Fernando Romero tem projetos na prancheta e muitos planos em mente. Na segunda categoria está uma viagem ao Brasil ainda este ano. O arquiteto mexicano negocia com um galerista de São Paulo trazer para a cidade, em 2014, uma exposição sobre o seu trabalho. Aproveitaria a ocasião, também, para avançar nas tratativas com um potencial cliente brasileiro. “É um grande empresário paulista”, antecipou à ISTOÉ na terça-feira 20, numa conversa via Skype, direto da Cidade do México. “Para nós, será uma honra fazer um trabalho em um país tão extraordinário.” Romero fala de forma simples e modesta, as palavras se encaixando em equilíbrio e elegância. Ousadias e hipérboles ele reserva para as obras que fazem dele uma estrela emergente da arquitetura global contemporânea, um nome que sobe rapidamente os degraus que levam a um Olimpo ocupado por gente como Zaha Hadid e Santiago Calatrava. Seu cartão de visitas é o impressionante Museu Soumaya, ícone de uma nova fase de prosperidade na capital mexicana. Romero exprimiu em curvas improváveis os desejos do homem mais rico do mundo, seu compatriota Carlos Slim Helú, dono do Grupo Carso (que no Brasil controla Claro, Embratel, Net e outras companhias) e de uma fortuna avaliada em US$ 66 bilhões. O prédio é um tributo à mulher de Slim, falecida em 1999, e a morada para a coleção de 66 mil obras de arte do magnata – uma eclética lista de obras-primas que inclui Van Gogh, Matisse, El Greco, Rodin (o maior conjunto de peças do escultor fora da França), entre outros. Diante de tantos mestres, é quase uma heresia dizer que o edifício de 50 metros de altura rivaliza com o conteúdo na atração de visitantes. Mas é a mais pura verdade.

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Museu Soumaya (Cidade do México)
Aberta em 2011, a principal obra de Romero
abriga coleção do bilionário Carlos Slim

O cliente, nesse caso, está muito além de ser especial. É o sogro. Romero é casado e tem quatro filhos com Soumaya, filha de Slim homônima da mãe. Poderia sugerir nepotismo – e não faltou alguém para depreciar, dessa forma, o talento do rapaz. A trajetória da elaboração do projeto e o seu resultado relatam o contrário. O cliente-sogro não deu trégua ao arquiteto-genro. Feita a encomenda, Romero teve nada menos que 16 pré-projetos rejeitados até receber o sim de Slim para avançar, em 2007. Durante a construção, o bilionário fazia visitas diárias ao canteiro. “Desde o início, foi um processo contínuo de aprendizado”, conta Romero. “O fato de o cliente ser engenheiro fez com que ele desafiasse minhas ideias e as soluções que eu apresentava até o último momento.” A insinuante estrutura externa do museu reflete a fertilidade dessa parceria. Sua assimetria confronta o senso geral em uma cidade frequentemente sacudida por terremotos. Para o revestimento da fachada foram produzidas 16 mil hexágonos de alumínio em mil formas e tamanhos diferentes, que formaram um complexo mosaico. “Isso só foi possível porque fomos buscar as mais modernas ferramentas de design existentes no mundo”, explica.

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Bridging Tea House ( Jinhua – China)
O centro cultural em forma de ponte, tem ambientes
para vários usos em diferentes níveis

Com sua grandiosidade, beleza e patrono, o museu Soumaya teria potencial para fazer sombra eterna sobre seu criador. Romero, porém, já mostrou que não é arquiteto de um projeto só. No entorno desse marco, por exemplo, está em fase final de construção, com sua assinatura, a Torre Jumex, encomenda de outro bilionário mexicano, Eugenio López Alonso. Ao lado do prédio, Alonso mandou erguer seu próprio museu, desenhado pelo inglês David Chipperfield, onde reunirá aquela que é considerada a maior coleção de arte latino-americana contemporânea. Assim, com arquitetura, arte e ousadia, dois mecenas mudaram para o bairro de Polanco, no subúrbio da Cidade do México, o epicentro econômico e cultural de um país. Há nada menos que um milhão de metros quadrados sendo erguidos ali, redesenhando o futuro mexicano. “A arquitetura tem a missão de nos ajudar a evoluir”, resume Romero.

