vez de passar mais dez anos fugindo do confronto.

ISTOÉ O sr. quer mesmo ser candidato a prefeito do Rio?
Brizola
– Desejo não tenho. A essa altura da minha vida, não seria necessário encerrar o meu currículo com um sacrifício desta ordem. Mas sou uma espécie de candidato potencial. Quero avaliar a situação. O Rio tem uma população de alta consciência política, é uma vanguarda do povo brasileiro. E é tal a situação do País, o desgaste do governo, que as eleições no Rio podem ter uma repercussão decisiva. Pode ser o começo do fim deste sistema que está aí. Na Argentina, Fernando de La Rúa saiu da Prefeitura de Buenos Aires para eleger-se presidente, vencendo o grupo de Menem, não é verdade?

ISTOÉ A candidatura de Benedita da Silva não seria capaz de representar a oposição a FHC?
Brizola
– Ela tem outro estilo, concilia-dor, sociável. Seria o caso de dar um sentido nacional ao que se decidir aqui. Não há outra área do País que tenha sido tão depredada pelo governo central. O Rio não tem condições de resolver sozinho nenhum dos problemas cria-dos pelo governo central ao longo de séculos. Por falar nisso, eu gostaria de registrar que, no meu conceito, este acidente da Petrobras na Baía da Guanabara foi uma sabotagem.

 

ISTOÉ Das multinacionais?
Brizola
– Se eu soubesse de quem partiu, denunciaria. Estão se aproveitando de um acidente deplorável para reduzir o assunto a uma campanha contra a companhia. Se fosse uma das sete irmãs, eu duvido que estivessem fazendo o que estão fazendo. Esse país não tem presidente, não tem ministro de Minas e Energia? Garanto que, se fosse um acidente da CEG no meu governo, iam apontar Leonel Brizola como responsável. Tem dente de jacaré, couro de jacaré, olho de jacaré. Como não é jacaré?

ISTOÉ Voltando à situação do Rio, a política de direitos humanos implantada nos seus governos, de limitar a ação da polícia nas favelas, não contribuiu para a proliferação das quadrilhas nos morros?
Brizola
– Não digo que não. Possivelmente nos tenha faltado uma ação paralela, prevenindo o surgimento desses aspectos todos, desses agravamentos. Mas o fato é que desde a ditadura se vêm fazendo essas batidas contra as favelas, como nos tempos antigos contra os guetos e os judeus. Era de lá que vinha todo o mal e, por isso, era preciso invadir militarmente com vôos até noturnos de helicóptero para intimidar, escorraçar. Eram ações nitidamente discriminatórias e os que apare-ciam mortos depois eram todos negros, miscigenados, não eram brancos. Isso não deu resultado em lugar nenhum do mundo. Os americanos também faziam isso contra os bairros negros e se convenceram de que não deu certo. O correto é entrar na favela e ficar lá, com serviços sociais permanentes e a polícia.

ISTOÉ Por que não foi feito isso?
Brizola
– Porque estava em fim do governo e não se fez. Mas os Cieps estavam cheios de crianças das favelas. Tínhamos um programa do aluno residente, que estava na área de risco da criminalidade. Além de 800 a mil alunos, cada Ciep abrigava 12 meninas e 12 meninos. Tínhamos 4,8 mil menores lá. Mas Moreira Franco e o bandido do Marcello Alencar abandonaram tudo.

ISTOÉ Qual é seu principal ponto de discórdia com o governador Garotinho?
Brizola
– Ele acostumou-se em Campos. Depositário da nossa confiança, nós pouco nos envolvemos com o andamento das coisas lá. A administração dele ia bem, nosso partido se fortalecia, cometemos a omissão de não ir mais a fundo no que estava ocorrendo. Ele acumulou poder político e fechou em suas mãos as duas funções: era o partido e o poder público. Podia dizer: "O Estado sou eu." Aí chegou no governo do Estado e pensou que poderia pôr o partido embaixo do braço, o que trouxe confusão e incompreensão. Ele só consulta a si próprio, é um improvisador, um voluntarista.

ISTOÉ Mas o sr. é criticado por afastar qualquer líder que apareça no PDT, como Saturnino Braga, Marcello Alencar, Cesar Maia, Dante de Oliveira, Jaime Lerner e provavelmente Garotinho.
Brizola
– Hoje tenho a convicção de que Marcello foi uma infiltração da comunidade de informações. Até ser advogado de presos políticos ele foi para se cobrir. Daí a sua impunidade. Não se compreende que esses processos todos contra ele estejam nas gavetas. Há mãos misteriosas que seguram esses processos. O caso do Jaime Lerner é de ambição. Veio para o PDT por uma questão de conve-niência. Na hora de sair, foi na minha casa, numa situação humilhante, pediu que eu o desculpasse, a questão dele era uma questão de poder. Dante foi a mesma coisa. Costumo dizer que Cristo, que foi Deus, tinha só 12 apóstolos e havia um Judas no meio. Como eu, pobre mortal, que tenho de me decidir diante de centenas de pessoas, não serei traído?

