Antes mesmo de Star wars episódio I – a ameaça fantasma (Star wars: episode I – the phantom menace, Estados Unidos, 1999), estréia nacional na quinta-feira 24 em versões originais e dubladas, ter invadido as telas dos Estados Unidos, os críticos já tinham declarado seu ódio ao filme dirigido por George Lucas. Quando entrou no circuito em 19 de maio passado, o cerco piorou e a crítica se tornou ainda mais rabugenta. Pois esqueçam o mau humor. O novo capítulo da saga iniciada em 1977 e até agora transformada na trilogia mais popular da história do cinema segue sua vocação de sucesso com enredo repleto de fantasias típicas dos videogames. A ameaça fantasma, aliás, deve ser assistida com esta intenção, nenhuma outra a não ser se divertir. Para desânimo dos detratores, o filme é também um sucesso de dimensões cósmicas, embora se saiba que dificilmente desbancará o Titanic de James Cameron, que arrecadou ao redor do mundo a assombrosa quantia de US$ 1,2 bilhão. A expectativa da bilheteria de A ameaça fantasma é de US$ 800 milhões. Até o domingo 13 havia arrecadado US$ 297 milhões. Mas seu faturamento global, incluindo licenciamentos (leia quadro abaixo), deve atingir a casa dos bilhões. Cifras bem consideráveis tendo em mente o orçamento de US$ 115 milhões do filme.

O fanatismo americano em torno do tema é tão grande que, segundo cálculos da imprensa local, nada menos do que dois milhões de pessoas faltaram ao trabalho no primeiro dia de exibição causando US$ 300 milhões de prejuízos para a economia americana. Aqueles fãs mais ardorosos – centenas deles acamparam durante um mês nas portas dos cinemas guardando lugar na fila da primeira sessão – chegaram ao ponto de pagar ingresso só para assistir ao trailer de A ameaça fantasma, ignorando por completo o filme principal. Tanta expectativa, contudo, foi gerada por antecedentes nada fáceis. Em novembro de 1994, Lucas se isolou no seu rancho Skywalker, na Califórnia, para escrever o início da saga. Em dois anos produziu a opereta futurista completada pela equipe de criadores de sua empresa, a Industrial Light & Magic (ILM). Mas foi sozinho que ele deu existência a mundos espetaculares como as cachoeiras da superfície e o mundo submerso do fictício planeta Naboo, com monstros aquáticos gigantescos, ou então a megalópole Coruscant e seu hiperintenso trânsito organizado de veículos voadores. No delírio visual de Lucas também não faltou uma fantástica corrida de geringonças do futuro, as Podracers, mistura de carros de Fórmula 1 com as bigas de filmes históricos. Tudo acontecendo em locais povoados por seres que se comportam como pessoas, ainda que suas aparências jamais tenham sido encontradas na parte conhecida da nossa galáxia.

Efeitos – Ao contrário do ocorrido há 22 anos – quando o primeiro filme da série foi lançado –, desta vez não houve criatura imaginada que não ganhasse vida própria, como assegura o supervisor de efeitos visuais da ILM John Knoll. "Antigamente tínhamos os limites físicos de atores em fantasias ou estávamos presos às precariedades da animação convencional. Estas barreiras foram demolidas a golpes de computação de última geração", diz. Os golpes, diga-se, vieram em ritmo de saraivadas: 95% das cenas de A ameaça fantasma são digitais. Este universo da ficção, contudo, apresenta suas obviedades. A verdadeira força da série é o maniqueísmo, a eterna luta do bem contra o mal. Não há nuanças na dualidade. O personagem Anakin Skywalker, interpretado pelo garoto Jake Lloyd, por exemplo, mostra de modo exemplar este conceito.

