O presidente Fernando Henrique Cardoso adiou por três meses a escolha do substituto do ex-xerife da Polícia Federal Vicente Chelotti para não ter de tomar partido na brigalhada de facções dentro da PF e da PF com os militares. Acabou vítima de seu método de empurrar com a barriga as decisões polêmicas. Com o vacilo de FHC, a disputa por um cargo de segundo escalão provocou uma queda-de-braço entre o ministro da Justiça, Renan Calheiros, e o chefe da Casa Militar da Presidência, general Alberto Cardoso, aumentou o racha entre os aliados políticos e – ingrediente novo e explosivo – colocou os militares em pé-de-guerra. Na noite da terça-feira 8, Fernando Henrique finalmente bateu o martelo e nomeou o delegado João Batista Campelo para o comando da PF, na expectativa de acabar com o que ele próprio definiu como um "problemão". Não deu certo. Antes mesmo de assumir o cargo, Campelo foi alvejado pelo ex-padre e professor de Filosofia José Antônio Monteiro que o acusou de tê-lo torturado durante a ditadura militar. O ministro da Justiça também não gostou. Depois de ter-se empenhado para efetivar o delegado Wantuir Jacini como diretor da PF, Renan sentiu-se desautorizado pela opção feita pelo presidente e pediu demissão. "Essa crise é minha porque demorei a decidir. Se você sair, isso pode virar uma crise política e militar. Não pense só em você, pense em mim e no País", apelou FHC. Mesmo com a ajuda da cúpula do PMDB, o presidente terminou a semana sem conseguir demover Renan da idéia de deixar o governo. "Não estou disposto a dar posse a um torturador", desabafou o ministro com amigos antes de deixar Brasília na quinta-feira 10 com destino a Alagoas, demonstrando assim que acredita na denúncia de Monteiro, seu ex-cabo eleitoral em campanhas políticas.

Mesmo com todo esse bombardeio contra Campelo, Fernando Henrique continua disposto a bancar sua ida para o comando da Polícia Federal. "Até agora, não há nenhuma prova de que tenha participado de sessões de tortura", justifica o presidente. O próprio Campelo nega que tenha sido torturador. "Isso é café requentado. O padre foi preso por ter sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional, mas não sofreu qualquer tortura", diz o delegado. A acusação contra Campelo data de 1970, quando uma comissão de bispos denunciou as torturas e informou que elas foram confirmadas por laudos da Divisão Médico-Legal da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão e de um médico da arquidiocese maranhense. Preso na mesma época que Monteiro, o atual bispo de Viana (MA), Xavier de Maupeou, diz ter visto os ferimentos do ex-padre após uma sessão de tortura. Um outro contemporâneo, que esteve exilado com Monteiro, entrou na briga. É o governador do Amapá, João Capiberibe (PSB) que também está pedindo a cabeça de Campelo. Prometendo fazer muito barulho, Monteiro desembarcará nesta quarta-feira 16 em Brasília, onde vai prestar um depoimento contra o novo diretor da PF na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

Apesar desse passado controvertido, o delegado Campelo circula com muita desenvoltura entre os caciques governistas. Em junho de 1997, 42 senadores chegaram a pedir a sua nomeação para o lugar de Chelotti em um documento com abaixo-assinado. Entre os signatários, estavam Renan Calheiros e o líder peemedebista Jader Barbalho. Desta vez, Campelo só entrou para valer no páreo na reta final. O PMDB estava fechado com Wantuir Jacini e o general Cardoso trabalhava pelo delegado Zulmar Pimentel. Correndo por fora, os tucanos quase conseguiram emplacar o delegado Marcelo Itagiba, assessor especial do Ministério da Saúde. Há 20 dias, numa conversa com Renan, FHC chegou a dar sinal verde para a efetivação de Jacini, que vinha atuando como chefe interino da PF desde a queda de Chelotti. No Planalto, porém, cresciam as resistências a Jacini. Assessores do presidente fizeram intriga com o fato de Renan considerar o interino da PF "fácil de ser controlado". A turma do general Cardoso argumentava também que a solução defendida pelo ministro da Justiça representaria a continuação da era Chelotti, que perdeu o cargo, mas manteve sua influência na PF, com direito até mesmo a uma sala ao lado do gabinete do diretor-geral.

Como Fernando Henrique continuou a protelar a nomeação para a PF, o PMDB percebeu que a indicação de Jacini estava fazendo água e resolveu aumentar a pressão sobre o presidente. "Seria uma sandice", provocou o líder do partido na Câmara, deputado Geddel Vieira Lima, ao comentar a hipótese de FHC não acatar o nome apresentado por Renan. No terça-feira 8, o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, após uma conversa com Fernando Henrique no Palácio da Alvorada, deu o tom da contra-ofensiva palaciana. "O PMDB foi muito longe. Ultrapassou todos os limites e quis invadir a competência do próprio presidente da República."

 

Colher enferrujada Em seu gabinete no Senado, Jader leu a declaração de Pimenta em tempo real na telinha do computador. Irritado com mais essa estocada, seguiu para o plenário disposto a dar um troco à altura. Depois de conversar com ACM e com o senador José Sarney, foi convencido a baixar o tom. Ainda assim, deu uma forte canelada em Pimenta. "Não vou admitir que outros partidos e outros ministros metam o bedelho e a colher enferrujada nisso." Enquanto Jader e Renan ainda trocavam farpas com tucanos e pefelistas, o presidente da Câmara, deputado Michel Temer, telefonava para FHC e se oferecia para ajudar a superar a crise. "Será muito bem-vindo, porque estou com um problemão", agradeceu Fernando Henrique, que contou com a colaboração de Temer na noite da terça-feira 8 na tentativa de dissuadir Renan a entregar a carta de demissão que ele levou no bolso para o Planalto. Pouco depois do encontro entre Fernando Henrique e Renan, Campelo, que estava em Boa Vista na função de secretário de Segurança Pública de Roraima, recebeu um telefonema da assessoria do presidente em que foi comunicado da escolha para a chefia da PF.

