A curiosidade humana não tem fim. E em matéria de saúde quem não gostaria de saber se apresenta a possibilidade de desenvolver uma doença para que tenha tempo e evite o seu aparecimento? Felizmente, hoje no Brasil é possível saber as chances que uma pessoa tem de manifestar algumas das principais doenças que atingem o homem. Esta peripécia é obtida a partir dos testes genéticos, instrumentos que se tornam cada vez mais acessíveis. A partir desses exames, verifica-se, por exemplo, quem está mais propenso a determinados tipos de câncer, infarto, Alzheimer (doença degenerativa que leva à demência) e outros males.

Os testes se baseiam no exame sofisticado do DNA, material genético herdado dos pais que se encontra no centro de cada célula e que determina as características de cada indivíduo como cor dos olhos e da pele e, inclusive, algumas das doenças que ele pode sofrer. Por isso, os exames de DNA são a única forma de identificar as doenças genéticas e ajudar a preveni-las ou a tratá-las. A fibrose cística, por exemplo, mal genético que afeta principalmente o pulmão, levando a pneumonias repetidas, pode ser controlada por meio de fisioterapia e antibióticos. "Quando o médico conhece esse diagnóstico, pode prevenir ou atenuar as crises de pneumonia em vez de tratá-las depois de instaladas", enfatiza o geneticista Martin Whittle, diretor-clínico do laboratório Genomic Engenharia Molecular, de São Paulo.

Algumas doenças, infelizmente, não têm tratamento e os testes acabam servindo apenas para elucidar um diagnóstico. Pode parecer pouco, mas ajuda a diminuir a angústia de não saber o que se tem. Para a dona de casa Luciene Ataide, 36 anos, foi um certo alívio saber o que tem seu filho Rafael, 14 anos. Desde os sete anos, o menino começou a demonstrar fraqueza e a cair muito. Durante dois anos, Luciene perambulou por consultórios à procura de uma resposta. Ela só veio há cerca de cinco anos, com um teste genético. O menino tem um tipo brando de distrofia muscular, um enfraquecimento progressivo da musculatura até a ponto de a pessoa não conseguir mais andar. Agora, sabendo o que o filho tem, ela investe em um tratamento à base de fisioterapia, hidroterapia e acompanhamento psicológico. "Ele é muito inteligente, adora pintar e, quem sabe, até poderá ir à faculdade", planeja.

Em casos de síndromes graves, os testes genéticos também são, embora de modo delicado, uma forma de prevenção. Casais que já tiveram um filho com doença genética podem fazer o exame de DNA durante a gestação para se certificar se o feto carrega ou não o gene "defeituoso". Se carregar, pode-se optar pela interrupção da gravidez. "O que se tem notado é que o teste, quando dá resultado normal, tranquiliza casais de risco, que, na dúvida, provavelmente teriam interrompido a gestação", diz Décio Brunoni, professor de Genética da Universidade Federal de São Paulo.

O caminho mais promissor da genética, no entanto, é o que permite ao portador de erros genéticos usar as informações do teste a seu favor. "Saber que há um gene que deixa a pessoa mais propensa a ter câncer de mama é uma vantagem se a pessoa se dispuser a fazer mais mamografias, o que ajuda a detectar o tumor na fase inicial, a ponto de ser removido e, muitas vezes, curado", diz Catarina Simpson, do Laboratório de Biologia Molecular do Hospital do Câncer de São Paulo. Com um histórico familiar de casos de câncer entre as tias-avós, a professora Dinorah Rubio, 31 anos, estava preparada para seguir as recomendações de prevenção se seu teste genético desse positivo. "Tentaria me antecipar contra a manifestação do tumor. Mas foi um alívio saber que, geneticamente, não tenho essa tendência", desabafa. É importante lembrar, porém, que só 10% dos cânceres são hereditários.

Este tipo de informação, no entanto, levanta um problema ético: a eventual discriminação de pacientes pelos planos de saúde. Afinal, eles poderiam "selecionar" apenas os associados que não estivessem predestinados geneticamente a sofrer de algum mal. Para evitar essa manipulação, tramita na Câmara um projeto de lei de autoria do ex-deputado Fábio Feldman e do deputado Eduardo Jorge (PT-SP), que pretende garantir a privacidade dos resultados de testes genéticos. Entre os exames preventivos, porém, alguns ainda são polêmicos. O teste para checar a propensão ao infarto tem se mostrado irrelevante porque os conselhos para evitar as doenças cardíacas, ou seja, hábitos de vida saudáveis, são os mesmos para quem tem um resultado positivo ou negativo. No caso de Alzheimer, sabe-se que a presença do gene apolipoproteína E (Apo E) aumenta em duas vezes o risco de ter a doença. Se a pessoa tiver duas cópias do gene, o risco é maior: 17 vezes mais que uma pessoa sem a mutação. Mas como não há meios de prevenir a doença, saber que se é portador do gene com problemas só traria angústia. "Ele é útil para confirmar um diagnóstico clínico quando o neurologista tem dúvida", frisa o geneticista Sérgio Danilo Pena, de Belo Horizonte. De qualquer forma, é uma ajuda. E também uma esperança de que quando a ciência evoluir a ponto de corrigir o defeito genético a doença nem sequer se manifeste.

Colaborou Rachel Mello, de Brasília