Cearense considerado um dos primeiros grandes historiadores do Brasil, Capistrano de Abreu (1853 – 1927) dizia que, se a ele fosse dado o direito de escrever a Constituição, ela teria dois únicos artigos. Primeiro: cumpra-se a lei. E o seguinte: revogam-se as disposições em contrário. Lá atrás, ele já identificava um problema estrutural e histórico de nossa sociedade: a impunidade. Motivados pela certeza de que a lei não produzirá efeito contra eles, membros de torcidas organizadas repetiram episódios de violência no futebol nas dependências do estádio Mané Garrincha, em Brasília, no domingo 25. O jogo entre Corinthians e Vasco pelo Campeonato Brasileiro virou coadjuvante diante de uma briga entre as torcidas organizadas dos dois clubes. Dois dos envolvidos na confusão, Leandro Silva de Oliveira e Cleuter Barreto Barros, membros da Gaviões da Fiel, são a prova viva de que, para esses vândalos, zombar da lei é hábito. Eles fizeram parte do grupo de corintianos preso em Oruro, na Bolívia, suspeito da morte do adolescente Kevin Spada, durante o jogo San Jose e Corinthians, em fevereiro, pela Copa Libertadores.

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AFRONTA
O Mané Garrincha custou R$ 1,7 bilhão e virou campo…de batalha

Reformado para receber jogos da Copa do Mundo, em 2014, o Mané Garrincha é um dos 12 estádios erguidos no padrão Fifa, o que pressupõe uma mudança no jeito de torcer do brasileiro. Uma das novidades é a ausência de arquibancadas, com as pessoas ocupando assento numerado, deixando assim de circular pela arena. Não foi o que se viu. Torcedores da Gaviões da Fiel deram a volta no estádio para se confrontar com os do Vasco. Esse episódio torna evidente a necessidade de ações mais efetivas, pois a construção de um estádio moderno por si só não muda o comportamento de uma multidão. “Isso se faz com educação. Se não a temos, é preciso que a polícia prenda e a Justiça leve a punição às últimas consequências”, diz Mauricio Murad, titular de sociologia do esporte do mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo).

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Diante das cenas de violência explícita do domingo 25, fica a questão: como em um estádio que custou R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos e dispõe de mais de 400 câmeras, a polícia não percebeu a movimentação das torcidas para impedir o confronto? O Ministério Público paulista pediu, após o confronto em Brasília, a dissolução da Gaviões e aplicou uma multa de R$ 30 mil à torcida por não zelar pela segurança de seus pares. Identificados nas imagens, três torcedores foram indiciados e, enquadrados pelo Estatuto do Torcedor, podem ser afastados dos estádios por até três anos – além de Oliveira e Barros, Raimundo César Faustino, vereador de Francisco Morato, na Grande São Paulo. Todos estão proibidos pela Federação Paulista de Futebol de frequentar estádios por 90 dias. O problema é que aqui não é a Inglaterra, onde os que sofrem tal punição são obrigados a se dirigir a uma delegacia enquanto acontecem os jogos de seus times. Uma sugestão dos especialistas ouvidos por ISTOÉ é enquadrar esses torcedores violentos no Código Penal, por lesão corporal. Dependendo da gravidade, eles ficariam presos por até cinco anos. Eles também poderiam ser condenados por formação de bando ou quadrilha, sob pena de até oito anos de prisão.

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Desde 2012, corre na Justiça um pedido de dissolução da Gaviões da Fiel. A extinção dela, no entanto, não resolveria a questão. A antiga torcida organizada do Palmeiras, Mancha Verde, foi banida pela Justiça, mas seus membros fundaram a Mancha Alviverde e, sob essa nova razão social, já se envolveram em confusão. No ano passado, jogadores do Palmeiras foram agredidos por seus membros em um aeroporto. Melhor estratégia é cortar o dinheiro repassado a essas organizadas – afinal há clubes que as financiam com transporte ou transferindo a elas cotas de ingressos – e, um último caso, até punir os times. Em São Paulo, muitas delas recebem R$ 710 mil por ano da prefeitura para desfilar no Carnaval. Para Paulo Vinícius Coelho, comentarista dos canais ESPN, proibi-las de ir para a avenida seria uma boa iniciativa. “Por que nunca se mexe no dinheiro dessas escolas de samba?”, diz. O episódio no Mané Garrincha deixou claro que a solução não é tão complicada. O fato de dois corintianos presos em Oruro estarem no meio da confusão confirma que os envolvidos são sempre os mesmos. 

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