Dos tempos de coroinha nas igrejas de Nova Jersey, Estados Unidos, o cineasta Kevin Smith, 29 anos, costumava divertir-se bastante enquanto segurava o pires de prata que é colocado debaixo do queixo dos fiéis no momento da comunhão. Se não simpatizava com o comungante, encostava o prato gelado na figura, obrigando-a a engolir a hóstia com uma pontinha de raiva. Católico praticante, o cineasta de espírito adolescente se imbuiu da mesma traquinice em seu quarto trabalho, o perseguido Dogma (Dogma, Estados Unidos, 1999), cartaz nacional a partir da sexta-feira 21. É uma comédia de conteúdo religioso que, depois de atormentar os carolas americanos, chega às telas brasileiras sob o alarido indignado da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP, que considera a obra “um atentado moral” e “um lixo cinematográfico”.

De fato, Dogma exagera no humor descabelado e trash ao narrar em clima de cartum a história de Loki (Matt Damon) e Bartleby (Ben Affleck), dois anjos violentos condenados por Deus a viverem eternamente nos rincões do Estado americano de Wisconsin, o paraíso do tédio. A dupla rebela-se e tenta voltar ao paraíso celeste. O problema é que, se o fizerem, negarão a criação do mundo e a infalibilidade do Todo-Poderoso. Para tentar impedi-los, o anjo fashion Metatron (Alan Rickman) visita Bethany Sloane (Linda Fiorentino), funcionária de uma clínica de abortos, anunciando-lhe a missão de salvar a humanidade por ser uma descendente da família de Cristo.

Na sequência de brincadeiras com o catecismo, Kevin Smith ainda faz Bethany se defrontar com Rufus (Chris Rock) – 13º apóstolo que se diz excluído das Escrituras por ser negro – e, pasmem, Deus em pessoa, encarnado pela roqueira canadense Alanis Morissette. Toda esta ousadia, no entanto, começa a perder o pique lá pela metade da história, principalmente porque os atores parecem ser os primeiros a não levar muito a sério o que estão representando. Ao final de longas duas horas de estripulias iconoclastas, fica provado que piada de coroinha pode se tornar uma cansativa ladainha.