Quase quarentona, metade do tempo vivido nos anos de chumbo, quando mais de 200 professores foram cortados, a Universidade de Brasília conquistou mais do que liberdade nos últimos 15 anos. Conquistou respeito, entrando o ano 2000 como a melhor universidade do País. Faixas espalhadas pelo campus estampam esse orgulho: "Sorria, você está na UnB. A universidade nota A" – uma referência aos resultados do último Exame Nacional de Cursos, o provão, sistema criado pelo Ministério da Educação para avaliar o ensino superior. Alçada ao topo do ranking das melhores instituições de ensino de graduação do Brasil, com 90% dos cursos examinados com nota A – performance melhor que a de gigantes como a USP (Universidade de São Paulo) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a UnB é hoje uma fórmula de sucesso, que mistura professores qualificados e um modelo gerencial que permite sobreviver – e até crescer – em meio à escassez de recursos públicos.

No ano passado, vieram da União insuficientes R$ 140 milhões – um modesto 11º lugar no ranking dos repasses para as universidades públicas. O milagre da multiplicação veio com a realização de concursos públicos, treinamento de pessoal para empresas, venda de projetos de engenharia e informática, entre tantas formas criativas feitas a cada dia para trazer dinheiro para a universidade. Com isso, o orçamento da UnB em 1999 foi esticado para R$ 200 milhões, o que significa que ela consegue, com uma verba gerada dentro de casa, cobrir 25% de seus gastos. Foram R$ 50 milhões de recursos próprios e outros R$ 10 milhões conseguidos através de convênios. Mil pessoas trabalham hoje no campus contratadas com verba própria.

Criada em 1961 pelos educadores Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, a UnB é hoje uma holding encabeçada por uma fundação e que tem entre seus braços um hospital que atende 30 mil pessoas por mês, uma editora e até uma fazenda com 26,8 milhões de metros quadrados. A universidade tem também uma fábrica de material de limpeza, que produz sabões, ceras e detergentes, e outra de móveis, que faz mesas, estantes e cadeiras. A UnB é ainda uma marca. Já existem 53 lojas vendendo os mais variados produtos da universidade. "Algumas autoridades imaginam: se eles conseguiram gerar recursos e aliviar os cofres públicos, não precisamos mais mandar dinheiro. Não é por aí. Uma universidade pública que precisa gerar mais do que 30% dos seus recursos não é mais universidade, é empresa", afirma o reitor da UnB, professor Lauro Morhy.

Criticado por estar "privatizando" a UnB ao vender patrimônio e fazer parcerias com quem tem recursos, Morhy, há dois anos no cargo, diz que, ao contrário, está "publicizando o privado". Seguindo o exemplo de seus antecessores, Morhy desencadeou uma onda de parcerias com empresas privadas nacionais e multinacionais. São mais de 700 projetos, que ajudam a construir laborató-rios e obter equipamentos que, se dependessem da União, a universidade jamais teria. Um desses projetos prevê a construção de um complexo de cinco prédios para abrigar todos os 292 laboratórios da pesquisa. Está quase pronta, também dentro do campus, uma escola de arte culinária que pode se tornar uma das melhores do mundo. Em parceria com o Le Cordon Bleu, a academia de arte culinária de Paris, a UnB vai criar o Instituto Gastronômico Brasileiro, importando chefs para oferecer cursos de gerenciamento de restaurantes e culinária profissional. "Se dependesse do MEC, o departamento já teria fechado", afirma o professor Francisco Assis de Oliveira Nascimento, chefe do Departamento de Engenharia Elétrica, nota A no provão. A Elétrica teve no ano passado orçamento de R$ 200 mil. Nada menos que R$ 195 mil foram gerados internamente, com cursos de especialização para indústrias e agências do próprio governo. Convênios com multinacionais também têm permitido reaparelhar e construir novos laboratórios sem um centavo de dinheiro público. Em um convênio com a IBM no valor de R$ 800 mil, para a montagem de uma rede de comunicação de alta velocidade, o departamento recebeu, em vez de dinheiro, computadores de última geração. "Falta dinheiro, sobra imaginação", diz o professor José Camargo da Costa, da Engenharia Civil. Uma dessas fontes criativas de recursos é a "imobiliária UnB".

Quando foi criada, a universidade ganhou 100 projeções em áreas nobres da cidade. Uma série de parcerias com grandes construtoras transformou parte desses terrenos em 885 apartamentos, 46 lotes, 171 salas e lojas comerciais e 2 prédios inteiros. E ainda restam 40 projeções, no valor de R$ 100 milhões. A maioria dos apartamentos é hoje ocupada por professores, com aluguel abaixo do preço de mercado, uma política que beneficia 500 pessoas e diminuiu a evasão de mestres e doutores, que antes preferiam ouvir o canto da sereia de outras universidades e empresas privadas. "Não existe ovo de Colombo ou receita de sucesso", afirma o professor Fernando Neves, decano de Ensino de Graduação. "Só muito trabalho."

Rumo ao padrão internacional

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O reitor da UnB, professor Lauro Morhy, mostra com orgulho faixas espalhadas pelo campus e enfatiza o desempenho da UnB.

ISTOÉ – A UnB é a número 1?
Lauro Morhy – Se considerarmos que é uma instituição que tem uma vontade e uma força política de inovar, é. Outras instituições são páreo duro com a UnB. Mas a vontade de ser uma instituição que abre caminhos, nos põe em primeiro lugar.

ISTOÉ – Como o sr. vê o provão?
Morhy – O provão é apenas um componente do processo avaliativo. Esse sistema vem sendo criticado, mas uma coisa é certa: tem balançado o coreto. Isso é bom. Mas o que estamos procurando agora é fazer uma avaliação interna rigorosa e cada vez mais seguir padrões internacionais. Terminamos agora de elaborar um instrumento interno de avaliação. Poderemos ver qual departamento é mais produtivo. A idéia é que seja uma competição construtiva. O "A" da avaliação nacional é importante, mas o que queremos mesmo é o padrão internacional.


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