Em O livro de Saladino (Record, 414 páginas, R$ 35), Tariq Ali faz uma rica e prolífica crônica do século XII, em que expõe todas as feridas das civilizações cristã, islâmica e judaica que ainda precisam ser curadas. Por 42 capítulos vão passando histórias de amor, ciúme, estupro, traição, intriga política, guerra e assassinatos, com uma narrativa elaborada e vibrante, no melhor estilo das fantasias eróticas de As mil e uma noites. E, como se não bastasse, há paralelos implícitos com a nossa época. Saladino reúne seu exército para “a mãe de todas as batalhas”, entra numa guerra santa para libertar a Palestina e as nações muçulmanas acabam enciumadas e divididas em facções hostis.

Neste segundo volume de uma tetralogia de romances históricos, Ali descreve a saga do militar curdo Salah al-Din, que saiu do nada para ser o sultão do Egito e da Síria e retomar a Cidade Santa dos Cruzados, em 1187. Saladino foi um líder islâmico que gostava de beber e nunca peregrinou até Meca. Chegou ao poder por um acidente histórico, mas acabou mostrando-se à altura das circunstâncias. Pelas confidências do sultão, ditadas a um personagem fictício – Isaac ibn Yahub, seu escriba judeu, que narra a história -, não só ficamos sabendo que sua esposa favorita estava tendo um caso com outra concubina do harém, como ainda olhamos para os cruzados de um ponto de vista não-eurocêntrico. Aqui os cristãos são “os bárbaros invasores do Ocidente”.

Talvez o escritor exagere um pouco quando Yahub flagra sua mulher fazendo sexo com Maimônides, o célebre filósofo judeu. No entanto, os personagens principais sustentam um frutífero diálogo sobre a vida após a morte, a opressão das mulheres e a natureza do amor romântico e espiritual. Seja descrevendo as intrigas do harém ou a guerra de sítio, O livro de Saladino pinta o quadro de um Islã tolerante e pluralista, que mostra aos fundamentalistas de hoje o quanto eles estão equivocados em suas idéias sobre a história islâmica.