Na primeira história, já cheia de personagens e mundos com infinidades de detalhes, Lucas dividiu tudo numa trilogia de final feliz, mas como ele mesmo conta sempre sentiu falta de uma gênese. Assim, os primeiros três segmentos – Guerra nas estrelas, O Império contra-ataca e O retorno de Jedi – representam apenas o fecho de uma odisséia de seis partes. Foi necessário, portanto, voltar agora ao passado. E quem melhor do que Darth Vader, o mais simbólico filho das trevas do cinema moderno, para cicerone? Anakin é Vader criança. Até 2005 a nova trilogia irá contar a história da sua transformação. De como um jovem bonzinho, com as baterias carregadas de poderosa energia, sai da condição de messias para ser dominado pelas forças obscuras. Trata-se de um épico mítico que mergulha no sacrílego quando o autor equipara o personagem a Jesus Cristo, já que Anakin também nasceu sem aparente contato carnal.

Muitos fãs vão sentir falta da verborragia cheia de atalhos da primeira trilogia. Neste final de milênio, Lucas optou pelo prazer visual, trazendo um enredo linear e simples como os dos autênticos capa-espada. É desta maneira que o idílico planeta Naboo, membro da nobre República galáctica, foi invadido pelas naves da gananciosa Federação de Comércio. A desculpa são as disputas econômicas. Dois jedis – Quin-Gon Jinn (Liam Neeson) e seu aprendiz Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) – são enviados para tentar resolver a confusão. Só que a turma da Federação – sob influência do malévolo Darth Sidious – não quer conversa e os põe para correr. Os dois guerreiros escapam e encontram Jar Jar Binks (Ahmed Best), um insuportável e desastrado personagem. Guiada pela criatura anfíbia, a dupla conhece Gungan, a cidade aquática da sua raça. De lá, vão salvar a rainha Amidála (Natalie Portman), que fora feita prisioneira. A única esperança da rainha é provar a justiça da sua causa no Senado planetário da República, sediado em Coruscant.

Na fuga, os inimigos abalroam a maravilhosa nave real cujo desenho de ultrabom gosto foi inspirado num broche art déco que pertenceu à avó de George Lucas. Para resolver os problemas, a tripulação aterrissa no arenoso planeta Tatooine. É lá que Quin-Gon encontra Anakin, jovem escravo numa loja de sucatas. O Jedi logo sente que o menino tem energia especial e faz uma aposta com seu dono para tentar libertá-lo, caso o garoto vença uma corrida maluca. Com a vitória, Anakin se vê livre para seguir seu destino de futuro jedi.

Performance rasa – Para encarnar Anakin aos nove anos, infelizmente Lucas escolheu o ator mirim Jake Lloyd. Antes tivesse digitalizado um moleque. Nem se fosse criado num velho computador modelo 286, seria menos convincente. A crítica, desta vez coberta de razão, centrou fogo no heroizinho e na sua performance rasa como um pires. Via Internet, as más-línguas já estão chamando o seu Anakin Skywalker de Mannequin Skywalker. Uma pena, pois estão em suas mãozinhas incompetentes as sequências mais espetaculares do filme. É ele quem pilota uma daquelas geringonças voadoras num racha sensacional. O piloto rival do guri, o biltre Sebulba – que caminha plantando bananeira –, deve entrar para a galeria dos grandes vilões.

Apesar de Lloyd, o elenco deste episódio não poderia ter sido selecionado com mais rigor. O irlandês Liam Neeson deu o tom exato a Quin-Gon, o mestre do jovem Obi-Wan Kenobi, personagem que nos primeiros episódios fora interpretado pelo inglês Alec Guinness e agora é incorporado pelo jovem escocês Ewan McGregor do cult movie Trainspotting – sem limites. Pernilla August, uma das atrizes preferidas do sueco-cabeça Ingmar Bergman, faz a mãe, Shmi Skywalker, espécie de Virgem Maria galáctica. Samuel L. Jackson é um dos líderes do Conselho de Jedis. Sua participação em A ameaça fantasma é ínfima, mas o papel crescerá no futuro. E Natalie Portman – sucesso na Broadway na pele de Anne Frank – faz a rainha cujo guarda-roupa a transforma numa espécie de bolo de noiva. Ela enverga os exemplares mais elaborados de um figurino milionário que totalizou 1.200 trajes. Um de seus vestidos, o que ela aparece no Senado planetário, exigiu cinco horas para ser acomodado em seu corpo.