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Centro de Convenção (Los Cabos – México)
Sede da reunião do G20 em 2012, recebeu líderes
mundiais em seus amplos espaços abertos

O efeito Soumaya expandiu também as fronteiras do arquiteto. Em 2010, com o museu ainda em construção, mas já com a demanda por seus serviços em alta, ele abriu em Nova York uma filial do FR-EE (Fernando Romero Entreprises), seu escritório de arquitetura, e passou a colecionar encomendas e prêmios, de Miami à China (confira alguns de seus projetos ao longo da reportagem). A cada vez mais influente comunidade latina dos Estados Unidos, por exemplo, cobiça seus traços e reverencia sua influência ao redor do mundo. “Fernando Romero é o novo Oscar Niemeyer da América Latina, o novo Frank Lloyd Wright para o mundo”, afirma o artista plástico brasileiro Romero Britto, radicado em Miami. São duas referências imediatas. Wright, autor do projeto do Guggenheim Museum em Nova York, é o papa da arquitetura moderna americana. O brasileiro Niemeyer, um dos ídolos do mexicano. “A habilidade de Niemeyer para combinar silhuetas inovadoras e grandes espaços abertos com economia sempre me interessou muito e influencia o modo como trabalhamos no FR-EE”, diz. Outro brasileiro na sua lista de influências é Paulo Mendes da Rocha, “por causa da abordagem poética e racional da arquitetura”.

Ousadia premiada
Das pranchetas de Fernando Romero e sua equipe no FR-EE, saíram projetos
ainda não executados, mas que já são reconhecidos ao redor do mundo

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MIAMI CHAPEL
Projeto venceu concurso da comunidade católica da cidade

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PH MUSEUM
Conceito para exposição de fotografias, inspirado nas lentes das câmeras

Atualmente, Fernando Romero está debruçado sobre as questões urbanas. Seu principal trabalho em curso é um grande projeto de infraestrutura para a Cidade do México. Em seu portfólio, há uma série de conceitos para cidades planejadas, espécies de Brasílias do futuro, imaginadas para serem erguidas em regiões remotas como polos de desenvolvimento e um antídoto às migrações que ampliam o caos nas grandes metrópoles como a sua terra natal ou São Paulo. “São cidades irmãs no tamanho, na complexidade, na diversidade e no contraste”, analisa. Para ele, uma tem muito a aprender com a outra. Os brasileiros de São Paulo e do Rio, acredita, têm mais expertise no trato das questões sociais, avançam mais rapidamente nesse quesito. Já a capital mexicana despertou para a urgência das grandes transformações viárias e de convivência urbana. “Vivemos um momento especial”, comemora. “Até há pouco tempo, o México era um país de engenheiros. Agora, estão ouvindo os arquitetos e descobrindo outras maneiras de resolver os velhos problemas. É o que podemos ensinar ao Brasil”.

Entrevista / Fernando Romero

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"Meu projeto favorito é o próximo"


ISTOÉ – O Museu Soumaya é seu projeto favorito?
Meu favorito é sempre o próximo, porque é o que concentra minha atenção. Mas o museu terá sempre um valor emocional muito grande. Um arquiteto tem poucas oportunidades na vida de desenhar um museu para receber obras de artistas como Rodin, Van Gogh e outros.

ISTOÉ – Quando desenhou o museu, tinha a ambição de criar um novo símbolo para a Cidade do México?
Estávamos determinados a criar as melhores condições para abrigar as obras de arte, mas também queríamos que se tornasse um destino para os mexicanos. É um conceito que pode ser repetido em outros lugares do mundo.

ISTOÉ – Carlos Slim é apenas mais um cliente?
É um cliente extraordinário e visionário. Trabalhar com ele foi um processo contínuo de aprendizado. Por ser engenheiro, ele desafiou minhas ideias e as soluções que eu apresentava até o último momento

ISTOÉ – Qual é a missão da arquitetura no século XXI?
A arquitetura deve ter a possibilidade de nos surpreender, de desenvolver novos contextos, novas inter-relações pessoais, novos modelos de construção e maneiras de usar materiais. A arquitetura deve nos ajudar a evoluir.

ISTOÉ – Qual é a sua visão das cidades brasileiras?
O Rio de Janeiro me faz lembrar Acapulco, no México. São Paulo e Cidade do México são cidades irmãs, no tamanho, na complexidade, na diversidade e nos contrastes.


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