Tempresário William Walder Sozza, 34 anos, é acusado pela CPI do Narcotráfico de ser um dos maiores líderes do crime organizado no Brasil, ao lado do deputado Augusto Farias (PFL-AL) e dos ex-deputados Hildebrando Pascoal (AC) e José Gerardo (MA), ambos já cassados e presos. O caminhoneiro e ladrão confesso, Jorge Meres, diz que Sozza controla o roubo de cargas e parte do tráfico de drogas no Estado de São Paulo. Segundo ele, o empresário seria o chefe de um esquema que troca as carretas roubadas no Brasil por cocaína e armas em países vizinhos. Nos inúmeros documentos em poder da CPI, os deputados constataram que o empresário faz movimentações financeiras incompatíveis com os rendimentos de sua empresa, a Dog Center, uma distribuidora de produtos para animais, sediada em Campinas (SP). Em 14 de outubro do ano passado, Sozza teve sua prisão temporária decretada no Maranhão, por ser um dos suspeitos de tramar o assassinato do delegado Stênio Mendonça, que estaria atrapalhando as atividades da quadrilha. Desde então, o empresário desapareceu. Na última semana, durante três horas, ISTOÉ entrevistou Sozza no interior de São Paulo.

Visivelmente mais magro – ele diz ter perdido oito quilos – e instalado em uma modesta edícula nos fundos de um terreno mal carpido, Sozza jura ser inocente. “Nunca tive o dinheiro que imaginam”, afirma. Ele diz estar cansado de não ter o que fazer e dispara denúncias contra os deputados membros da CPI do Narcotráfico, embora não apresente documentos nem testemunhas. De acordo com ele, a CPI trabalhou com três motivações básicas: buscar holofotes, dinheiro e fazer perseguições políticas. “Os deputados Lino Rossi (PSDB-MT) e Éber Silva (PDT-RJ) me propuseram segurança total desde que eu fizesse qualquer menção ao nome de Augusto Farias em meu depoimento”, assegura. “Isso não faz o menor sentido. A CPI não fez nada dirigido. O Sozza é um canalha que tenta agora livrar sua pele”, rebate o deputado Rossi, atual candidato a prefeito de Várzea Grande, vizinha de Cuibá, capital do Mato Grosso.

Calmo e com a fala bem pausada, Sozza afirma que só se encontra na situação de fugitivo porque não tem dinheiro. “Os deputados extorquiram pessoas para que fossem aliviadas no relatório final e não provaram nada contra ninguém”, afirma. Segundo ele, o deputado Robson Tuma (PFL-SP), um dos relatores da CPI, teria recebido R$ 1,5 milhão do vereador e candidato a prefeito de Campinas (SP) Roberto Mingone, também do PFL, para não comprometê-lo. “O piloto Alexandre Negrão também precisou desembolsar cerca de R$ 2 milhões”, diz. Os acusados negam com veemência tudo o que diz Sozza. “Não dei e não daria dinheiro a ninguém para livrar-me de qualquer situação. Repugno toda forma de corrupção. Não conheço e nunca estive com William Sozza”, reage o vereador Mingone. “Palavra de bandido não merece crédito. Ele quer desmerecer a CPI e todos os que descobriram suas falcatruas”, afirma Robson Tuma. “Fico surpreso que agora, depois que fui investigado e inocentado pela CPI e pela Polícia Federal, surjam acusações tão levianas”, diz o piloto Negrão.

ISTOÉ – O sr. é acusado pela CPI do Narcotráfico de ser o chefe do crime organizado em São Paulo.
William Sozza – Isso tudo é um absurdo criado pelos deputados da CPI do Narcotráfico. A CPI não tem nada de concreto contra mim.

ISTOÉ – O sr. participou da trama que culminou com o assassinato do delegado Stênio Mendonça?
Sozza – Claro que não.

ISTOÉ – Então, por que o sr. está foragido há mais de dez meses?
Sozza – Não me considero um foragido. Estou na clandestinidade, como já esteve o presidente Fernando Henrique e muitos deputados que tiveram prisão decretada no período da ditadura. Meu problema é político.

