Relembre, em vídeo, trechos em que o pastor alemão enfrenta uma cobra, dá sopapos em um urso e faz propaganda de cereal:

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Cães bem adestrados podem expressar sentimentos ou fazer estripulias complexas diante das câmeras – isso é sabido por qualquer preparador de elenco. Nas comédias mudas de Charlie Chaplin, por exemplo, o vira-lata Scraps saía-se muito bem nas cenas mais engraçadas. Mais recentemente, o terrier Uggie, de “O Artista”, tornou-se uma celebridade, com direito a aparição no Oscar e “pisadinha” na calçada da fama, por sua impressionante atuação no filme estrelado por Jean Dujardin. A cadela Lassie teve também seu período de glória. Mas nenhum cão atingiu o status do pastor-alemão Rin Tin Tin, que mesmo depois de morto sobreviveu como personagem e símbolo de coragem e lealdade. O livro “Rin Tin Tin – A Vida e a Lenda” (Valentina), da jornalista Susan Orlean, firmou-se como best-seller ao contar a história do mascote e de como ele fez sucesso no início do cinema, consagrando-se depois nas primeiras séries de televisão – mesmo que, àquela altura, o animal já fosse outro. Mas isso não importava. “Sempre haverá um Rin Tin Tin”, diz no livro Lee Duncan, seu dono, para quem, independentemente do cão que aparecesse em frente às câmeras, os valores a ele associados agradavam ao sentimento nacionalista americano e sempre resistiria ao tempo.

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Incansável e hábil em se fingir de humano, o pastor-alemão original, que nasceu em 1918 e viveu 13 anos, participou de 30 filmes e chegou a ser eleito melhor ator em 1927, chegando bem perto de levar o Oscar para o seu canil. A estatueta só escapou porque os votos foram recontados. Com o advento da tevê, o personagem ganhou ainda mais popularidade, ao lado do Cabo Rusty (Lee Aaker, ator mirim de 11 anos) na série “As Aventuras de Rin Tin Tin”, exibida entre 1954 e 1959 – nessa altura já era o quarto de sua genealogia. Na análise de como um bicho de estimação passa à condição de astro, Susan cobre quase um século da história do entretenimento e revela que no auge da fama o animal chegou a ser o maior sucesso dos EUA. Proporcionava a Duncan um cachê semanal de US$ 1 mil, oito vezes maior do que o recebido pelos atores com quem contracenava.

Eleita uma das melhores do ano pelo jornal americano “The New York Times”, essa atípica biografia aponta até o papel do cão na criação de novos hábitos: foi graças a ele que se alastrou entre as pessoas o costume de tratar mascotes como filhos. A saga do cachorro se inicia como um filme de Walt Disney ou Steven Spielberg. Nas fileiras da Primeira Guerra Mundial, a serviço das Forças Armadas dos EUA, em 1918, Duncan encontra um canil abandonado pelo Exército alemão. Em meio a 26 cães mortos estão Rin Tin Tin, mais quatro filhotes e sua mãe, um dos 30 mil cachorros usados no combate pelo exército alemão. O soldado americano o adotou e lhe deu o nome de um talismã francês comum entre os combatentes.

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Levado para a Califórnia numa viagem de navio, o mascote se destacou pelo treinamento, que incluía expressões associadas a sentimentos e movimentos similares aos humanos. Com roteiro do seu adestrador, “Where the North Begins”, de 1921, encantou o público. Rin Tin Tin conseguia mostrar arrependimento, perdão, coragem e tristeza e foi elogiado pelo cineasta russo Sergei Eisenstein, autor de “O Encouraçado Potemkim”, que na época pesquisava justamente uma linguagem sintética das emoções. Num gesto tolo de publicidade, o então prefeito de Nova York, Jimmy Walker, entregou as chaves da cidade ao astro, numa de suas visitas à Big Apple. Tratado como gente, ele se hospedava em suítes de luxo nas viagens promocionais. Ao morrer, em 1932, ganhou páginas e páginas de obituário no mundo todo. O terceiro da dinastia – cujo laço sanguíneo é controverso – ganhou medalha em 1942 como “garoto-propaganda” para a doação de cães durante o esforço de guerra. Mais conhecido pelas novas gerações, o quarto Rin Tin Tin, bisneto do original, não era tão autoconfiante e precisou de dublês para cenas mais perigosas – o nome do companheiro de cena era Flame Jr. “Os cães propriamente ditos eram descartáveis”, escreve Susan, que prefere a lenda à realidade.

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