Surpreendentemente, uma das apostas mais arriscadas do mercado editorial brasileiro está dando certo: as vendagens dos primeiros quatro lançamentos da editora Record, enfocando vida e obra de famosos compositores clássicos, são animadoras. Juntos, em apenas um mês de livrarias, alcançaram a expressiva marca de 4.900 exemplares vendidos. Verdade que os livros falam muito mais da vida – e bem pouco da obra – dos chamados grandes mestres. Mas não há como negar, este tipo de literatura, há muito ausente do mercado brasileiro, presta um bom serviço à música de invenção. Ou seja, retira de compositores como Robert Schumann (1810-1856), Frédéric Chopin (1810-1849) e Piotr Tchaikovski (1840-1893) a aura de querubins encantados que criaram música num Olimpo celestial e os mostra, não sem tempo, como seres humanos de carne e osso.

Claro que às vezes os excessos acabam transformando tais biografias em verdadeiros tratados de fofocas mundanas. Como é o caso de Chopin em Paris – uma biografia (450 págs., R$ 48), na qual o jornalista polonês Tad Szulc esparrama sua prosa pegajosa. Na biografia do compositor romântico polonês, Szulc faz desfilar dezenas de altas personalidades da Paris do período 1830-1850, salpicando aqui e ali um veneno típico de revistas de fofocas. Mas há historinhas interessantes. Dos "beijos molhados" que Chopin manda em bilhetinho para o amigo polonês Tytus aos detalhes da tuberculose que o músico carregou por toda a vida, secundado por nada menos do que 33 médicos parisienses diferentes, Szulc tenta afastar o homossexualismo sempre latente na imagem de Chopin e prega-lhe injustamente o diagnóstico de "psicose maníaco-depressiva".

Rigor
 

A expressão, aliás, é a mesma aplicada por outro jornalista, o alemão Peter Härtling, ao seu conterrâneo Robert Schumann. Só que neste caso com rigor científico. Härtling teve acesso ao diário do médico psiquiatra que cuidou do compositor em seus dois últimos anos de vida, no Hospital de Endenich. A sombra de Schumann (334 págs., R$ 40) alterna a documentação cotidiana da evolução da loucura do músico e a história de sua vida, mostrando com clareza a emergência da doença mental já na adolescência. Como se sabe, Schumann criou personagens imaginários, os quais chamou de Florestan e Eusebius, e incorporou-os ao seu universo. A leitura modifica a imagem romanceada que temos dele, desde o romance seguido de casamento conturbado com a pianista Clara Wieck até o posterior triângulo emocional com o então jovem Johannes Brahms.

Não tão sisuda, mas também sem descambar para a fofoca, Piotr Ilitch Tchaikovski – uma biografia (486 págs., R$ 55), escrita pelo também jornalista, o inglês Anthony Holden, é a mais equilibrada, pois combina o rigor da pesquisa com a linguagem acessível. Como bom repórter, entretanto, Holden ficou fascinado com o imbróglio em torno da morte do compositor russo. Durante praticamente um século, oficialmente circulou a versão de que ele contraíra cólera ao tomar um copo de água contaminada em Moscou. Em 1980, porém, a musicóloga russa Alexandra Orlova revelou que Tchaikovski havia sido condenado a suicidar-se tomando uma taça de vinho com arsênico, porque teria seduzido o sobrinho de um nobre da corte moscovita.

Manuscrito
 

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Presto con fuoco (236 págs., R$ 28), do egípcio Roberto Cotroneo, respira um ar ainda mais detetivesco. Só que investiga o sumiço e rocambolesco reaparecimento de uma partitura, a famosa Quarta balada de Chopin. Obra-prima romântica, não se conhece seu manuscrito original. Cotroneo parte deste fato para colocar em cena um virtuose deste nosso final de século, visivelmente calcado no lendário pianista italiano Arturo Benedetti Michelangeli, às voltas com a paixão pela obra e uma misteriosa oferta de um russo, que deseja vender-lhe o tesouro musical. Os lances são dignos de um James Bond, com a partitura viajando da Paris do século XIX para a Alemanha nazista e para a União Soviética estalinista.

As ótimas vendagens destes livros, no entanto, permitem aguardar para este ano muitas e boas novidades neste, em geral morno, segmento editorial. Para esta semana, a Record garante um outro ótimo lançamento. Trata-se de uma biografia excepcionalmente bem escrita e pesquisada, de Otto Friedrich, sobre o pianista canadense Glenn Gould (1932-1982), um dos raríssimos intérpretes sobre os quais se pode aplicar, sem medo de errar, o adjetivo genial.


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