O porto de Santos (SP), o maior da América Latina, é uma das áreas onde atua hoje o crime organizado, através do roubo de cargas, tráfico de drogas, contrabando e prostituição. Por isso, Santos é um dos próximos alvos de investigações da CPI do Narcotráfico. Ali, são roubados e desviados grande número de contêineres com armas, computadores, aparelhos de som e objetos diversos. A maioria dos roubos nem chega a ser registrada. Em diversos casos, porém, inquéritos estão em andamento para apurar responsabilidades. Esses crimes são praticados pelos chamados piratas, ladrões audaciosos e aventureiros que atacam navios, retiram a carga valiosa e somem misteriosamente a bordo de barcos modernos e velozes. É ilusório, porém, imaginar que os piratas agem sempre de maneira tão corajosa e arriscada, tal como mostram os filmes de aventura nas telas de cinema. Atualmente, os desvios de contêineres – que chegam a ter 12 metros de comprimento por dois metros e meio de altura – e também o tráfico e o contrabando estão sendo feitos pela porta da frente, às claras.

Não é exagero. O porto tornou-se terra de ninguém. Se quiser, qualquer pessoa pode entrar ou sair do cais, de armazéns e terminais ou ainda invadir navios sem ser barrado ou revistado. A reportagem de ISTOÉ entrou livremente, inclusive, no terminal de líquidos inflamáveis da Alemoa, onde ficam os gigantescos tanques de gasolina da Petrobras e são armazenados outros produtos como álcool, querosene, gás de cozinha e acetona. "Se alguém riscar um palito de fósforo ali ou acender um cigarro, boa parte da Baixada Santista pode ir pelos ares", diz Edson Félix dos Santos, tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Portuária. Afinal, dutos subaquáticos transportam dali os produtos para a refinaria da Petrobras na vizinha Cubatão, para empresas de gás e para a Ilha Barnabé, nas proximidades. Numa explosão, as chamas se espalhariam por toda essa área.

Desmandos

Mesmo diante desse risco, apenas um guarda fazia a vigilância no portão de entrada do terminal da Alemoa, quando a reportagem entrou normalmente, sem que ninguém pedisse sequer a identificação. Até há pouco tempo, oito guardas garantiam a segurança naquela área, segundo funcionários. Todos eram revistados. Isqueiros, fósforos e outros objetos que produzem faísca eram deixados na portaria. Essa exigência agora, aparentemente, não está sendo feita. Também sem dificuldade, a reportagem entrou no navio Sable Bay, de bandeira panamenha, no qual era embarcado um carregamento de suco de laranja. A reportagem passou livremente pelo portão do Cais do Saboó, alcançou o navio e fotografou o seu interior, sem ser barrada. Havia um único guarda no local. Em meio ao movimento de embarque e desembarque, é impossível a qualquer um deles, sozinho, garantir a fiscalização.

A falha também se repetiu à noite, no cais do armazém 15. A reportagem entrou no navio Zara, de bandeira da Libéria, quando era feito o desembarque de uma carga de trigo. Por volta de meia-noite, restavam poucas pessoas no navio. Ali, em território considerado estrangeiro, qualquer um poderia invadir camarotes, furtar ou assaltar tripulantes e sabotar o navio. Ainda receber ou entregar drogas e fugir para o Exterior, viajando clandestinamente. ISTOÉ também comprovou o livre trânsito de prostitutas em área interna do porto, no terminal açucareiro. Isso é uma coisa comum, mas só do lado de fora. "Nunca tive problema aqui", diz Verônica, 40 anos, ex-balconista, que cobra R$ 20 por um programa, na cabine de caminhões. Algumas mulheres têm conseguido, segundo denúncias, credenciais para entrar nos navios, compradas por até R$ 3 mil. Oficialmente, elas ofereceriam serviços de aluguel de telefone celular para tripulantes. Prostitutas "de luxo" chegam de carro, entram nos navios e só saem no dia seguinte.

Os desmandos no porto acontecem porque existe conivência de poli-ciais, fiscais da Receita e funcionários. Do contrário, seria impossível desaparecer contêineres gigantescos. Às vezes, os próprios importadores "dão a ficha" para que levem a carga – comprada depois por um valor menor – a fim de receberem o seguro. Funcionários de agências de importação também avisam o dia e a hora de chegada da carga, que é desviada após ser requisitada para checagem de peso. Há três anos, sumiram seis contêineres carregados de aparelhos eletrônicos e pneus de bicicleta no terminal de Conceiçãozinha. Até hoje, o caso não foi esclarecido. Um deles foi encontrado vazio num bairro do Guarujá e outro em Barueri, na Grande São Paulo.

Mudanças

Mas a razão principal apontada pelos próprios trabalhadores para a facilidade dos roubos é o fato de a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), empresa que administra o porto, ter diminuído o contingente de guardas para garantir a fiscalização. Eles já chegaram a um total de 700. Hoje, são em torno de 150. Vigias de empresas particulares, que não são treinados e preparados pela Capitania dos Portos – como os portuários -, começam a ocupar parte dos cargos. A Codesp diz ser um fato normal porque 75% da área do porto está sendo passada para a iniciativa privada. Membros da própria Guarda Portuária também teriam interesses nessa mudança. Uma das empresas de segurança contratada, a Tática Operacional, seria de propriedade de Getúlio Marçal de Oliveira, ex-coordenador da Guarda Portuária e funcionário da Codesp, e estaria funcionando sem cumprir as normas exigidas pelo Ministério da Justiça. Oliveira é ligado ao comandante da Guarda, Percival de Araújo Costa. A Codesp, através de sua assessoria, não confirmou a informação, mas disse que, caso o funcionário Getúlio atue em outra empresa fora de seu horário de serviço, não há nada de errado. Ainda segundo a assessoria da Codesp "é muito difícil entrar em áreas de risco como o terminal da Alemoa" e o porto hoje não tem "nenhum local sem vigilância". Deve estar falando de outro porto.