Otimismo, sim. Cautela, também. É assim que os investidores estrangeiros estão olhando para o Brasil. Entre surpresos e animados, eles constatam que a tão decantada ruína econômica que poderia ter vindo depois da maxidesvalorização do real em janeiro passado acabou não acontecendo. Não é à toa que o economista Guil-lermo Calvo, da Universidade de Maryland, publicou há alguns dias um artigo no jornal argentino Clarín em que diz com todas as letras que "Deus é brasileiro". A recuperação, porém, está longe de significar que o período de águas turbulentas já passou. O cientista político Francisco Panizza, da London School of Economics, afirma que a imagem do Brasil tem oscilado rapidamente entre dois extremos: o otimismo e o pessimismo exagerados. "A euforia de hoje não é sinal de que o País voltou ao milagre econômico, inclusive porque a taxa de crescimento este ano será insuficiente para combater os problemas sociais", avalia. Panizza considera o Brasil "completamente esquizofrênico", com um humor que pode variar – às vezes sem razão aparente – da depressão ao ânimo absoluto. É verdade. Quem poderia imaginar que, depois de um começo cambaleante, o País encerraria o ano de 1999 registrando a entrada recorde de US$ 29 bilhões em investimentos estrangeiros diretos?

Se depender da boa vontade dos executivos estrangeiros, porém, o capital externo deve continuar a jorrar por aqui. Prova disso é uma pesquisa da consultoria AT Kearney feita com executivos das mil maiores empresas do planeta. A AT Kearney perguntou aos empresários quais os países – de uma lista de 60 – que mais atraem a sua atenção para investimentos, tanto no presente como no futuro. O Brasil não fez feio. Além de preservar o quarto lugar no ranking geral (que é liderado pelos EUA, seguido por Reino Unido e China), recuperou a liderança como destino preferido dos empresários americanos. Na pesquisa anterior, ainda sob o efeito da desvalorização do real, o País havia despencado para o sexto lugar nesse quesito. Caso sejam feitos os ajustes necessários, o País pode voltar a ocupar o segundo lugar no ranking, logo abaixo dos EUA, posição que ostentou em 1998. "O Brasil é um dos nossos principais focos de interesse", revelou o inglês Kevin Latter, consultor de marketing, enquanto almoçava numa churrascaria brasileira, em Londres.

A performance animadora do Brasil respingou de maneira positiva no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. "O entusiasmo pela economia brasileira que se vê hoje no mercado mundial, e principalmente nos EUA, é fruto dos esforços de seu governo. Os brasileiros mostraram que não há mais um círculo vicioso pernicioso na economia da América Latina. Pelo menos no Brasil, isso parece ter sido quebrado", avalia o ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger.

Se nas pesquisas os executivos admitem que o Brasil é um mercado atraente, na prática eles arregaçam as mangas e anunciam novas investidas. Quem ainda não fincou pé, planeja entrar. Quem já está por aqui, quer ampliar a participação. É o caso da montadora francesa Renault, que divulgou em Paris na semana passada uma injeção de US$ 100 milhões na construção de uma nova fábrica para produzir utilitários no Brasil. No dia 26, duas empresas do segmento de energia elétrica aumentaram sua presença em companhias brasileiras: a americana AES investiu R$ 2 bilhões para aumentar para 45% sua presença na Eletropaulo, e a Duke Energy desembolsou mais de R$ 515 milhões para alcançar 95% da participação total da Paranapanema. No concorrido segmento de Internet, a notícia foi a chegada do The Exxel Group, maior fundo de "private equity" da América Latina, que entra no País através de um acordo com a InternetCo Investments, empresa brasileira que investe em projetos na Web. Para se ter idéia do tamanho do bolso do grupo argentino, nos últimos sete anos o fundo colocou US$ 4,4 bilhões em 60 empresas. Outra que está apostando alto é a gigante de tecnologia Cisco, que acaba de inaugurar um laboratório de treinamento onde investiu US$ 8 milhões. "Vamos acelerar os investimentos", promete Carlos Carnevali, diretor de operações.

Ajuste – A pergunta é: será que o entusiasmo é duradouro ou estamos vivendo mais uma das incontáveis euforias de poucas semanas? Analistas e economistas concordam que ainda há muito o que se fazer – especialmente quando o assunto é ajuste fiscal -, mas acreditam que o investidor estrangeiro não deve abandonar o barco. "O volume de investimentos deverá ser menor – cerca de US$ 23 bilhões este ano, contra US$ 29 bilhões em 1999", avalia Octavio de Barros, economista-chefe do Banco Bilbao Vizcaya. Na opinião dele, há dois motivos para isso: o programa de privatizações deverá ser mais tímido neste ano e as melhores oportunidades de aquisição de empresas brasileiras já ocorreram. "Mesmo assim os estrangeiros estarão atentos, especial-mente a setores exportadores", afirma.

A percepção de que o Brasil é um mercado em expansão e que pode se tornar uma plataforma de exportações para o Mercosul é uma unanimidade entre os investidores e economistas. Para o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, esse é um dos principais atrativos. "Não é mais o custo baixo da mão-de-obra que estimula o investidor internacional", diz. O presidente do BCN Alliance, Roberto Fonseca, levanta um outro ponto. "Estamos falando hoje de capital não especulativo. O dinheiro é para projetos de longo prazo." Um exemplo é o da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha, que anunciou que dez das mais importantes empresas alemãs pretendem investir US$ 7,1 bilhões até 2004. Na avaliação do diretor de política monetária do BC, Luiz Fernando Figueiredo, o investimento externo gera emprego e moderniza a indústria.

Há quem diga que a retomada da confiança estrangeira teve um preço muito alto. Willen Goldscheider, professor da Universidade de Nova York, diz que os remédios da equipe econômica e do FMI pretendiam controlar a crise e salvaguardar o capital externo. "Que ninguém se engane: este foi o principal incentivo para o reforço da confiança no País. O Brasil saiu da crise e voltou a crescer, mas e o povo, como vai?"

Se o termômetro for o desemprego, vai mal, obrigado. O pesquisador Marcio Pochmann, da Unicamp, acaba de divulgar o resultado de uma pesquisa sobre o assunto. E lá estamos nós engrossando essa vergonhosa estatística. Em 1999 o Brasil respondeu por 5,61% do total do desemprego aberto no mundo, índice muito superior aos 1,68% registrados em 1986. Ou seja: dinheiro forte entrando no País não significa melhoria de qualidade de vida. E para resolver essa questão vai ser preciso muito mais do que acreditar que Deus é brasileiro.