"O Equador não é uma república de bananas." A afirmação foi feita com indignada convicção numa coletiva de imprensa pelo novo presidente do Equador, Gustavo Noboa. Não foi uma menção ao importante item da pauta de exportações equatoriana. Foi, sim, uma tentativa de justificar os surpreendentes acontecimentos políticos do país nos últimos dias, entre eles a própria ascensão do novo mandatário. A crise teve seu ápice no sábado 22, quando cerca de cinco mil indígenas, apoiados por oficiais de média patente, tomaram de assalto o palácio Carondelet (sede da Presidência) e o edifício do Congresso para exigir a renúncia do então presidente Jamil Mahuad. O estopim foi a dolarização da economia, decretada por Mahuad dez dias antes numa desesperada tentativa de controlar a desvalorização cambial e a inflação. Sem apoio do alto comando militar, Mahuad fugiu do palácio e os revoltosos instalaram uma "junta de salvação nacional" formada pelo coronel Lucio Gutiérrez, pelo líder indígena Antônio Vargas e pelo ex-presidente da Corte Suprema de Justiça Carlos Solórzano. Pego de surpresa, o ministro da Defesa, general Carlos Mendoza, manifestou apoio à junta e conseguiu ocupar o lugar de Gutiérrez. Menos de três horas depois, o alto comando, com o controle da situação, empossou o vice Gustavo Noboa, que veio de Guayaquil num avião da Marinha. "O general Mendoza traiu o povo e o país porque jurou perante nós, perante a Junta e perante o coronel companheiro Gutiérrez", esbravejou Antônio Vargas, líder da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). Os indígenas não tiveram outra saída senão voltar às suas aldeias, embora suas lideranças prometessem continuar a luta, já que Noboa manterá a política econômica do antecessor. O novo governo também prendeu os oficiais revoltosos e prometeu enviá-los à corte marcial. Aparentemente, os militares conseguiram evitar, pelo menos por enquanto, uma quebra na cadeia de comando.

O que ficou no ar – e certamente será um grave problema para o novo presidente – foi a atitude do alto comando do Exército durante a crise. Rumores de golpe ou autogolpe circularam a todo vapor nos dias da rebelião. Segundo o general José Gallardo, o ministro da Defesa, general Carlos Mendoza, foi o principal conspirador e só não tomou o poder porque não encontrou apoio suficiente na caserna. "O que ocorre é que todas as unidades disseram ao general Mendoza: ‘Somos contra o rompimento da ordem constitucional.’ Ele não foi herói, simplesmente não pôde ser um ditador porque o grosso das Forças Armadas não permitiu." O presidente deposto, Jamil Ma-huad, bate na mesma tecla e diz que um autogolpe, no estilo do peruano Alberto Fujimori, lhe foi oferecido pelo alto comando militar. Já o general Mendoza afirma que a proposta de autogolpe existiu sim, mas foi feita por emissários do ex-presidente. "Por sorte, a institucionalidade das Forças Armadas o impediu", garante o militar.

Noboa é o sexto presidente do Equador em apenas quatro anos. Em 1996, o populista Abdulá Bucaram, que se aliara aos partidos de esquerda e aos movimentos indígenas para governar, voltou atrás e adotou um plano econômico orientado pela mais dura ortodoxia monetarista. Em fevereiro do ano seguinte, ele foi considerado "incapacitado mental" e destituí-do pelo Congresso. O presidente do Congresso Fabián Alarcón foi declarado sucessor, mas a vice-presidente Rosalía Arteaga Serrano se declarou substituta legal de Bucaram. Ela ficou no poder por apenas três dias e acabou entregando o poder a Alarcón, que depois seria preso por corrupção. O prefeito de Quito, Jamil Mahuad, que fizera oposição a Bucaram, foi eleito presidente em 1998.

"Muita atenção" – A delegação brasileira na Organização dos Estados Americanos (OEA) defendeu na sessão especial do Conselho Permanente da entidade que os organismos financeiros internacionais prestem apoio total ao novo governo do Equador para que o país de 12,2 milhões de habitantes possa superar a mais grave crise econômica dos últimos 70 anos. O raciocínio do Itamaraty é que toda a convulsão social por que passa o Equador só vai terminar se o país superar o buraco econômico em que foi jogado nos últimos dois anos. A já endêmica crise econômica foi agravada por catástrofes naturais: primeiro, o El Niño, que aqueceu o Pacífico e quebrou a indústria da pesca do atum. Depois, a queda dos preços de petróleo, um dos principais produtos de exportação do Equador. "O governo Mahuad, eleito como honesto e bom administrador, viu as receitas do país caírem vertiginosamente", comentou a ISTOÉ uma fonte do Itamaraty. Para a diplomacia brasileira, a posse de Gustavo Noboa representou uma solução dentro da ordem constitucional. Mas o Itamaraty segue acompanhando "com muita atenção" a situação do Equador. No jargão diplomático, "com muita atenção" quer dizer "com muita preocupação". Para os diplomatas, se não ocorrerem melhoras imediatas na economia, o quadro que levou à deposição de Mahuad ganhará mais força. Como numa república de bananas.