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Como o nome de Campelo tinha o apoio declarado do PFL do senador Jorge Bornhausen e recebeu o aval de Jader Barbalho e do general Cardoso, Fernando Henrique acreditou que a crise havia de fato acabado. Novas alfinetadas do governador Mário Covas reacenderam a irritação de Renan Calheiros, que ainda não havia digerido a derrota na briga pelo comando da Polícia Federal. Na última quinta-feira, o ministro da Justiça, durante almoço da cúpula do PMDB na casa do presidente da Câmara, voltou a falar em sair do governo. Nesta segunda-feira 14, FHC promove uma nova reunião de ministros no Planalto, dando sequência à que se realizou na última semana, quando o presidente aproveitou para falar grosso e disse que não existem ministros de partidos, mas sim de governos. "Daqui para frente é cara ou coroa", advertiu. Renan, que faltou à última reunião, foi convocado a estar presente no Planalto. Até lá, deverá decidir se fica ou não no Ministério. Se resolver ficar, pode cair na reforma ministerial que o presidente planeja fazer até julho. Nessa mexida da equipe, FHC pretende esvaziar os poderes do chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, e escalar o ex-deputado Euclides Scalco como coordenador político do governo para tentar dar um fim às intrigas e brigas na base governista.

 

Eduardo Jorge, de novo

Depois de ser o coordenador operacional da campanha de reeleição de FHC, o ex-secretário geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira esperava voltar ao Palácio do Planalto. Perdeu as esperanças quando ISTOÉ revelou seus esquemas de manipulação nos fundos de pensão das estatais e nas empresas de informática do governo. Para evitar novas acusações, saiu de cena e abriu um escritório de negócios no Rio de Janeiro. De nada adiantou. Na última semana, novos fatos empurraram Eduardo Jorge de volta à tona. Um deles foi a demissão do presidente da Dataprev, Ruy Lourenço Martins, publicada no Diário Oficial na sexta-feira 11. Conforme ISTOÉ revelou em dezembro do ano passado, Ruy Lourenço e Humberto Ledo Haidamus – pai do lobista Cláudio Haidamus, que subiu na vida depois de se casar com uma sobrinha de Eduardo Jorge – chefiaram no governo Collor um esquema que promovia compras superfaturadas, licitações viciadas e até falsificações de documentos. Demitidos no governo Itamar, Ruy Lourenço e Humberto Haidamus voltaram pelas mãos de Eduardo Jorge ao comando da Dataprev no começo do primeiro mandato de FHC.

O outro fato negativo foi a descoberta pela CPI do Judiciário de nada menos que 117 ligações telefônicas do juiz Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do TRT-SP, para Eduardo Jorge entre abril de 1995 e novembro de 1998. Nesse período, Nicolau estava à frente da comissão de obras da nova sede do fórum paulista e está sendo acusado de desviar parte dos R$ 260 milhões que já foram gastos com o prédio. Em sua edição de 12 de maio, ISTOÉ revelou que Nicolau, que sempre contou com a boa vontade do Executivo para a liberação de verbas para a sua obra faraônica, tinha uma amizade suspeita com o ex-secretário. "Já temos elementos suficientes para convocá-lo. Além do elevado número de ligações, há uma coincidência entre a ida de Eduardo Jorge para o Ministério da Fazenda, em 1993, e a retomada de repasses do Tesouro para a obra do TRT-SP", disse o senador José Eduardo Dutra (PT-SE). Durante o governo Itamar, a obra ficou um ano sem recursos e coincidentemente os repasses foram retomados três meses depois de FHC ter assumido o Ministério da Fazenda em 15 de agosto de 1993, levando para o seu gabinete Eduardo Jorge, que já o assessorava no Senado.

Andrei Meireles e Isabela Abdala

Riocentro, o fim de uma farsa


Os anos de chumbo no Brasil deixaram muitas sequelas. De todas, a ferida mais aberta foi provocada pela bomba que em 30 de abril de 1981 explodiu num Puma estacionado no Riocentro, no Rio, onde milhares de pessoas comemoravam o Dia do Trabalho num show de MPB. Há 18 anos a história oficial teima em manter a ridícula versão de que a bomba que matou o sargento Guilherme Pereira do Rosário e feriu o então capitão Wilson Machado foi posta no carro por esquerdistas e não pelos dois agentes da comunidade de informações. Na quinta-feira 10, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal, o procurador-geral da Justiça Militar, Kleber de Carvalho Coelho, determinou ao Comando do Exército a abertura de um novo Inquérito Policial Militar (IPM). Um dos fatores decisivos para a decisão foi a confissão do juiz Edmundo Franca de Oliveira de que foi coagido pelos então generais-ministros Walter Pires (Exército) e Octávio Medeiros (SNI) a aceitar o arquivamento. A entrevista, feita pelo juiz a ISTOÉ, é citada no parecer de 49 páginas do procurador. Além de comprovar o envolvimento dos trapalhões que explodiram a bomba antes da hora, o novo IPM tem como missão descobrir se eles agiam por conta própria ou orientados por gorilas de patente mais alta.

Hélio Contreiras


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