A única cena que não estava no script foi a de um disparo acidental de uma pistola dentro da cabine de comando. O tiro quase atingiu uma aeromoça, poderia ter danificado o avião e mudado o final do filme. O Boeing 737-200 da Vasp serviu de cenário para um assalto em pleno vôo. Coisa de cinema, no melhor estilo hollywoodiano. O vôo 280 partiu de Foz do Iguaçu com destino ao Rio de Janeiro, com escala em Curitiba, na quarta-feira 16, às 15h32. Estabilizada a aeronave, cinco homens portando armas automáticas renderam 61 passageiros e seis tripulantes sem fazer nenhum estardalhaço. Só um turista chinês, que acabara de visitar as Cataratas do Iguaçu, entrou em desespero e tentou se jogar pela saída de emergência. Entendera tratar-se de um sequestro terrorista daqueles, que, no telão, terminam com morte de reféns e muitos tiros. Os assaltantes, todos encapuzados, mudaram a rota e pousaram o avião em Porecatu, a 534 quilômetros de Foz do Iguaçu. No pequeno aeroporto, duas caminhonetes e quatro homens os esperavam, armados de fuzis e metralhadoras. Levaram do avião um malote do Banco do Brasil com R$ 5 milhões e 12 celulares dos passageiros para atrasar o aviso à polícia. Em depoimentos, os viajantes contaram ter vivido cenas de um filme.

Apesar da ousadia e da sofisticação do bando, que contava com a atuação de um piloto de jato, nem tudo deu certo para os criminosos. Quando foram informados sobre o conteúdo do malote pelo funcionário da transportadora de valores TGV, um deles desabafou: “Que droga! Tudo isso só por R$ 5 milhões?” Mesmo assim, seguiram todas as normas da aviação para manter os passageiros sob controle quando postos em situação de emergência. Anunciaram que não usariam de violência e que todos chegariam ao seu destino. Doze minutos após a decolagem, o líder do bando chegou à cabine e ordenou ao comandante do vôo e a seu co-piloto que desligassem os transponders (equipamento capaz de avisar à torre que o avião está em situação de emergência). Com um aparelho GPS (navegação por satélite) na mão, o líder indicou e checou a nova rota. Pouco tempo depois, a aeronave saía do alcance dos radares do aeroporto de Curitiba e entrava no espaço aéreo de Porecatu. A pista da cidade é pequena (1,7 km), mas suficiente para o pouso de um Boeing. Livres dos assaltantes, seguiram para Londrina, a 80 quilômetros de Porecatu.

Pela pista – A Polícia Federal está certa de que o homem que desviou o avião é, de fato, um profissional da aviação e que o audacioso assalto contou com o planejamento e a ação de dois líderes. Na quinta-feira 17, a polícia de Londrina anunciou ter identificado um deles: Marcelo Borelli. Ele tem uma extensa ficha policial, que inclui, principalmente, roubo de carros-forte no Paraná. Segundo o delegado Marco Vinícius Amaro, “Borelli conhece bem a região”. Uma das caminhonetes utilizadas na fuga também foi encontrada perto de Porecatu. Quanto às armas, semi-automáticas de baixo calibre, a PF suspeita que já estavam dentro do avião, o que só seria possível com a participação de funcionários (ou da manutenção, ou do aeroporto ou da companhia aérea) com acesso ao avião. A rapidez com que a polícia está chegando à quadrilha impressiona. Mas não será fácil responder por que os aeroportos brasileiros ainda mantêm um esquema de segurança com tantos buracos quanto um queijo suíço.

A Infraero tratou de defender-se alegando que há detector de metais em todos os aeroportos. Mas eles só são usados no embarque de passageiros. As entradas privativas para a pista possuem fiscalização menos rigorosa, uma vez que os funcionários que transitam nessas áreas são credenciados. A Vasp divulgou nota oficial onde se declarava “mais uma vítima”. No empurra-empurra de responsabilidades, quem aperta o cinto são os passageiros. Cerca de 60 milhões de embarques são feitos anualmente no Brasil, mas a segurança dos que voam está longe de ser garantida pela Infraero. No último mês de junho, uma quadrilha invadiu o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, deu tiros para todos os lados e levou R$ 3 milhões de um avião – na pista – também do Banco do Brasil. As aeronaves não são como o ônibus da linha 274, palco da tragédia que culminou com a morte de uma professora no Jardim Botânico, Rio, chocando o País. Mas estão deixando de ser o meio de transporte mais seguro. Pelo menos no Brasil.