O Ministério Público Federal aponta suas baterias para as relações perigosas do ministro do Esporte e Turismo, Rafael Greca, com o Instituto Farol do Saber, entidade privada sediada em Curitiba que leva o mesmo nome do projeto que foi marca registrada do ministro em sua passagem pela prefeitura da capital paranaense: o programa Farol do Saber, um conjunto de minibibliotecas de bairros na forma do sinalizador. Quando vai a Curitiba, o ministro, que até há pouco tempo ainda distribuía cartões de apresentação com a marca do instituto, despacha na sede da entidade que tem como finalidade, segundo estatutos, prestar assessorias, promover convênios e a cultura. A maioria dos assessores de Greca no Ministério usa na lapela um button em formato de farol. E pelo menos dois deles, Tereza Castro e Mauro José Magnabosco, estão entre os sócios do instituto, ao lado de Iara, prima do ministro. Tereza é secretária-executiva de Greca – na prática a vice-ministra da pasta. Magnabosco é o arquiteto do Ministério responsável pelas obras dos 500 anos do Descobrimento. A presidência do instituto também ficou dentro da família: é ocupada pela mulher do ministro, Margarita Elizabeth Pericás Sansone.

A mulher do ministro preside ainda a Fundação Cultural de Curitiba, que no ano passado recebeu R$ 600 mil do Ministério de Greca para "cooperação técnica e financeira" e "desenvolvimento de ações" dentro do projeto Brasil 500 anos. "É um bom caso de promiscuidade. O ministro está fazendo promoção política ilegal", diz o procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza, que quer saber quem doa dinheiro para o Instituto Farol do Saber e o que é feito com o dinheiro. O Ministério Público suspeita que o instituto possa estar servindo para fazer caixa de campanha. Como a entidade não presta contas ao Ministério da Justiça, o chamado "demonstrativo anual de fontes e usos", o MP decidiu abrir a caixa-preta. Luiz Francisco pediu à Justiça, na última semana, a quebra dos sigilos bancário e telefônico do Instituto. Ex-seminarista e obcecado por trabalho, o procurador foge do visual típico dos burocratas de Brasília (aboliu a gravata) e é o mesmo que processou o ex-governador do Acre Orleir Cameli e o deputado Hildebrando Pascoal.

Caixa de campanha – O MP se interessou em investigar a origem do dinheiro do Instituto quando um informante contou detalhes sobre seu funcionamento. Segundo este informante, que conversou por telefone, também com ISTOÉ, o instituto pertence na prática a Rafael Greca e é usado para angariar prestígio para o ministro. Pistas passadas pelo informante, que nos últimos dois anos já esteve duas vezes com Greca – uma em Foz do Iguaçu e outra em Londrina, onde chegou a receber um cartão do ministro com o logotipo do Farol -, levaram o MP a investigar possíveis depósitos de "bingueiros" do Paraná na conta do instituto. O MP abriu recentemente uma ação civil de improbidade administrativa contra Greca e auxiliares por permitir jogos de azar, omitir-se nas investigações e facilitar o enriquecimento ilícito de "bingueiros". Reportagens publicadas por ISTOÉ têm mostrado o esquema de mafiosos italianos e barões do narcotráfico na Europa que lavam o dinheiro do crime organizado importando, instalando, distribuindo e explorando máquinas de video-bingo. Hoje existem cinco mil bingos instalados no País, mas apenas 120 estão legalizados. "Os bingos estão ligados aos banqueiros do bicho, à corrupção, à lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico internacional e a mafiosos na Itália", resume o procurador Luiz Francisco. Para o MP, Greca é, no mínimo, conivente. O ministro também está sendo investigado por ter o seu ex-tesoureiro de campanha, Luiz Antônio Buffara, montado dentro do Instituto Nacional do Desporto (Indesp), uma estrutura de poder acusada de beneficiar os bingos.

Doze empresas e 50 pessoas físicas vão ter sigilos quebrados para que seja investigado um cardápio de suspeitas, como corrupção e envolvimento em um esquema do qual fazem parte "bingueiros" instalados no Brasil e mafiosos italianos. Na lista do MP estão nove funcionários e ex-funcionários do Indesp e oito servidores ligados a Greca: seu chefe de Gabinete, Pedro Vieira César, o subsecretário de Orçamento e Administração, Tupy Barreto Júnior, os assessores Rosane Freitas, Suzana Jeolas, Almir Bornacin e Lincoln Moreira, além de Tereza e Magnabosco, sócios do instituto. O Ministério Público colocou as mãos em 78 convênios firmados pelo Indesp, assinados no final de 1999 e publicados no Diário Oficial da União no início deste ano, para atendimento a pleitos de prefeitos em diversas cidades.

A maioria das pastas com os processos leva nas capas e nas folhas internas os nomes dos "padrinhos políticos" que abraçaram a proposta. O MP sabe que há muito mais. No total, são 600 processos assinados em 1999, somando R$ 64 milhões. "Fica claro o uso de critérios políticos dentro do Indesp", diz o procurador. Um convênio que também chamou a atenção foi o repasse de R$ 1 milhão feito no ano passado pelo Ministério para a Prefeitura de Curitiba para a "implantação de marco comemorativo do V Centenário do Descobrimento do Brasil".

Sem sustentação – A situação política de Greca também não é das melhores. O PFL, partido ao qual é filia-do, continua encenando o resgate de um de seus quatro ministros, mas fora dos holofotes nenhum dos figurões do partido admite chamuscar sua reputação para mantê-lo no cargo caso o tiroteio continue. O Planalto só soube na véspera que Greca tinha depoimento marcado no Senado na quinta-feira 27 para explicar a medida que trata do funcionamento dos bingos. Com a base mais desarticulada do que de costume, coube a Jorge Bornhausen (SC), presidente do PFL, pedir a Greca que ligasse para o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, para combinar com o governo o teor do seu depoimento. No Senado, o ministro voltou a prometer que vai entregar ao MP seus extratos bancários e os de sua mulher. Com Greca ainda de pé, o PFL prefere continuar colocando a culpa no MP. "A Procuradoria está exorbitando, deveria limitar-se ao silêncio dos autos", reclamou Bornhausen, defensor da Lei da Mordaça, que proíbe juízes e integrantes do Ministério Público de se manifestarem sobre processos em andamento

A defesa de Greca
LIGAÇÃO COM O FAROL DO SABER
"Não tenho qualquer vínculo jurídico com o Instituto"

ASSESSORES NO INSTITUTO
"Os dois profissionais (Tereza Castro e Mauro José Magnabosco) são colaboradores intelectuais da instituição"

USO DA ESTRUTURA
"A papelaria do instituto pode ter sido eventual-mente utilizada por mim. A secretaria do instituto presta-me o favor, gratuitamente, de servir de central de informação para pessoas de toda a parte que queiram ter contato comigo. Por vínculo afetivo (…) nas vezes em que posso estar em Curitiba utilizo o ateliê de criação e recebo pessoas"

REPASSE DE R$ 600 MIL
"O convênio foi firmado com a Prefeitura Municipal de Curitiba e, por decisão do prefeito, passou a ser executado pela instituição"

REPASSE DE R$ 1 MILHÃO – "A Comissão Executiva do V Centenário decidiu implantar marcos nos 27 Estados da Federação"