 

Racismo – Somem-se à lista de intérpretes as 60 novas criaturas, e o circo digital de Lucas fica montado e pronto para polêmicas que, por sinal, têm ajudado no marketing implícito do filme. Watto, por exemplo, o hediondo dono do desmanche em Tatooine, com seu inequívoco sotaque, o narigão, a pança desleixada, as mãos – ou seriam patas? – constantemente se esfregando num gesto universal de cobiça, faz referência direta aos árabes. O debilóide Jar Jar é outro que está na mira dos anti-racistas, já que ele gesticula, age e fala inglês como um negro do Caribe com um sotaque incompreensível até para os jamaicanos. Por outro lado, Jar Jar também despertou a ira dos fãs por causa da chatice, embora as crianças certamente irão adorar as trapalhadas previstas deste híbrido de batráquio e anfíbio falante em cujas veias corre menos sangue do que nas de Pluto ou Pateta.

É uma pena que Jar Jar tenha recebido tantas falas e alguém como o apavorante Darth Maul, interpretado pelo lutador de artes marciais Ray Park, seja mantido calado. Ao todo o vilão só abre a boca cinco vezes. Uma injustiça, já que sob certos aspectos Darth Maul consegue suplantar o emblemático Darth Vader como vilão. Com seus 14 chifrinhos, o rosto vermelho tatuado, os dentes apodrecidos e os olhos de uma demoníaca mistura de vermelho com amarelo, Maul parece saído de um pesadelo. Seu criador, o ilustrador Iain McCaig, quando menino era atormentado por aquela imagem. Embora lacônico, o novo servo do mal é hiperprodutivo com uma arma na mão. Luta com um sabre de dois fachos de laser. E conquista o público. Uma cópia da sua arma se transformou na sensação das lojas de brinquedo, e Darth Maul é o boneco mais vendido da galeria de personagens do filme ajudando em muito a arrecadação de US$ 500 milhões de royalties exigidos por Lucas da fábrica de brinquedos Hasbro.

Quando os primeiros começaram a ser vendidos nas lojas F.A.O. Schwarz, Toys R Us e Wal Mart, nos Estados Unidos, Lucas já havia garantido de luvas o seu meio bilhão de dólares. Na verdade, neste setor ele poderá embolsar até mais, pois sua exigência é de 20% no total das vendas da Hasbro. A empresa Lego pagou US$ 1 milhão para reproduzir em miniatura 36 cenários do filme. Seis horas antes de as lojas abrirem com as novidades, filas de pais e filhos histéricos estavam à espera delas. Colecionadores também aguardam o mesmo lucro fabuloso que obtiveram com os brinquedos da trilogia passada. Um Boba Fett, o caçador de cabeças dos episódios V e VI, pode chegar até a US$ 7 mil. Por enquanto, um Darth Maul vale US$ 10.

No Brasil, um aficionado como o produtor e DJ carioca Marcelo Memê Mansur começou sua coleção estelar comprando uma máscara de Darth Vader. Depois passou para os bonequinhos. Já tem 22 deles, além de três sabres de luz, dois de brinquedo e um original. "Minha última aquisição foi o Darth Vader de 1,75m, que está na sala de entrada do meu estúdio", conta. "Paguei US$ 6 mil por ele." Outro que já nem sabe quantos acessórios tem relativos à Guerra nas estrelas é o publicitário paulistano Micki Mihich. "Minha fixação me proporcionou grandes descobertas. Percebi que a série tem elementos fantásticos das tragédias gregas misturados às fábulas medievais e engrossados pela mítica do faroeste", analisa. "Lucas reciclou os mitos e os trouxe para um ambiente mágico atemporal." Numa pesquisa recente, nada menos do que 83 milhões de americanos disseram que iriam ver Anakin e sua turma cósmica. Provavelmente o fenômeno cultural criado por George Lucas ainda tenha energia para incendiar o imaginário público como ocorreu há duas décadas. Com sua obra, o diretor revolucionou Hollywood e mudou definitivamente o modo de se fazer cinema. Agora, com o novo pacote, vai apenas sedimentar suas conquistas. Aos críticos resta a mesma sina de Darth Sidious, a de sempre perder a parada para os mocinhos com a Força.

