Meninos de Deus, assim são aclamados pelo seu povo. O pai dos gêmeos birmaneses Johnny e Luther Htoo afirmou que desde que nasceram sabia que seus filhos tinham vindo para cumprir uma grande missão. Porém Johnny, com um rosto delicado, com expressões quase femininas, e Luther Htoo, 12 anos, com a cabeça raspada, olhar de adulto e sempre com um cigarro na boca, estão muito longe da semelhança com anjinhos celestiais. Johnny e Luther, semi-analfabetos e altura um pouco maior do que os rifles que portam, são os "gurus espirituais" de um braço armado da minoria cristã fundamentalista karen, que briga pela independência de Mianmá (ex-Birmânia), país com maioria budista. O Exército de Deus – um dos tantos grupos guerrilheiros que lutam contra a ditadura de Mianmá de mais de 40 anos – é formado por cerca de 300 combatentes que moram em acampamentos nas florestas das montanhas na fronteira com a Tailândia. As "atribuições espirituais" dos meninos foram reconhecidas pelos antigos chefes do Exército de Deus em 1997, quando a dupla conseguiu liderar uma revanche contra os soldados birmaneses que já haviam dizimado mais de 300 membros da minoria karen.

Na segunda-feira 24, os irmãos coordenaram um grupo de dez guerrilheiros do Exército de Deus num ataque ao hospital de Ratchaburi, a 120 quilômetros da capital tailandesa Bangcoc. Com disparos de metralhadoras M-16 e granadas em punho, os rebeldes invadiram o hospital e bradaram suas exigências ao governo da Tailândia, que nas últimas semanas realizou vários ataques contra os rebeldes karen. Entre as reivindicações estavam o fim dos ataques contra seus acampamentos, envio de médicos para cuidar dos feridos e passagem livre para os guerrilheiros em território tailandês. Preocupado com os 700 reféns, Bangcoc aceitou o acordo.

Porém o ataque acabou em fracasso. O governo da Tailândia nega, mas realizou uma operação a sangue frio para acabar com a iniciativa dos Meninos de Deus. Momentos antes de invadir o hospital, a polícia avisou na madrugada aos funcionários para se protegerem da ofensiva que prometia ser violenta. "Nós acordamos todos, apagamos as luzes e permanecemos em silêncio", disse uma enfermeira. Os momentos de pavor duraram alguns minutos. No final, os corpos de nove guerrilheiros foram exibidos com orgulho pela televisão nacional. O primeiro-ministro tailandês, Chuan Leekpai, também foi à tevê dizer que a operação resgate foi um sucesso. Muitos reféns já haviam sido liberados pelo próprio Exército de Deus durante o dia, mas os que ficaram nada sofreram. O esforço dos tailandeses em demonstrar sua força perante os rebeldes teve um claro motivo: calar a boca dos que criticaram o governo tailandês por inoperância em outubro do ano passado, quando estudantes birmaneses invadiram a embaixada birmanesa em Bagcoc em mais um protesto contra o regime ditatorial de Mianmá.

Tanto a Tailândia quanto Mianmá anunciaram suas intenções de brecar as ações terroristas dos meninos cristãos. Três dias depois do ataque ao hospital, o governo birmanês lançou uma forte ofensiva contra a base do Exército de Deus na selva. Cerca de 50 rebeldes foram presos, mas outra vez os irmãos Luther e Johnny escaparam, dividindo os sobreviventes em dois grupos que se embrenharam pela floresta. Seus seguidores atribuíram a fuga a mais uma realização dos poderes místicos dos gêmeos.