Um dos quadros mais proeminentes do filme Mickey Olhos Azuis (Mickey Blue Eyes, Estados Unidos, 1999) – cartaz nacional a partir da sexta-feira 28 -, com Hugh Grant, tem como tema uma matrona de formas avantajadas. A anatomia da modelo foi pintada num pastiche das beldades rotundas de Rubens, mas curiosamente o rosto buscou inspiração em estilos do século XIX. O veredicto dos experts agrega adjetivos como lixo. Seu autor intelectual, contudo, é um gênio, o desconhecido Serguei Ivalov. Mas por trás dos movimentos de seus pincéis está Christopher Moore, gerente e co-proprietário da Troubetzkoy Paintings. É ele quem vem suprindo a maioria dos filmes de Hollywood que usam obras de arte em seus enredos, com reproduções incríveis como atesta Bruno Rubeo, ex-chefe de produção do filme Thomas Crown – a arte do crime e um dos maiores clientes da Troubetzkoy. "Moore e sua turma são os melhores do ramo", assegura. "Esta galeria é referencial de bom padrão. Todo mundo em Hollywood quer seu trabalho." Mais de 15 filmes já usaram cópias de obras verdadeiras feitas pela empresa. Ao redor do mundo, colecionadores, museus e hotéis que incluem até os sofisticadíssimos Le Crillon e Le George V estão entre os clientes famosos.

Assim, Le derrière – uma das únicas obras pintadas pela Troubetzkoy que não foram baseadas em quadros verdadeiros – acabou não sendo executada à perfeição. Os estilos lembram um Frankenstein artístico, mas era exatamente isso que o roteiro de Mickey Olhos Azuis desejava. No filme, Grant é um leiloeiro transformado em mafioso, e a tela em específico foi planejada para realçar o gosto dos senhores da Mano Nera. Atualmente, o óleo se encontra num dos cantos da galeria Troubetzkoy, na rua 61, lado leste de Manhattan. "Já recebi várias ofertas por esta senhora de enorme traseiro. Recusei todas as investidas: é minha!", enfatiza Moore, subitamente possessivo. Junto a ela estão cópias fantásticas de Gauguin, Rodin, Modigliani, Rembrandt e uma enorme coleção de obras-primas, reconhecíveis ou não.

É um catálogo de 1.500 itens. Quase tudo está à venda por valores que vão de US$ 500 a US$ 8.000. Se fossem autênticas, seus preços somariam a casa das centenas de milhões. A galeria-estúdio foi fundada em 1979, em Paris, pelo aristocrata russo nascido francês, príncipe Igor Troubetzkoy. Sua alteza, reconhecido como grande conhecedor de arte dos séculos XIX e XX, tinha como função exclusiva atender colecionadores que, por razões de segurança ou vaidade, desejavam reproduzir obras de seu acervo. "Muita gente guarda a sete chaves os originais e expõe as reproduções. Alguns desejavam apenas colocar a mesma obra em vários locais diferentes. Por exemplo: pendurar um Van Gogh na casa de campo, mesmo tendo o original encastelado sobre a lareira do apartamento da cidade", explica Moore. Para dar conta deste trabalho a Galeria Troubetzkoy amealhou um grupo de talentosos artistas plásticos.

Os negócios iam bem, mas poderiam crescer ainda mais. Entrou em cena, então, o americano criado na França Christopher Moore, que, em 1990, se associou à empreitada. Abriram uma filial nova-iorquina. Moore trouxe consigo a idéia de estender o serviço para as produções cinematográficas. Em 1991, o diretor Martin Scorsese encomendou todo o acervo fantástico que incluiu em seu filme A idade da inocência, de 1993, como a tela de James Tissot, Too early. "De lá para cá, temos fornecido com regularidade aos estúdios de filmagem", garante Moore.

A tendência do cinema de incorporar obras de arte famosas nos filmes vem se acentuando desde meados dos anos 80. Craig Eliason, professor de História da Arte da Rutgers University e autor do livro Art historian’s guide to the movies, credita o filme Wall Street como pioneiro. A moda pegou. Entre os vários filmes que utilizaram os serviços da Troubetzkoy Paintings estão Encontro marcado e Amistad. "Não fazemos arte, mas algo parecido. Nós fomos treinados em arte e procura-mos passar isso para as telas", diz Moore. É verdade. Até Le derrière mostra requintes de quem tem escola.