Num país como o Brasil, onde pessoas morrem por falta de atendimento médico, era de se esperar que quanto maior o número desses profissionais, melhor. Pura ilusão. A proliferação de faculdades e de médicos despreparados fez despencar o prestígio de uma profissão antes bastante respeitada e, mais grave ainda, fez piorar o atendimento à população. "O Brasil não precisa de mais médicos, mas de melhores profissionais", defende Eleuses Vieira de Paiva, 45 anos, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM). Formado há 21 anos pela Faculdade de Medicina de Itajubá, em Minas Gerais, o médico está preocupado com o futuro de sua profissão. No final da semana passada, ele foi um dos participantes do 1º Congresso Paulista de Política Médica, realizado em São Paulo e organizado pela APM. Um dos temas, é claro, foi a formação do médico.

ISTOÉ – O médico é malformado?
Paiva – Ele é mais especialista do que generalista, com uma formação visando a uma área de especialidade. Nesse modelo, existe a necessidade de fazer uma residência. E aí temos um problema sério. Uma pesquisa feita em 1996 informa que temos cerca de 7,3 mil médicos formados por ano e vagas para residência para cerca de 5,2 mil. Faltam 2,1 mil lugares, o que dá algo próximo a 30% da população médica que não terá uma residência.

ISTOÉ Qual o problema?
Paiva A maioria desses médicos viverá de plantão nas emergências de prontos-socorros. É uma distorção. Dentro das emergências é preciso que trabalhe o profissional mais bem preparado. Nesses locais temos o profissional pior qualificado.

ISTOÉ Todo médico deveria ter acesso à residência?
Paiva Deveria existir uma política coincidente de graduação e pós-graduação. No final da década de 60, falava-se que o Brasil precisava de maior número de médicos, mas ninguém ficou preocupado como esse novo médico seria formado.

ISTOÉ E o que deveria ser feito?
Paiva Nossa proposta é de que não se abram novas escolas antes de se avaliar as que existem. Depois, haverá a necessidade de uma readequação da grade curricular priorizando a formação de um médico generalista, com conhecimento do todo. Temos de discutir a capacitação dos docentes. Sabemos que muitos professores dão seus nomes em três, quatro faculdades, mas não atendem em nenhuma delas.

ISTOÉ Por que houve a proliferação de faculdades?
Paiva Houve a proliferação do mercantilismo na área de ensino da saúde. Em São Paulo, em 1996 tínhamos 19 escolas médicas, hoje temos 22. E sabemos que no Estado de São Paulo existem mais pedidos de abertura de faculdades, todas particulares. Elas alegam que existe procura grande por medicina e a sociedade necessita de novas escolas. Mas todas as faculdades são privadas e os cursos variam sua mensalidade de R$ 1,8 mil a R$ 3 mil. Se não fizermos nada, a seleção dos estudantes será puramente econômica.