De uma coisa o empresário Blairo Maggi não gosta de ser chamado: o rei da soja. Maior produtor da cultura no mundo, com 120 mil toneladas, ele recebeu o cetro em 1996 quando sua família não parou de conquistar as fronteiras do cerrado em Mato Grosso e o empresário Olacyr de Moraes teve de renunciar ao trono depois de afundar-se em dívidas. Para Maggi, a aversão ao título é tão simples quanto um grão de soja. "Quando você carrega o rótulo de rei, você tem de defender a coroa", diz. "Hoje, posso ser o maior produtor de soja, mas daqui a cinco, dez anos, certamente, irá aparecer alguém." Seu antecessor, no entanto, não concorda. "Quem foi rei será sempre majestade", sustenta Olacyr de Moraes. Por enquanto, não existem herdeiros e Maggi ainda estendeu o seu reinado. Deixou, há pouco mais de um mês, a vastidão das fazendas de Rondonópolis e partiu para os gabinetes do Senado em Brasília. Assumiu a vaga do senador Jonas Pinheiro (PFL), licenciado por quatro meses por motivo de saúde, a quem o próprio Maggi ajudou a eleger doando R$ 300 mil na campanha em 1994.

Ainda introvertido na nova função, o empresário dá seus primeiros passos na política e já almeja o governo de Mato Grosso em 2002. Em pouco tempo de Senado, Maggi conseguiu, silenciosamente, algumas proezas que sempre acabam por beneficiar sua região e, consequentemente, seus próprios negócios. Modificou o traçado original de uma rodovia federal que corta uma imensa região plantadora de soja, facilitando não só o escoamento da produção como também evitando o atrito com índios de uma reserva. Garantiu um posto da Polícia Federal em sua região para combater o tráfico de drogas que cruza a fronteira com a Bolívia. Obteve o compromisso do governo de asfaltar um dos trechos mais acidentados de uma rodovia construída ainda no governo militar no meio da Amazônia. "Ganso novo não mergulha fundo", define esse "falso" gaúcho do Paraná. Explica-se: embora tenha nascido em São Miguel do Iguaçu, no oeste do Paraná, o senador teve sua certidão registrada na gaúcha Torres, cidade natal de seu pai.

 

De pai para filho A política parece ser um caminho natural para quem, aos 43 anos, ajudou a consolidar o império criado pelo patriarca da família em 1977. Rompendo a região do cerrado, o gaúcho André Maggi – filho de imigrantes italianos, hoje com 77 anos – comprou na ocasião terras baratíssimas no deserto Estado de Mato Grosso, contrariando avisos dos plantadores do Paraná, onde havia iniciado o plantio da cultura uma década antes. Corrigindo a acidez do solo, desenvolvendo variedades de sementes e financiando pequenos agricultores, cuja produção comercializava, os Maggi transformaram-se nos desbravadores das novas fronteiras agrícolas do Brasil. O império que leva o nome do pai se traduz em uma holding com 13 empresas – da agricultura à construção civil e da pecuária à navegação. Fatura US$ 220 milhões. Além das 120 mil toneladas que produz, vende um milhão de toneladas de outros produtores – basta dizer que a última safra brasileira de soja bateu a casa de 31 milhões de toneladas. Em apenas 20 anos, a trajetória dos Maggi tornou-se lendária não apenas no campo empresarial. Eles chegaram a fundar e emancipar um município – Sapezal – no coração do cerrado. Ergueram um hospital com 78 leitos e uma usina hidrelétrica que gera luz para 20 mil pessoas. Por um acordo com os vereadores, o pai de Blairo tornou-se o primeiro prefeito sem ganhar salários. Quando os políticos locais exigiram vencimentos, ele renunciou ao cargo.

Para um novato na política, a posse de Maggi foi uma das mais concorridas – e havia vários motivos para tal reunião de celebridades. Além de empresário bem-sucedido, Maggi é um político sem partido. Elegeu-se como suplente pelo PPB, mas decidiu desligar-se depois que a legenda caiu em desgraça por causa das denúncias de corrupção em São Paulo. Desta vez, está sendo assediado por vários partidos. O vice-presidente Marco Maciel e o senador Antônio Carlos Magalhães o querem no PFL assim como os ministros mais fortes do PMDB. Com o ministro da Justiça, Renan Calheiros, Maggi marcou até um joguinho de futebol.

Dante esnoba Toda essa adulação está atiçando os caciques políticos de Mato Grosso. Como novidade em um Estado em que os maiores líderes já estiveram no governo, Maggi virou uma estrela no campo. "Ele representa o novo para um Estado cansado de velhas lideranças", diz o deputado federal Wilson dos Santos, que está envolvido em atrair Blairo para o PMDB. O empresário tem assumido uma rotina de político, visitando postos de saúde, universidades e jornais. Num hospital especializado em câncer, que está em construção desde 1986 e onde ele já investiu R$ 15 milhões, prometeu a um grupo de senhoras do Lions Club doar um salário de senador para pagamento de despesas com funcionários. "É cedo para falar em candidatura num governo que mal começou", desdenha o governador Dante de Oliveira (PSDB), reeleito em 1998.

Enquanto as alianças são costuradas, Maggi promove movimentos políticos para evitar o ostracismo depois dos quatro meses no Senado. Pretende ser um desenvolvimentista. No fim de maio, liderou um comboio para pressionar o governo federal a asfaltar a rodovia que liga Cuiabá, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. O empresário incorporou um "caminhonaço" com 75 carretas carregadas de duas mil toneladas de soja que percorreram a esburacada rodovia até Itaituba, às margens do rio Tapajós, no Pará. Ao volante de uma caminhonete importada, Maggi levou a tiracolo seu filho de 12 anos numa viagem de três dias. "É para moldar o caráter", justificou. De lá, a soja foi colocada em enormes balsas até o porto de Itacoatiara, a 200 quilômetros de Manaus, e transportada em navios graneleiros aos portos internacionais, como o de Roterdã, na Holanda. "Para o País, tanto faz gastarmos US$ 70 a tonelada para transportar a soja para Santos ou gastar US$ 30 para cá, porque o dinheiro se distribui igualmente na economia", diz. "Mas em contrapartida, o produtor rural de Mato Grosso não fica com a renda e não consegue dar continuidade a sua produção." Além disso, a ativação da estrada permite a incorporação de cinco milhões de hectares de áreas agricultáveis no nordeste de Mato Grosso. "Isso é capaz de gerar uma renda agrícola de R$ 3,6 bilhões", calcula.

Experiências em projetos de desenvolvimento Maggi tem. Em 1997, ele inaugurou a hidrovia do rio Madeira, que recolhe a soja vinda da região do noroeste do Estado, onde sua Sapezal é o centro desta base agrícola. Para se ter uma idéia, 700 mil de um milhão de toneladas comercializadas por Maggi já deixam Mato Grosso por essa via. "Era um investimento muito pequeno, mas causou um impacto enorme", afirma. Seu grupo pôs US$ 24 milhões, o BNDES entrou com outros tantos e o Amazonas desembolsou US$ 12 milhões. O projeto, que integrou o programa Brasil em Ação, foi uma retribuição de Maggi ao acordo que estabeleceu a renegociação de dívidas dos agricultores no ano anterior. Mas, para ele, a melhor saída seria um Proer para o campo, assim como também gostaria de ver o deputado Delfim Netto na pasta da Agricultura. Por fim, deixa clara sua posição numa das discussões do momento. "No debate entre desenvolvimentistas e monetaristas, eu sou um dos lados."

Colaborou José Calixto de Alencar (MT)