No meio da Rio–Santos tinha um buraco. Logo em frente, outro. E mais um, e mais outro. E eles continuam todos lá. Já faz um bom tempo que percorrer a belíssima estrada encrustada entre a mata atlântica e o oceano tornou-se uma arriscada aventura, sobretudo dentro do Estado do Rio. Os 573 quilômetros da Rio–Santos, que cortam mais de uma centena de praias de todos os tamanhos, foram construídos na década de 70 e sempre deslumbraram quem passa por ali com a visão do mar após cada curva. Hoje, a Rio–Santos encontra-se num estado de abandono que preocupa moradores e usuários. De muitos pontos o mato alto impede até que se aviste o mar. O motorista não tem como desfrutar da paisagem, seja pelo capim que cresce no acostamento, seja pela atenção que a estrada exige. Mas, justiça seja feita, a rodovia pode ser dividida claramente em duas partes. De um lado, os terríveis 260 quilômetros entre a cidade do Rio de Janeiro e a divisa com o Estado de São Paulo, logo após a cidade de Parati (RJ). Do outro, os cerca de 300 quilômetros restantes, bem mais conservados, de Ubatuba (SP) até Santos. Só que insuficientes para dar conta de tantos turistas.

É no trecho fluminense que se concentram os condomínios mais exclusivos do litoral brasileiro, espécie de Côte d’Azur tropical, como Portogalo, Portobello, Club Méditerranée, Mombaça e Laranjeiras. Nas praias e ilhas da região boa parte do PIB nacional passa férias, como, por exemplo, Roberto Marinho e Antônio Ermírio de Moraes. Mas é nesse trecho nobre também que se encontram os piores problemas da Rio–Santos. Buracos de todos os tamanhos, mato tomando o acostamento e encobrindo placas de sinalização, falta de faixas e erosão na pista. O misto de corrida de obstáculos e montanha-russa em que se transformou a viagem explica em parte o enorme tráfego de helicópteros nos finais de semana e feriados.

Some-se à má conservação o clima da região espremida entre a Serra do Mar e o oceano, onde chove muito, sobretudo de dezembro a março, com frequentes deslizamentos e erosão do asfalto. No km 255, por exemplo, a dez quilômetros da entrada de Parati, uma cratera comeu uma pista inteira, deixando passagem para apenas um carro. "Isto está assim desde fevereiro. Já pressionamos os governos federal e estadual. Não temos como medir os prejuízos das condições desta estrada para uma cidade que vive unicamente do turismo", diz o secretário de Turismo de Parati, Darlan Alcântara de Pádua. Outro perigo é a falta de uniformização da quilometragem ao longo da rodovia. Algumas placas marcam a distância contando a partir de Santos e outras, a partir do Rio. Logo após o km 437, perto da entrada de Angra dos Reis, por exemplo, vem o km 92.

 

Turismo Os problemas não param por aí. Muitas das placas de sinalização estão apagadas e outras escondidas pelo capim de mais de dois metros. Ironicamente, de tempos a tempos consegue-se ler, nas placas suspensas em estruturas metálicas: Respeite a sinalização. O resultado é um alto índice de acidentes. "A estrada foi concebida para ser turística e hoje nela trafegam veículos pesados", justifica o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha. Só no ano de 1998 no trecho do Estado do Rio ocorreram 1.012 acidentes graves, com 651 feridos e 69 mortos. "As pessoas correm muito e a estrada é perigosa. Em temporada, quase todo final de semana acontecem três ou quatro acidentes", afirma Cláudio Araújo Filho, gerente-geral do Hotel Portogalo, a 20 quilômetros de Angra dos Reis.

A diferença de conservação da Rio–Santos nos dois Estados se deve a uma questão burocrática. A estrada faz parte da enorme BR-101, que liga quase todo o litoral do País. No setor fluminense está sob a jurisdição do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), que sofre de um problema crônico de falta de recursos. A partir de Ubatuba, a manutenção é feita pelo DER-SP. "Este ano, tentei aprovar na proposta orçamentária do Ministério uma verba específica para a Rio–Santos, mas foi recusada no Congresso", afirma Padilha. "Estou no cargo há apenas dois anos. Esta estrada não teve manutenção adequada ao longo de muito tempo", defende-se. Até abril passado, o trecho fluminense estava sem manutenção nenhuma, por falta de verba, com algumas exceções. Os 30 quilômetros no entorno da Usina Nuclear de Angra dos Reis (km 172) são mantidos pela Eletronuclear, através de um convênio celebrado com o DNER. Sem dinheiro para os reparos, o órgão se limita a informar, a quem liga para o serviço de informações ou acessa sua home page, que é perigoso trafegar na Rio–Santos à noite.

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Verba ridícula Em maio, o DNER firmou dois contratos no valor de R$ 407 mil para a execução de serviço de capina e operação tapa-buracos, com previsão de término para julho ou agosto. Mas, na estrada, nem sinal de homens trabalhando. A cada quilômetro, os buracos se sucedem. "É uma verba ridícula, que só vai servir para tapar buracos em vez de asfaltar de novo", diz Maria Borges, proprietária do Hotel do Frade, no km 123, no município de Angra dos Reis. "Os empresários locais concordam que a solução seria privatizar", defende, lembrando que quando chove é comum que os hóspedes saiam em revoada, temendo desabamentos. Mas nem tão cedo a Rio–Santos vai passar para as mãos do setor privado. O Conselho Nacional de Desestatização (CND) está revendo todos os editais de concessão das estradas brasileiras, que só devem ser reapresentados no segundo semestre deste ano e, de qualquer forma, a Rio–Santos ainda não aparece no calendário das próximas rodovias nacionais que serão privatizadas. Um dos pontos a serem revistos é o valor máximo dos pedágios, que já preocupa os usuários da Rio–Santos. "Privatizar a estrada acaba pesando no bolso do trabalhador", reclama o motorista paulista Jone de Carvalho, morador de Mogi das Cruzes.

Por ser administrada pelo DER-SP, a parte paulista é quase um tapete, com uma verba anual de manutenção de R$ 520 mil. Mas não é menos arriscada, principalmente por ser uma rodovia de mão dupla com muitas curvas perigosas. O principal problema no Estado de São Paulo são os frequentes congestionamentos, mais ainda no verão, sobretudo no trevo de Mogi das Cruzes e próximo às praias mais badaladas, de Maresias até Ubatuba. "Já fiquei parado na estrada várias vezes", conta Alexandre Cabanas, representante comercial morador de Santos que vai a São Sebastião pelo menos uma vez por semana. "Agora, em temporada, evito pegar a Rio–Santos porque no litoral não tem opção e engarrafa mesmo", diz.


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