Num campo de frases feitas, lugares-comuns, caixinhas de surpresas e dissimulações, como o futebol, o técnico Luiz Felipe Scolari choca. Ele é autêntico. Não tem floreios nem frescura, como diria este gaúcho cinquentão, nascido em Passo Fundo. Diz o que pensa, doa a quem doer, é emotivo como todo descendente de italianos e aguerrido como todo ex-zagueiro do interior do Rio Grande do Sul. Afinal, lá muitas vezes canela e bola se confundem. Trouxe esse estilo para a beira do campo e passou a somar títulos, especialmente nos três anos e meio em que comandou o Grêmio – foi campeão gaúcho, da Copa do Brasil, Brasileiro e da Libertadores. Colecionou também críticos e rótulos: autoritário, incentivador do jogo feio e violento, entre outros. Nos dois anos de Palmeiras, enfrentou as sombras do passado glorioso da "Academia" e do seu antecessor, o atual técnico da Seleção, Wanderlei Luxemburgo. Brigou, foi xingado, bateu boca até com o ministro da Saúde, José Serra, tudo ao melhor estilo italiano. Acabou caindo nas graças da torcida. "Felipão" decide a Libertadores da América, contra o Deportivo Cali, na quarta-feira 16, como o técnico que melhor encarnou o espírito palmeirense, o espírito de Porco.

ISTOÉ Você prefere ser campeão jogando feio do que ser vice com um futebol bonito?
Luiz Felipe Scolari Sim. Quem é campeão vai para a história e não tem mais nada. Vice não é objetivo no Brasil.

ISTOÉ O episódio em que trocou farpas com o palmeirense e ministro da Saúde, José Serra, está superado?
Luiz Felipe Totalmente. Na hora, tu reages, mas o tempo passa e o melhor é esquecer. Eu acho que naquela ocasião o ministro José Serra foi influenciado por comentários de pessoas ao seu redor e ele colocou para fora um sentimento que nem era o dele, mas de um grupo. E eu não aceitei.

ISTOÉ O Serra reproduziu uma crítica recorrente, a de que você não é um técnico para o Palmeiras, que já foi chamado de "Academia".
Luiz Felipe Realmente eu não sou o técnico para a "Academia". Mas não existe mais academia de futebol no Brasil nem no mundo. O que existe é um futebol competitivo. O futebol mudou de 1960 para cá, não adianta. E eu estou dentro desta mudança, trabalhando com uma equipe que tem de ser competitiva, do contrário, não vai levar nada.

ISTOÉ Qual é o peso da motivação numa vitória?
Luiz Felipe Eu sou uma pessoa muito emotiva e tento passar isso aos meus atletas e à torcida, como vêm acontecendo no Palmeiras. Este ambiente de emoção faz com que a gente se supere. Motivação é primordial no futebol.

ISTOÉ Você já ganhou algum jogo na preleção?
Luiz Felipe Não diria um jogo específico. Mas eu usei isso na Copa do Brasil contra o Flamengo. Pego matérias de jornal, acentuo as críticas de adversários. Quando eu sinto que a minha equipe precisa de algo diferente, a minha voz já está chata, dou uma variada, faço com que uma pessoa com grande capacidade de persuasão faça uma palestra. Eles vão ouvir a mesma coisa, só que de uma forma diferente.

ISTOÉ E quanto ao rótulo de formador de times violentos, que a imprensa paulista lhe deu nos tempos do Grêmio?
Luiz Felipe Depois de dois anos de trabalho no Palmeiras, eles já viram que não é questão de violência, mas de competitividade. Quando eu cheguei, sofri com isso, mas agora não me preocupo mais porque é um absurdo, uma besteira.

ISTOÉ – No Grêmio, você reclamava do "esquema Parmalat". E agora?
Luiz Felipe Agora, trabalhando aqui, eu vejo que em muitas situações o Palmeiras é prejudicado, como o Grêmio era. Como também devem ser o Flamengo, o Botafogo… Os erros acontecem no mesmo número a favor e contra, não tem diferença alguma. Quem diz isso quer é se defender: "Perdemos por isso." Até eu me justificava assim.

ISTOÉ Por que você não privilegiou uma competição?
Luiz Felipe Eu não posso chegar para um atleta e dizer: "Tu jogas hoje, sem compromisso com a vitória." Aí no outro jogo: "Hoje tu tens de ganhar." Ele vai pensar o quê? Tenho de valorizar toda a partida.

ISTOÉ Com jogador de futebol não se pode afrouxar?
Luiz Felipe Não. No momento em que tu abrires um pouquinho uma porta para ele ficar à vontade, o jogador de futebol toma conta da casa e não tem mais volta. Com eles, tu tens de ter muita cobrança, muita disciplina.

ISTOÉ O que é preciso para ser técnico da Seleção?
Luiz Felipe Principalmente diplomacia, sangue-frio, jogo de cintura, aprender uma língua, no caso o inglês, saber trabalhar com os diversos níveis de jogadores, revelações ou craques consagrados, cercar-se muito bem de pessoas para ter o respaldo nas horas decisivas.

ISTOÉ Você se prepara para isto?
Luiz Felipe Não penso na Seleção, não quero nem ouvir falar. Não acho que seja uma coisa para mim. Não é meu sonho.

ISTOÉ Você preferiria disputar uma Copa à frente de uma seleção de outro país porque é bom ser a surpresa, o cavalinho que vem lá de trás.
Luiz Felipe Claro. É bom estar fora do páreo, ser o azarão.

ISTOÉ O problema é que agora, pelo seu currículo nos clubes, fica difícil ser o azarão.
Luiz Felipe Eu sei disso. Eu só tenho de chegar, por isso que a gente faz uma pegada mais forte. Ninguém mais espera de mim que eu seja segundo, quinto. O pessoal cobra o título. Não está fácil.