ISTOÉ – O sr. é acusado de liderar o crime organizado, roubo de carros, cargas e tráfico de drogas. Isso é crime. Não há nenhuma questão política nisso.
Sozza – A CPI precisava de mídia. O interesse de todo político é aparecer. Então, as investigações precisavam sair do Norte e do Nordeste para ganhar mais imprensa em São Paulo. Até meu nome ser citado, eles tinham os deputados Hildebrando Paschoal, do Acre, José Gerardo, do Maranhão, e Augusto Farias, de Alagoas. Precisavam de alguém do Sul.

 

ISTOÉ – E o sr. não tem relação com esses deputados?
Sozza – Não. Só estive perto de algum deputado quando fui depor na CPI.

ISTOÉ – Em mais de uma ocasião, o caminhoneiro Jorge Meres o acusou de ser um dos líderes das quadrilhas de roubo de carga e tráfico de entorpecentes, em parceria com esses deputados.
Sozza – Ele foi orientado. Desde que foi preso só conversou com os deputados e a CPI precisava de alguém em São Paulo.

ISTOÉ – Com isso, o sr. quer dizer que Jorge Meres o acusou a mando dos deputados?
Sozza – A história precisava ter um mínimo de credibilidade. O Jorge trabalhou para mim por cerca de cinco meses na Dog Center, fazendo entregas. Mas nunca tivemos a menor intimidade. Disse que sou advogado e não sou. Ele jamais esteve na minha casa, nunca viu minha mulher. A prova disso é que ele disse que eu tinha dois filhos, quando na verdade tenho apenas uma filha.

ISTOÉ – Ele deve ter trabalhado para diversas outras pessoas, por que então ele acusou justamente o sr.?
Sozza – No período em que ele trabalhou comigo, chegou a sumir por mais de 30 dias. Passada uma semana, a mulher dele ligou dizendo que ele estava preso em Goiás por causa de um estupro e queria ajuda financeira. Eu disse que não iria ajudar. Quando voltou eu o demiti. Acho que ele fez isso tudo para se vingar.

ISTOÉ – Outras pessoas de São Paulo foram citadas.
Sozza – Sim, mas aos deputados da CPI só interessavam pessoas famosas e economicamente bem posicionadas.

ISTOÉ – O sr. poderia dar exemplos de pessoas importantes que ficaram de fora.
Sozza – Recebi denúncias dizendo que o Negrão (Alexandre Negrão, piloto de Stock Car e empresário) e o Mingone (Roberto Mingone, vereador e candidato a prefeito de Campinas) deram dinheiro aos deputados para se livrar da CPI, para que não fossem comprometidos no relatório final.

ISTOÉ – Conte mais detalhes dessa história.
Sozza – Olhe, o Negrão não sei para quem exatamente teria dado o dinheiro, sei que foi cerca de R$ 2 milhões. O Mingone entregou o dinheiro para o deputado Robson Tuma (PFL-SP). Foi R$ 1,5 milhão. Meu informante garante que a entrega foi feita na Assembléia Legislativa de São Paulo, horas antes de a CPI se instalar.

ISTOÉ – Se isso é verdade, o sr. deve ter recebido alguma proposta semelhante.
Sozza – Os deputados pensavam que eu fosse um tubarão, mas sou apenas um bagrinho. Chegaram com a informação de que eu tinha uma Ferrari, duas BMW e uma Pajero. Tudo mentira. Então, não tinham o que pedir, pois não tenho nada. Só estou nesta situação porque não tenho dinheiro para pagar aos deputados.

ISTOÉ – Chegaram a lhe fazer alguma insinuação?
Sozza – De dinheiro não, pois logo descobriram que eu não tenho nada. Mas, no dia do meu depoimento em Brasília, tentaram me induzir. Fizeram muita pressão e no intervalo do depoimento dois deputados deixaram claro que queriam pegar o Augusto Farias. Disseram para eu falar sobre ele que teria toda a proteção possível. Respondi que não poderia falar sobre alguém que não conhecia. E eles insistiram: não faz mal, fale dele assim mesmo que você terá todas as garantias.

