No mundo todo, as empresas de auditoria que dominavam os mercados eram seis – o seleto grupo das Big Six. No Brasil, elas eram sete. Em meio aos nomes pomposos de Price Waterhouse, Coopers & Lybrand (que se fundiram), Ernst & Young, Arthur Andersen, Deloitte Touche Tohmatsu e KPMG Peat Marwick se misturou aqui um bem mais trivial, a Trevisan Auditores. Pode-se supor que o responsável por este feito seja um super-homem do mundo dos negócios. Que nada. O próprio Antoninho Marmo Trevisan se define como um anti-herói. Nosso Macunaíma da contabilidade detesta matemática, repetiu de série no ginásio, aprendeu a falar em inglês no ano passado, começou a ganhar o próprio dinheiro aos 12 anos – hoje, vice-presidente da Fundação Abrinq, combate o trabalho infantil – e é capaz de enfrentar o aperto e o desconforto do estádio para ver seu Palmeiras ser campeão da Libertadores da América. "Meu irmão mais velho é escritor, minha irmã, bibliotecária, meu irmão já falecido era livreiro. Eu tinha de ser guarda-livros", brinca Trevisan, que tem o nome do menino milagreiro, Antoninho Marmo, famoso na São Paulo dos anos 40. Na quinta-feira 24, ele vai receber o título de "Contador das Américas", a mais importante honraria para os outrora chamados guarda-livros. Aproveitará ainda a ocasião para anunciar sua mais nova investida: a Faculdade Trevisan, que planeja ser uma zona de excelência na formação de administradores e contadores.

 

Alunos são clientes "As empresas serão cada vez mais escolas, e as escolas cada vez mais empresas", prevê Trevisan. Com esta visão, ele pretende sacudir o mercado, tratar o ensino como um produto de ponta, onde os clientes (ou alunos) terão acesso ao que há de mais moderno, em salas de aula que reproduzem o ambiente de trabalho, com recursos de tecnologia e professores acostumados a treinar alguns dos melhores executivos da praça. "Vamos ampliar a área de negócios que é um dos nossos diferenciais: a educação", explica Trevisan. Se tudo der certo, será também a primeira faculdade privada brasileira em forma de sociedade anônima. Experiência não falta. Há cinco anos, ele já criou uma pós-graduação em gestão empresarial. Foi justamente por constatar que uma auditoria brasileira poderia sobreviver entre as gigantes multinacionais se focasse sua atuação no treinamento de profissionais que Trevisan trocou o posto de sócio da Price, em 1983, para tentar a sorte com sua própria empresa. "Percebi que os melhores talentos são os que mais estudam", garante, enquanto lembra o exemplo de um de seus mais aplicados alunos, o ministro Francisco Dornelles. "Pouco antes de assumir a Fazenda e já secretário da Receita Federal, ele teve aulas de contabilidade durante seis meses, todas as sextas-feiras e nunca deixou de fazer os seus deveres de casa."

 

Máquina de treinar O exemplo é seguido à risca pelos 400 funcionários de seus dez escritórios. "Somos uma máquina de treinar", diz, sem modéstia. A ponto de ser contratado pela concorrente Ernst & Young, que terceirizou seus programas de treinamento. Até se firmar entre as poderosas auditorias e consultorias, a Trevisan teve de mostrar trabalho em empresas de médio porte e, em sua maioria, brasileiras, já que as multinacionais sempre preferiram escolher auditorias também multinacionais para manter uma uniformidade nos padrões de avaliação e controle. "Nos acostumamos a pegar o osso, as missões impossíveis, enquanto os filés, as empresas superorganizadas, ficavam para os outros", recorda. Sinal dos tempos, entre os atuais 1.200 clientes está a Volkswagen, que encomendou à Trevisan o estudo de viabilidade de implantação de sua fábrica no Paraná, inaugurada no início do ano. Recentemente, foi chamado pelo governo para analisar em apenas 20 dias os números apresentados pelas montadoras para revalidar o acordo automotivo emergencial.

Ao longo do tempo, pelo menos quatro concorrentes lhe propuseram aliança. Trevisan recusou. "Não estamos fadados a ser o quintal do mundo", justifica. Preferiu fugir de uma incorporação e se unir a Grant Thornton International, uma associação de empresas que está presente em 97 países e permite, assim, que se faça frente às multinacionais. Ao saber que ia assumir neste ano uma vaga no conselho da organização, sentiu-se obrigado, enfim, a dominar em definitivo o idioma inglês. Para tanto, aproveitou o período da Copa da França para fazer uma imersão numa escola de Nova York. "Nunca planejei minha carreira", confessa. Foi também meio por acaso que, durante um ano e meio, foi ser o secretário que cuidava das estatais no Ministério do Planejamento do governo Sarney, à época, comandado por João Sayad. "Entendi como se dá o processo de decisão no setor público", conta. "E descobri que o grande perigo é quando a sociedade não pressiona a autoridade." Explica-se porque consegue abrir espaço na agenda do secretário da Receita, Everardo Maciel, para promover na próxima semana um reservado debate sobre a reforma tributária dentro de sua empresa. Trevisan desdobra-se ainda para participar do Instituto Abrinq, da Associação da Criança Defeituosa, do Instituto Ethos e do Programa de Alfabetização Solidária. É por estas e por outras que às vezes ouve do filho caçula, Vítor, de cinco anos, o seguinte conselho: "Papai, tenha limites!"