Que pai e mãe não desejam o melhor para o seu filho? E que pai e mãe não gostariam de ter um manual mágico que os orientasse a desenvolver a criança de forma perfeita? A responsabilidade de acertar nessa tarefa é enorme, pois é toda uma vida que está em jogo. Como num tabuleiro, há um ponto de partida: o nascimento. E uma trilha a ser seguida, que é a evolução adquirida com os anos. E nesse aspecto a ciência tem dado uma ajuda imprescindível aos jovens papais. Novas pesquisas estão comprovando cada vez mais que as aptidões inatas da criança, que vão desde a habilidade em chutar bola até a capacidade de resolver um problema matemático, podem ou não ser desenvolvidas. Isso depende de uma peça-chave: a estimulação, que pode acontecer em casa ou na escola a partir de atitudes muito simples, como brincar ou cantar com o bebê, mas que terão papel decisivo no seu desenvolvimento.

Há uma razão para que os estímulos ganhem um contorno tão importante. Os bebês nascem com cerca de 100 bilhões de neurônios – células localizadas em maior parte no cérebro, encarregadas de receber e transmitir impulsos nervosos – fresquinhos e prontos para serem requisitados e começar a trabalhar. Essa rede neuronal deve ser exercitada por toda a vida por uma questão crucial. É ela que está ligada à inteligência e conduz a evolução da capacidade motora, sensitiva e cognitiva dos indivíduos. E, para se ter uma idéia, até os oito meses esses neurônios estão no auge das suas atividades e criam cerca de 100 trilhões de conexões (as sinapses) entre si. Por isso, os três primeiros anos de vida são cruciais para estimular as aptidões. São os anos de ouro do ponto de vista da formação da criança. Nessa fase, o aprendizado, por causa da facilidade com que as sinapses acontecem, é aceleradíssimo. Estudos feitos no Baylor College of Medicine, nos Estados Unidos, por exemplo, revelaram que bebês de cinco meses já têm noções básicas de quantidade.

Aumento Durante o primeiro ano de vida, o cérebro triplica de tamanho chegando a cerca de um quilo (no adulto, pesa 1,35 quilo). Por volta dos dois anos, o cérebro da criança contém o dobro de sinapses e consome duas vezes mais energia que o de um adulto. Após os três anos, o desafio dos pais é manter a grande rede de sinapses que se formou. Isso porque até chegar aos cinco anos essas ligações, por um processo natural do ser humano, podem ficar reduzidas à metade. O objetivo da estimulação é tentar minimizar essa perda. "Quando uma habilidade não é utilizada a sinapse correspondente a ela deixa de acontecer", diz o neuropediatra Luiz Celso Vilanova, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pode ser cruel, mas é verdade. Outra pesquisa, também feita por especialistas do Baylor College, constatou que crianças que não brincam muito e recebem pouco afeto têm o cérebro de 20% a 30% menor do que o de outras crianças da mesma idade. Apesar desses dados, o neuropediatra americano Harry Chugani, do Children’s Hospital of Wayne State University, afirma que o cérebro permanece maleável até a adolescência. "É possível também fazer novas conexões para o resto de nossas vidas, só que de uma forma mais difícil do que durante os primeiros anos de formação", diz ele.

A boa notícia é que o poder dos pais em influenciar o crescimento desse intrincado circuito é algo como um milagre alcançável. É possível cultivar o cérebro de uma criança como quem cuida de uma delicada planta de bonsai. A advogada Patrícia Salvo Fleury, 28 anos, procura fazer com que a sua filha, Laura, de um ano e dez meses, aproveite ao máximo essa estratégia da estimulação. Exercita os cinco sentidos da filha, colocando desde trechos de música clássica para ela ouvir até levando-a para brincar na areia. Quando está sozinha com Laura, a advogada costuma falar em inglês e a menina também frequenta uma escola onde pode também ouvir música e pintar, além, é claro, de brincar. "Não quero fazer dela um gênio. Apenas estimulo ao máximo seu aprendizado", diz Patrícia.