ISTOÉ Garotinho está indo pelo mesmo caminho?
Brizola
– Muito moço, está indo muito ligeiro ao pote. Afoito, ficou deslumbrado. Você sabe que ele é da terra do melado, Campos. Soube que ele não gostava, não comia melado. É isso. Foi comer melado e se lambuzou. Quando nossos filhos queriam deixar nossos netos para a minha querida Neusa (esposa de Brizola, morta em 1993) tomar conta, ela dizia: "Nada disso, criança pequena é para gente moça." Agora veja minha sina. Aos 78 anos, tenho de estar com um garotinho nos braços. Volta e meia ele faz xixi, faz outras coisas também. Agora, eu limpar? Isso não!

ISTOÉ Das multinacionais?
Brizola
– Se eu soubesse de quem partiu, denunciaria. Estão se aproveitando de um acidente deplorável para reduzir o assunto a uma campanha contra a companhia. Se fosse uma das sete irmãs, eu duvido que estivessem fazendo o que estão fazendo. Esse país não tem presidente, não tem ministro de Minas e Energia? Garanto que, se fosse um acidente da CEG no meu governo, iam apontar Leonel Brizola como responsável. Tem dente de jacaré, couro de jacaré, olho de jacaré. Como não é jacaré?

ISTOÉ O que o sr. acha da pretensão de ele de ser presidente?
Brizola
– Primeiro ele tem de mostrar que foi um bom governador, desempenhar-se não só como um realizador, tocador de obras, mas como um homem das instituições democráticas, ser uma espécie de governante de todos. Não explorar a boa-fé da comunidade evangélica, que assolou suas ambições eleitorais. Nosso país é laico, nosso partido é laico. Isso não deixa de ser uma regressão.

ISTOÉ O sr. acredita no potencial da quarta candidatura de Lula?
Brizola
– Acho muito difícil Lula vir a ser uma bandeira como já foi. Devia ter passado por um estágio diferente, de mais afirmação, ter ocupado uma função executiva. Não digo prefeito de São Paulo, que ele teria de vencer primeiro e sabemos que é uma situação difícil. Mas podia ser prefeito ali de São Bernardo, que é município muito importante, ou secretário de algum prefeito.

ISTOÉ Ao disputar o mesmo espaço político, o PT foi o algoz do trabalhismo?
Brizola
– O PT no início foi impregnado pela visão de intelectuais de Rio e São Paulo, para quem nós éramos o erro, o mal, o que não devia ser copiado. Mas o PT nasceu facilitado pelo ambiente da ditadura, tempo em que eu não podia ser citado nos jornais e Lula era capa de revista. Foi contra nós que se desencadeou a ditadura.

ISTOÉ O sr. já admitiu apoiar o governador Itamar Franco para presidente em 2002. Ainda pensa assim?
Brizola
– Nunca me referi a esse apoio, estou apenas registrando que o governador Itamar está se credenciando a ser um forte candidato a presidente. Seus questionamentos são corretos, oportunos.

ISTOÉ Por que o sr. nunca conseguiu ser aceito em São Paulo?
Brizola
– Faltou contar com bons quadros políticos no Estado. Há ainda um certo ranço das oligarquias paulistas com o trabalhismo. Mas esse sentimento não é compartilhado pela população.

ISTOÉ O sr. ainda é socialista? E qual socialismo o sr. prega??
Brizola
– Considero-me socialista e prego o socialismo como ele é, democrático.

ISTOÉ Por que o sr. brigou com seu cunhado João Goulart
Brizola
– Uma divergência política afetou a amizade. Em 1961, Jango fez um acordo com os militares para assumir a Presidência com o parlamentarismo. Eu disse a ele que estava exausto com a maratona da Cadeia da Legalidade (rede de 104 emissoras de rádio que Brizola montou para garantir a posse de Goulart) e fui dormir. Acordei de madrugada com a Neusa me chamando. "Vem falar com o Jango, ele está chorando." Quando a notícia do acordo chegou à multidão em frente ao Palácio Piratini, em Porto Alegre, ele foi vaiado por 100 mil pessoas. As mulheres tiravam a calcinha e diziam: "Toma! Veste!" Aquilo o ofendeu muito. Logo após o golpe de 1964, propus que ele nomeasse ministro da Guerra o general Ladário Telles, comandante do III Exército, e que eu virasse ministro da Justiça. O Ladário era fantástico: "Presidente, tenho armas para distribuir a 110 mil civis. Mas sou legalista, preciso de ordem para agir." Aí Jango falou: "Se a minha presença no governo for à custa de derramamento de sangue, prefiro me retirar." E foi pescar no rio Uruguai.

ISTOÉ Por que Jango não resistiu?
Brizola
– Estava enojado de tudo. Ele tinha temperamento para a política do cochicho. Era bom negociador, mas tinha dificuldade de assumir situações de risco, audácia. Ficamos dez anos sem nos falar num país pequeno como o Uruguai. Certa vez, o vi num posto de gasolina. Ele não me viu. Só nos reconciliamos dois meses antes de ele morrer.

ISTOÉ Como se sente aos 78 anos?
Brizola
– Na plenitude da vida. Sinto vazios importantes como a morte da Neusa e companheiros queridos, mas me sinto firme, sólido. Não estou tomado de esquecimento, minha mente está num plano de eficácia que satisfaz. Fisicamente, me sinto saudável, dentro dos limites normais da idade. Não gosto de relembrar histórias do passado. Tenho a impressão de estar pegando o boné. Estou preocupado é com o futuro do País.