Duas palavras entraram recentemente para o vocabulário básico dos bastidores das novelas e minisséries da Rede Globo: pesquisa e workshop. Não se trata de pesquisas de opinião que de uns tempos para cá definem o rumo das telenovelas, mas investigações históricas que, acompanhadas de workshops com professores universitários, possibilitam à emissora recriar em estúdio várias passagens da História do Brasil. Assim, a Globo vem mostrando seu poder de fogo com ótimas reconstituições de época, que têm conseguido bons índices de audiência com o retorno do público satisfeito com o que vê. Estão no ar três produções do gênero: Força de um desejo – novela das seis em seus capítulos finais -, o folhetim das oito Terra nostra e a minissérie A muralha. Só no primeiro semestre deste ano entrarão no ar mais duas produções do gênero. É a microssérie de quatro capítulos A invenção do Brasil e a próxima novela das seis, Esplendor, que estréia na segunda-feira 31.

Além de encher os olhos do público, o boom de época também revela a quantidade e qualidade dos profissionais de arte do Brasil, particularmente os que trabalham no Projac, o complexo artístico da Globo plantado em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Eles são cenógrafos, figurinistas e diretores de arte, todos frequentadores natos de museus, brechós e antiquários, locais onde buscam informação e objetos para fazer o telespectador voltar no tempo. Um dos trabalhos recentes mais audaciosos é A muralha, escrita por Maria Adelaide Amaral, baseada no livro de Dinah Silveira Queiroz, recriação da antiga novela exibida pela extinta TV Excelsior. O tempo é o dos bandeirantes, início do século XVII, quando eles desbravavam os sertões demarcando as fronteiras brasileiras. Com a consultoria do jornalista Eduardo Bueno, especializado em assuntos do descobrimento, e também de índios, a equipe de cenografia conseguiu construir três aldeias indígenas, a maior delas com quatro ocas, um engenho de açúcar e a Vila de São Paulo, que ocupa uma área de dez mil metros quadrados no Projac, toda cercada por um muro de quatro metros de altura. Ao todo, são 15 construções feitas com as mesmas técnicas de barro socado da época.

Muito trabalho, tempo e dinheiro foram gastos na empreitada. Toda a arte da minissérie consumiu cerca de R$ 1 milhão. Mas a maior dificuldade quase sempre está nos detalhes. No caso de A muralha, difícil foi dar uma cara ao interior destas construções, pois não existe muita documentação disponível sobre a época e o que há não passa de fantasia. A diretora de arte e cenógrafa Lia Renha chegou a ficar preocupada. Usando a criatividade, Lia recorreu a inventários e testamentos da época. "Foram a melhor fonte. Assim, nós descobrimos o que havia dentro das casas e o valor relativo dos objetos", conta. Segundo ela, pela dificuldade de acesso a São Paulo por causa da Serra do Mar – daí o nome a muralha -, um simples jogo de roupas de cama valia mais do que um bom pedaço de terra. "Começamos a perceber que as casas quase não tinham móveis, nem adornos. As pessoas comiam com as mãos, sentadas no chão."

Como as ruas e casas são de chão batido, as roupas ganharam o mesmo tom terroso, conseguido artificialmente passando borra de café. Lia não pôde se beneficiar do imenso acervo de mobiliário e de figurinos da emissora, que nunca produzira nada daquele século. Em compensação, a produção de Força de um desejo, passada no século XIX, aproveitou algumas peças da minissérie Chiquinha Gonzaga. Mesmo assim, só no figurino, Força de um desejo consumiu cerca de R$ 500 mil na compra de mais de três mil metros de tecido. A equipe da figurinista Beth Filipecki confeccionou, em cerca de dez meses, 2.500 peças de roupa entre saias, corpetes, fraques e casacas. Antes de as gravações se iniciarem foi realizado um workshop de duas semanas sobre a metade do século XIX, no qual quatro professores universitários explicaram os costumes da época dos barões do café ao elenco e à produção.

Preciosismo

A próxima novela das seis, Esplendor, passa-se nos anos 50, e também herdou muito do know-how da minissérie Hilda Furacão. As duas contaram com a mesma diretora de arte, Yurika Yamasaki. Atualmente, ela está às voltas com a produção de uma locomotiva. Uma parte está em São Paulo e a outra em Minas. Yurika quebra a cabeça para viabilizar que as duas se reúnam. Mas é Terra nostra que talvez mais impressione pelo preciosismo da direção de arte. Como quem cumpre uma gincana, a diretora de arte Tiza de Oliveira, a mesma de Chiquinha Gonzaga, comemora seu mais recente feito. Durante semanas procurou pela máquina de macarrão da fábrica de Paola (Maria Fernanda Cândido). Entrou em contato com pequenos produtores do interior de São Paulo e localizou um colecionador que mantém em boas condições um modelo original do início do século.

Na realidade, por maior e melhor que seja a pesquisa, o trabalho da arte nunca se restringe à pura reprodução. É necessária muita criatividade para chegar a um resultado convincente. Por exemplo: se a máquina é de verdade, o mesmo não se pode dizer do macarrão da novela. A massa fresca quebraria facilmente, então, a equipe produziu um macarrão falso, feito de um material chamado decorflex, que é mergulhado em potes de tinta para ficar com a coloração adequada. As notas de dinheiro, por sua vez, são reproduzidas do original por scanner, depois devidamente gastas e sujas com pó de café. Como se vê, os bastidores da fantasia também têm seus encantos.