João Fernando Caldeira da Silva nasceu de novo na madrugada do dia 23 de julho de 1993, quando dormia junto a vários meninos de rua em frente à igreja da Candelária, no centro do Rio. Na época, com 11 anos, teve agilidade bastante para escapar quando desconfiou de um carro que estacionou perto do grupo. Somente depois soube que os ocupantes do automóvel foram os autores dos disparos que mataram cinco de seus companheiros. O episódio, que ficaria mundialmente conhecido como chacina da Candelária, causou revolta na opinião pública nacional e estrangeira, mas não alterou a disposição de João, conhecido pelos amigos como Bilinha, de abandonar definitivamente a casa pobre em que morava na favela Furquim Mendes, zona norte do Rio, com o pai, viúvo e alcoólatra, além de quatro irmãos. "Eu gosto muito de ficar na rua", respondia, sempre que a irmã Kelly tentava convencê-lo a ficar em casa. Continuou dormindo e vivendo nos arredores da Candelária, onde ganhava dinheiro catando papel e passava o tempo cheirando cola. Foi ali que, na segunda-feira 14, acabou reencontrando o destino do qual escapara seis anos antes: por volta das 15 horas, aos 17 anos, foi alvejado por um tiro no peito.

Pelo relato dos garotos de rua, o autor dos disparos foi o motorista de um táxi de aeroporto, um Ômega vermelho. A versão dá conta de que Bilinha estaria próximo a um garoto que tentava assaltar motoristas com um caco de vidro e por isso teria sido assassinado por engano. A história contada por policiais militares, porém, é diferente. Soldados afirmam que o garoto – que foi preso duas vezes por porte de drogas e uma por tráfico – participava do assalto e por isso foi morto. A apuração do assassinato segue os trâmites normais na 1ª Delegacia Policial. Para além dos aspectos criminais, no entanto, a trajetória de Bilinha e a coincidência de sua morte ter acontecido a 300 metros da mesma igreja que virou símbolo da violência contra os garotos de rua motivam outras reflexões.

O administrador da igreja da Candelária, Raul Antonelli, afirma que o policiamento foi intensificado no local, o que reduziu os delitos. Mas a situação ainda está muito longe do aceitável. Denílson dos Santos, educador da Fundação São Martinho, ONG que trabalha com meninos de rua, afirma que somente no primeiro semestre deste ano seis garotos de rua foram assassinados a tiros. "Na época da chacina, eles mataram por atacado. Atualmente, estão matando no varejo."