Jorge Amado considera uma injustiça sem tamanho que Miguel Torga tenha morrido sem receber o Nobel. O prêmio atribuído a José Saramago no ano passado de certa forma repara a injustiça feita à literatura portuguesa. Filho de camponeses de Trás-os-Montes, Torga teve uma infância pobre e chegou a morar cinco anos no Brasil, trabalhando numa fazenda, onde juntou dinheiro para pagar os próprios estudos. Formou-se em medicina e viajou pela Europa, sempre em contato com as camadas mais simples da população, o que o ajudou a moldar seu olhar extremamente original e piedoso sobre o mundo.

O senhor Ventura, novela publicada em 1943, relata a trajetória de um português errante, no qual o autor projeta seus próprios medos e fantasias. Como o seu nome sugere, o protagonista tem uma vida aventurosa, envolve-se em episódios de assassinato e contrabando, aprende o valor da amizade e do amor. De comportamento eticamente questionável, o sr. Ventura nem por isso deixa de atrair a cumplicidade de quem lê, pela coragem com que se entrega ao seu destino.

Mas o livro impressiona menos pelo enredo que pelo uso extraordinariamente inventivo que Miguel Torga faz da língua portuguesa. É um texto ao mesmo tempo lírico e econômico ao extremo, que abre muitas portas ao leitor sensível e faz com que ele se sinta justificadamente orgulhoso de seu idioma.