Em 1989, o museu do Louvre, em Paris, abrigou uma exposição do arquiteto baiano José Zanine Caldas. Mostra atípica para os padrões do museu, as maquetes, os móveis e as fotos de casas de Zanine foram expostos por 40 dias e receberam mais visitas que as obras de Picasso exibidas nas salas ao lado. Para a grande maioria dos brasileiros, entretanto, dez anos depois de encantar os franceses o arquiteto permanece desconhecido, principalmente por não ter assinado grandes projetos públicos, como Oscar Niemeyer. A única maneira de conhecer de perto seu trabalho intimista, onde predomina o uso da madeira, é sendo amigo de alguém que more numa das mais de 500 casas feitas por ele, ou, melhor ainda, sendo proprietário de uma delas. Nesse círculo restrito de pessoas, Zanine, 81 anos, 60 de carreira, é cultuado como um gênio no seu ofício. No Rio, Tom Jobim só aceitava dar uma entrevista para tevê se ela fosse realizada numa casa feita pelo arquiteto. Amigos íntimos, o maestro compôs a trilha de um filme sobre seu trabalho e dizia que sua obra mostra que "o mundo poderia ser um bom lugar de morar". Um pouco do traço de Zanine, pode ser conhecido através de uma exposição que acontece em São Paulo. Por enquanto, estão sendo mostrados seus móveis e, a partir de agosto, serão agregadas maquetes e fotos de seus trabalhos arquitetônicos.

A obra de Zanine possui a elegância da simplicidade. Em suas casas, os espaços são amplos e a luz natural é sempre privilegiada. Ao contrário da maioria dos arquitetos, ele nunca mexe num terreno. Adapta a construção ao local, para integrá-la à natureza. Uma sala, por exemplo, pode conter uma rocha imensa que fazia parte da topografia local. Uma árvore centenária por vezes atravessa uma varanda. "Mas minha prioridade na hora de elaborar um projeto é o conforto e a maneira de habitar da família", diz Zanine, que no começo do ano mudou-se do Rio para Vila Velha, Espírito Santo. "Morar numa casa idealizada por ele é incorporar o prazer. É uma casa que pulsa. É bela, simples e funcional, é arte", descreve a professora Leonor Ferreira Bertoni, que incorporou esse prazer há dez anos, no Lago Norte, em Brasília.

"Em Zanine, a arquitetura sai a um só tempo da concepção da mente e da emoção das tripas", diz o arquiteto Ricardo Caruana, amigo e discípulo. "Ele é o homem mais culto que conheço, não o mais erudito. Ele sabe como o pescador dá nó na rede, como o lenhador corta a árvore, como o índio come. Ele andou e fuçou por todos os lugares. Rodou a Ásia e a África, foi ao Togo, a Daomé, foi ver de onde vieram os negros brasileiros. Dormiu enrolado em lençol, numa praia da Mauritânia, conversou com as pessoas. E ele entende tudo. Outras pessoas vão para esses lugares e não entendem nada", conta Caruana, companheiro de algumas dessas viagens.

Tudo que Zanine aprendeu foi no contato pessoal com artesãos e arquitetos. Ele só frequentou a faculdade, em Brasília e em Grenoble, na França, mais velho, como professor. Mas sua experiência seria invejada por qualquer universitário. Zanine nasceu em Belmonte, sul da Bahia, e desde criança era apaixonado por obras e serrarias. Filho de um médico, com 13 anos ele omeçou a fazer presépios de Natal para os vizinhos usando caixas de seringa do pai, feitas de papelão. Mais tarde, tomou aulas de desenho com um professor particular e, aos 18 anos, foi para São Paulo, trabalhar como desenhista numa construtora. Saiu de lá dois anos depois, para abrir um escritório de maquetes no Rio de Janeiro. Foi assim que conheceu os modernistas, Niemeyer, Lúcio Costa, Oswaldo Arthur Bratke. Em sua oficina no Rio, ele fazia maquetes para os melhores arquitetos brasileiros e acompanhava atento as discussões e os questionamentos que normalmente surgem no momento em que um projeto é visto pela primeira vez em três dimensões. Só na década de 60, depois de fabricar móveis e elaborar projetos paisagísticos, Zanine começa a fazer casas, dentro de um estilo todo próprio. "Naquele tempo, os modernistas consideravam pecado mortal fazer telhado que não fosse plano. Ele fazia", afirma Caruana. Apaixonado, temperamental e severo no trabalho, o mestre da madeira não demorou para criar o seu espaço. Hoje, é um homem realizado. "Fiz tudo o que eu queria, nunca poderia imaginar que conseguiria o que consegui", diz Zanine.

O arquiteto passou por um grande susto nos últimos meses. Por conta de uma hidrocefalia, foi obrigado a fazer quatro cirurgias na cabeça esse ano. Mas, recupera-se bem. "Minha melhora foi um milagre, porque essa doença foi muito brava", afirma. Depois de seis casamentos e vários filhos, Zanine está, ultimamente, introspectivo e religioso. "Ele se voltou para dentro de si. Está dando os retoques finais para a obra, que ele mesmo é, ficar pronta", diz o amigo Caruana.

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