 

ISTOÉ – Quem são esses dois deputados?
Sozza – O Lino Rossi (PSDB-MT) e o Éber Silva (PDT-RJ)

ISTOÉ – O sr. tem como provar isso?
Sozza – É claro que essa conversa não foi gravada, mas quem assistir à gravação do meu depoimento verá que no intervalo esses dois deputados ficaram cochichando comigo. A CPI está fazendo uma inquisição. Não podem me julgar do jeito que estão julgando e não reconheço em nenhum deles autoridade moral para isso.

ISTOÉ – Como o sr. conheceu o motorista Jorge Meres?
Sozza – Em 1992, 1993, eu tinha uma loja de carros em Campinas (SP). Ele trabalhava para um sujeito chamado José Vicente, que tinha uma empresa em Corumbá (MS) e comprava carros em minha loja. O Jorge é que levava os carros para ele até o Mato Grosso do Sul. Acho que ele levou uns três ou quatro carros. Depois o José Vicente abriu uma distribuidora de produtos de supermercado em Campinas, em nome do Jorge. A empresa quebrou e os dois desapareceram. Só no início de 1997 é que o Jorge reapareceu e me pediu o emprego na Dog Center.

ISTOÉ – Fale mais sobre esses carros que o sr. vendia para Corumbá.
Sozza – Não tem mais o que falar. Sei onde vocês querem chegar por causa de alguns carros terem ido para Corumbá, mas não vendia apenas para lá. Nunca me envolvi com carros roubados.

ISTOÉ – O sr. também é acusado de ter relações com mais da metade da polícia de Campinas, o que facilitaria as atividades criminosas.
Sozza – Isso é outra mentira. Só entrei em delegacias por causa de acidentes de trânsito.

ISTOÉ – Por que só agora o sr. resolveu contar tudo isso?
Sozza – Os deputados, a polícia e o Ministério Público tiveram dez meses para vasculhar minha vida. Agora chegou a minha vez. No começo, tudo o que eu falasse não seria considerado. Eu seria cada vez mais execrado. Depois que eu me neguei a citar o nome de Augusto Farias tudo se voltou contra mim. Eu era o ladrão, o traficante…

ISTOÉ – O sr. diz que não tem dinheiro. Como é que o sr. vive? Como faz para sustentar sua família?
Sozza – Sempre vivi com o fruto de meu trabalho. Hoje, tenho a Dog Center, que vende produtos para animais. Também sempre ganhei algum com a compra e venda de carros, mesmo sem ter a loja. Cheguei a comprar e vender mais de 20 carros por mês.

ISTOÉ – Não existe nenhuma outra fonte de renda…
Sozza – Bem, vou ser absolutamente verdadeiro. Sempre emprestei dinheiro para uns ou outros amigos e conhecidos e cobrava juros normais.

ISTOÉ – O que são juros normais?
Sozza – Se a poupança paga 0,5% eu cobro 3%, 4% ao mês, não vejo crime nenhum nisso. O máximo que cobrava era 5%.

ISTOÉ – Antes de todo esse turbilhão, qual era o seu rendimento mensal?
Sozza – Uns R$ 4 mil, R$ 5 mil por mês.

ISTOÉ – Isso é o real ou é o que o sr. declara no Imposto de Renda?
Sozza – (Silêncio)

ISTOÉ – Uma pessoa com rendimentos de R$ 5 mil, casada e pai de uma filha, consegue ainda emprestar dinheiro a juros?
Sozza – (Silêncio)

ISTOÉ – Como o sr. está se mantendo longe de casa e dos negócios por quase um ano se não tem uma reserva financeira?
Sozza – Minha filha de nove anos teve que trocar a escola privada por um colégio público. Ela e minha mulher estão vivendo de favor na casa de minha cunhada. E eu vou vivendo de doações feitas por alguns amigos e parentes.

ISTOÉ – Mas o sr. tem contato com amigos e parentes?
Sozza – Raramente. Nos primeiros meses cheguei a passar fome e dormir no relento na beira de um rio em Mogi-Guaçu. Em todo esse período jamais saí do Estado de São Paulo.

ISTOÉ – Em algum momento sentiu que a polícia estivesse próxima de lhe capturar?
Sozza – Há cerca de dois ou três meses estava com o carro de um amigo na rodovia Anhanguera e fui parado por um comando de rotina. Pediram os documentos do carro e os meus. O policial verificou o carro, olhou os documentos e me liberou.