Roseana Sarney se recusa a pronunciar aquela palavrinha danada de quatro letras, conhecida como o antônimo de sorte. Bate na madeira só de pensar. Filha de um notório surpersticioso, o senador José Sarney (PMDB-AP), por via das dúvidas também não franqueia a entrada de bichos empalhados em sua casa. “Não os tenho porque meu pai acha que não dá certo. Não ia testar logo comigo.” Eleita governadora do Maranhão já no primeiro turno pela segunda vez consecutiva, ela não pode se queixar da sorte. Sua popularidade no Estado atinge a 70% em algumas pesquisas reservadas e chegou a 61% no último levantamento feito pelo instituto Vox Populi. E mais: surge agora como uma alternativa interessante para o seu partido, o PFL, na sucessão presidencial de 2002. Aos 46 anos, dona de um jeito discreto, que ela diz ter herdado da mãe Marly, Roseana jura que não é candidata ao Planalto. Diplomática, lembra que o nome do partido é o do senador Antônio Carlos Magalhães (BA) e garante que só pensa em terminar seu governo no Maranhão para depois disputar uma cadeira no Senado. “Tenho uma eleição garantida”, afirma. Mas, como ela mesma diz, é muito cedo para tratar da corrida à Presidência. Como não é boba nem nada, lembra que a arte da política encerra boa dose de imprevisibilidade e conclui, pouco depois: “Hoje”, frisa, “não seria candidata”.

Dona de uma saúde frágil, Roseana recuperou-se das últimas cirurgias a que foi submetida, em 1998, ano em que se elegeu pela segunda vez, quando chegou a perder oito quilos. As intervenções cirúrgicas começaram quando tinha 19 anos. Desde então, foi operada por pelo menos dez vezes. “Parei de contar sob conselho de minha mãe.” Os motivos foram vá-rios. Desde a retirada de uma calcificação formada dentro de um de seus pulmões à complicações causadas no intestino devido às operações anteriores. “O primeiro baque é a constatação de que você é mortal. Você percebe que pode não estar mais por aqui no momento seguinte. Parei e pensei: o que é que fiz? Se eu sobreviver, o que posso fazer melhor?” Um dos saldos é que ela passou a valorizar ainda mais o convívio em família, com o marido Jorge Murad – com quem casou-se por duas vezes – com a filha Rafaela, com a neta de 11 meses, Fernanda, com os pais e irmãos, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, o Zequinha, e Fernando.

Império – O último optou por não fazer carreira política. Administra o império de comunicação da família, que abrange, além de algumas rádios, nada menos que a afiliada local da Globo, TV Mirante, e o jornal Estado do Maranhão. O controle dos principais meios de comunicação do Estado é uma das indefectíveis características das oligarquias políticas nordestinas. Vale lembrar que na Bahia, ACM também é dono da retransmissora da Globo e do jornal Correio da Bahia. “Não acho que isso ajuda”, afirma, desafiando os princípios básicos de comunicação de massa. E embora assegure que hoje caminha com seus próprios pés, a governadora tem de brigar com a inevitável herança de seu clã. “Primeiro diziam que meu pai mandava em meu governo; depois, que era meu marido. Nem me dou ao trabalho de retrucar.” Os adversários políticos insistem em lhe chamar de “coronel de saias” e reclamam que o apoio maciço da mídia, agregado pela afiliada do SBT, de propriedade do senador aliado Edison Lobão, tornam a concorrência desleal. “Aqui só sai nos jornais o que os Sarney querem”, queixa-se o deputado estadual Julião Amin, presidente em exercício do PDT. Correligionário do prefeito de São Luís, Jackson Lago, com quem Roseana mantém uma relação tensa, ele é um dos quatro bravos integrantes da bancada de oposição à governadora, os outros 38 rezam totalmente pela cartilha de Roseana.

Analfabetismo – Para evitar o desgosto causado pelo que chama de intrigas disparadas pelos opositores, não lê os jornais quando o assunto é esse. Não assistiu a um programa sequer veículado pela concorrência no último pleito. “Não quero ficar com raiva. Lembro sempre do que meu pai me disse certa vez: ‘Política não se faz com ódio nem com ressentimento.’ Hoje falam mal, mas amanhã podem falar bem”, filosofa. E Roseana enfrenta problemas mais sérios do que os discursos da oposição. O Maranhão é um dos Estados brasileiros que carregam indicadores sociais menos honrosos. Até 1995, quando ela começava seu primeiro mandato como governadora, o Estado exibia a mais alta taxa de analfabetismo do País. Entre os jovens maranhenses de 7 a 14 anos, mais de 50% não sabiam ler ou escrever. É bem verdade que em 1998, tratando-se da mesma faixa, o índice caiu para 32,7%. Mas, na posição geral, é o quinto pior Estado neste quesito.

Outros dados desabonadores foram apontados em pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluída pelo economista Marcelo Neri. Com base na renda familiar, o trabalho aponta que o Maranhão é o campeão em número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, ou seja, com menos de R$ 132 por mês, renda mínima para garantir o suprimento de necessidades básicas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Segundo seu raciocínio, esse dado tão vexaminoso se deve ao fato de que 57,7% da população do Maranhão vive no campo, fazendo com que a subsistência garantida pela terra não seja considerada como renda. “São pobres, mas não são miseráveis. Prefiro que estejam no campo do que vivendo na periferia das grandes cidades”, diz.

Pavio curto – Com a reforma do Palácio dos Leões, sede do governo maranhense, Roseana montou seu bunker na propriedade da família, num enorme terreno localizado diante da praia do Calhau, em São Luís, de onde se tem uma privilegiada vista do mar. A casa foi construída pelo senador há 26 anos e é repleta de “memorabilia” dos Sarney, móveis em madeira no estilo barroco, cristais que estão na família há décadas e obras de arte. Sentada num sofá na biblioteca do pai, conta que seu pragmatismo acabou alterando a organização da casa. Os enormes armários entalhados em madeira revestidos de vidro e espelho não guardam mais a roupa de cama e banho. “Quando meu pai descobriu, já tinha passado tudo para armários embutidos”, conta sorrindo ao olhar para os móveis que ficam hoje num pátio externo. A admiração pelo pai é mais do que evidente. “Aprendi muito com ele, que tem entre suas muitas virtudes o dom de ouvir e conciliar.”

Ao enumerar diferenças, não hesita em dizer que tem o pavio mais curto. “E não sou intelectual. Sou da prática. O Sérgio Motta era um pouco assim”, lembra ao comentar certa afinidade. “Me dá um pouco de agonia quem elabora demais.” Sem perder tempo com formulações, ela encarou uma empreitada que diminuiu o número de autarquias e fundações do Estado de 45 para 27. E acabou com as secretarias estaduais, transformando-as em gerências. Para a oposição, a mudança é cosmética. Roseana diz acreditar que mudou o jeito de fazer política no Estado. O fato é que ela ainda tem muito a fazer no paupérrimo Maranhão, para fugir da triste saga dos coronéis nordestinos que não conseguem tirar seus povos da miséria. Só a partir daí, ela efetivamente será uma alternativa viável ao Palácio do Planalto. Para isso, terá de contar com muito mais do que a sorte.