Colaboraram: Celso Fonseca, Ivan Claudio, Luiz Chagas e Lu Gomes (SP) e Clarisse Meireles (RJ)

 

A força da marca

George Lucas não se diplomou numa escola de marketing, mas desde cedo demonstrou uma invejável queda pelos assuntos do ramo. Nos Estados Unidos, onde a febre de consumo se iniciou com precisão militar na madrugada de 3 de maio, a procura por bonecos, jogos, espaçonaves e toda sorte de itens relacionados à saga intergaláctica já vem sendo classificada como o maior evento na história da indústria dos brinquedos. Calcula-se que, até o final do ano, as vendas arranhem a cifra de US$ 1 bilhão.

São números bem distantes da realidade brasileira. Mas o pensamento pisca como um luminoso na cabeça dos estrategistas das várias empresas que decidiram se associar ao filme-evento do ano. A Pepsi, por exemplo – que nos Estados Unidos assinou um contrato bilionário com a LucasFilm de US$ 2,5 bilhões –, já enfeitou 100 milhões de latas e garrafas de Pepsi Cola e 7Up com nove personagens-chave da história. O estoque especial ficará nas prateleiras até agosto em cerca de um milhão de pontos-de-venda. Segundo Flávio Maria, diretor de marketing da Pepsi Cola Brasil, foram investidos US$ 5 milhões na campanha, 30% do valor da verba anual da empresa.

O maior perigo para o bolso dos pais, no entanto, são os 23 conjuntos de brinquedos que a Estrela, representante da americana Hasbro, colocará à venda simultaneamente à estréia de A ameaça fantasma. Dos sabres de luz que emitem sons como os do filme a bonecos com acessórios e figurinos a oferta deixará louca qualquer criança fanática pela série. Aires Fernandes, diretor de marketing da Estrela, prevê que a maior procura será pelas chamadas figuras de ação, miniaturas articuláveis dos personagens. Até o final do ano, são esperados a venda de 300 mil brinquedos da marca e um faturamento de R$ 7 milhões, o que corresponde a 5% do total previsto nas atividades da empresa.

Embora não divulgue sua previsão de lucros, Robério Moreira, gerente de marketing da Lego, acredita que no Brasil se repetirá em menor escala o mesmo fenômeno americano. "Nossos brinquedos já foram lançados nos Estados Unidos há um mês e superaram as expectativas." Destinada a crianças de 5 a 12 anos, a coleção de montar Lego System Star Wars episódio I oferece oito itens, sem falar do Pod Racer de Anakin Skywalker. Pilotado a mais de 960 km/h pelo jovem escravo Anakin, na corrida que lhe garante a liberdade, o Podracer é também a estrela do jogo Star Wars Episódio I Racer, da Nintendo, que reproduz a famosa sequência e está à venda por R$ 149. Na edição para PC da Brasoft, o videogame da LucasArts custa R$ 59. Depois de tantas opções, se o fanático não estiver satisfeito, pode ainda ler o livro Star wars episódio I – a ameaça fantasma (Sci-Fi Books, 272 págs. R$ 25), de Terry Brooks, ouvir a trilha tonitroante de John Williams ou então sair fantasiado de Darth Vader.

 

VOCÊ SABIA QUE …

– o verso "Que a força mande coragem" da canção Terra, de Caetano Veloso, é uma citação da saudação "Que a força esteja com você", de Guerra nas estrelas?

– esta mesma saudação refere-se a uma entidade mitológica, algo como Deus, uma energia que habita tudo o que é vivo?

– a voz gutural de Darth Vader é do ator negro James Earl Jones?

– os tais sabres de luz teriam sido inspirados nas espadas usadas no filme A fortaleza escondida, do japonês Akira Kurosawa?

– Darth Vader, segundo os fãs, é uma corruptela para Dark Father (pai das trevas) e que ele seria um anjo caído, o correspondente do diabo?

– a rainha Amidála usou ovos Fabergé como brincos?

– uma luta envolvendo Liam Neeson, Ewan MacGregor e Ray Park levou um mês para ser filmada em três sets?