Com menos de dois quilos e córtex motor semelhante ao humano, as macacas são a segunda fase de uma pesquisa que provocou uma revolução entre neurologistas americanos. Os dóceis animais comprovaram o que meia dúzia de ratos havia demonstrado antes: é possível mover um braço mecânico e tocar objetos usando a força do desejo.

Com 100 eletrodos conectados ao cérebro, as macacas conseguiram controlar a distância um braço robótico. A máquina recebia os impulsos elétricos neurais através de ondas de rádio emitidas a partir de um aparelho controlado pelo cérebro. As macaquinhas aprenderam a usar, em tempo real, o estímulo nervoso do cérebro para empurrar uma alavanca distante, que acionava um bebedouro de onde pingava uma gota d’água como recompensa. As macacas usaram apenas os estímulos neurais responsáveis pela motricidade. A conclusão é um sopro de esperança para um paciente paraplégico aproveitar suas células neurais sadias para acionar próteses biônicas controladas por ondas de rádio.

O responsável pela boa notícia é um paulistano e palmeirense frequentador assíduo de cantinas italianas. Miguel Nicolelis, que mora na americana Durham há "longos 11 anos", é professor do departamento de neurobiologia da Faculdade de Medicina e chefia as experiências na Universidade Duke. Seu colega, o americano John Chapin, repetiu a mesma bateria de testes feita por Nicolelis. Dessa vez, estudou uma outra ninhada de ratos na Escola de Medicina Hahnemann, na Filadélfia. O resultado virou tratado científico em julho de 1999, quando foi publicado na respeitada revista Nature Neuroscience. "Demonstramos pela primeira vez que se pode criar um meio de comunicação para transformar a atividade elétrica do cérebro em movimento mecânico", traduz Nicolelis. "É a tão sonhada interface entre o homem e a máquina."

Pai de três meninos e casado com uma ex-colega da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o neurologista de 38 anos faz parte da elite dos neurocientistas. "Assim como outros cientistas brasileiros que vivem fora, meu trabalho continua praticamente desconhecido no Brasil", reclama o professor, cuja proeza foi uma ousadia notável. Em vez de implantar um único eletrodo num orifício feito no cérebro das cobaias, como os demais cientistas faziam, Nicolelis e Chapin introduziram 16 eletrodos em cada orifício de 2 milímetros. Com isso, acompanharam a atividade de centenas de neurônios ao mesmo tempo, através de vários buraquinhos feitos na caixa craniana dos animais. "Deu para analisar o córtex motor como se fosse um minitelescópio cerebral em busca de estrelas, que são os neurônios", compara o professor Nicolelis.

Foi desse mergulho nas entranhas do cérebro que surgiu a idéia de ligar células nervosas a próteses mecânicas. Os primeiros resultados indicam que o projeto pode ser viável em humanos. "O cérebro funciona como um circuito elétrico contínuo. Primeiro há a intenção do movimento, aí vem o planejamento e só depois as células nervosas enviam a ordem para determinado músculo exercitar uma ação", ensina o professor-titular Milberto Scaff, chefe do departamento de neurologia da Faculdade de Medicina da USP e antigo mestre de Nicolelis. Obcecado, Nicolelis trabalha há quase uma década para aprimorar seu telescópio cerebral. Pretende colecionar mais dados para saber como construir um aparelho que funcione como via biomecânica de comunicação entre os sinais do cérebro e a prótese. Até final do ano, o neurologista espera publicar os resultados de suas pesquisas em artigo científico. "Ainda vão uns dez anos para a interface biomecânica virar realidade", diz Nicolelis.

Enquanto isso, ele tenta recolher resultados práticos. Aproveitou meia dúzia de ratos com 50 eletrodos implantados no cérebro e descobriu uma forma de evitar crises epilépticas enviando estímulo elétrico para o nervo trigeminal, responsável pela mastigação e outros movimentos faciais. Ao receber os sinais, os ratos deixaram de ter crises. "O implante detecta a chegada da alteração elétrica e da crise e só aí estimula o nervo", garante Nicolelis. Sua técnica não foi ratificada pela comunidade científica ainda porque os resultados serão publicados em revista especializada apenas em março.

 Sua experiência não é a única técnica de alívio da epilepsia, doença que afeta 1% da população, cerca de 1,6 milhão de brasileiros. Nos EUA e na Europa, existem empresas que vendem implantes digitais para aplacar as crises. A Cyberonics é uma delas. Seu sistema é composto por um chip implantado no cérebro, que é abastecido de energia por um gerador fixo no peito. A geringonça funciona como um marca-passo inteligente, enviando corrente elétrica para estimular o nervo vago, um dos responsáveis pela digestão. Na realidade, ninguém sabe ao certo por que determinados procedimentos funcionam e outros não. Talvez por isso, mais uma vez, o cérebro, centro das sensações e das atividades mentais humanas pode abocanhar a mais gorda fatia do orçamento reservado à pesquisa cientifica da próxima década.