De fato, o melhor de tudo é que a estimulação pode ser feita sem ser preciso recorrer a grandes estratagemas. "Um simples beijo no pezinho e os sabores dos alimentos, por exemplo, são capazes de provocar explosões de sinapses para todos os lados do cérebro em formação", garante Chugani. "Estimular é apresentar à criança situações novas com as quais ela possa se relacionar ludicamente", afirma o pediatra Leonardo Posternak, de São Paulo. Um exemplo singelo é dar um brinquedo de rodinhas e com cordinha para a criança puxar no momento em que ela está quase andando. Diego, de um ano, adora brincar com carrinhos e fingir que é um piloto. Sua mãe, Ana Maria Campos, 34 anos, conta que o pai, José Carlos, 37 anos, é fanático por automobilismo e, nas brincadeiras com o filho, o ajuda a exercitar sua habilidade motora na condução dos carrinhos e, de quebra, também a imaginação. "Ele vibra com os carros. Até ganhou da madrinha um blusão da Ferrari", conta Ana Maria.

 

Ambiente Na verdade, um ambiente rico e diverso, que estimule os cinco sentidos e o aspecto emocional, é fundamental na tarefa da estimulação. Tudo que a criança vê, ouve, sente, cheira e come vai esculpir áreas no cérebro que serão úteis na sua vida futura. Oferecer à criança jogos, livros, música, levá-la ao teatro e incentivá-la em atividades esportivas também contribuem para que as aptidões aflorem. É claro, porém, que não se pode esquecer do papel da genética, algumas vezes decisivo. A prova são os gênios, que, mesmo em ambientes de pouca estimulação, acabam se destacando dos demais. Pascal, matemático e físico francês do século XVII, por exemplo, reinventou a geometria apesar de o pai tê-lo proibido de estudar.

A ciência já demonstrou, no entanto, que a resposta da criança aos estímulos começa ainda na barriga. Por volta do quarto mês de gestação, o feto reage aos sons externos. A música, por exemplo, pode servir para acalmá-lo. Usar Mozart, Bach ou Chico Buarque é uma questão de gosto. Não há nada que comprove que colocar o alto-falante na barriga, tocando Mozart, fará com que o seu filho nasça um gênio da música. Mas aproveitar esta capacidade auditiva para aproximar o pai do bebê é uma boa atitude. "Conversar com o filho torna a voz do pai mais conhecida. Quando ele nasce, se sente num ambiente familiar e menos estressante", analisa o obstetra paulista Nilson Secches. Esse reconhecimento entre filho e pai já era sentido pela lojista Marta Siniscalchi, 27 anos, durante a gravidez de Luca, de três semanas. "Ele se mexia dentro da minha barriga ao ouvir a voz do pai, e agora acompanha a fala do meu marido com os olhos", conta Marta.

A chave de todo o estímulo é o interesse da criança. Não adianta matriculá-la na escolinha de futebol se ela gosta de caratê. "A estimulação pela estimulação não leva a nada. É importante relacioná-la ao prazer", pondera a psicanalista Ana Maria Sigal, de São Paulo. A professora Bárbara Servares, 37 anos, por exemplo, costuma levar a sua filha Betina, de três anos e três meses, a parques de diversões e fazendas. A garota também é fã dos personagens Disney e tem alguns deles no seu quarto. "Basta prestar atenção ao que ela gosta", diz Bárbara. Outro ponto que os pais devem ficar atentos é o exagero. "Estimular demais a criança com tarefas, aulas e horários só faz com que ela se estresse e perca o interesse pelas coisas", diz a psicóloga da USP Maria Thereza de Souza. Consciente disso, a professora Fátima D’Avanzo, 34 anos, mãe de Marina, dois anos, está tranquila, por exemplo, com o momento de levar a filha à escola. "Acho que ainda é cedo. Prefiro incentivá-la com brincadeiras em casa. Ela adora brincar com nosso boxer", diz Fátima.

Na verdade, todas as descobertas da ciência devem ser encaradas como instrumentos que ajudem a formar indivíduos equilibrados, com espírito crítico e aptos para lidar consigo e com o mundo que os rodeia. Em outras palavras, colaborar na construção da inteligência das crianças. O termo, ao contrário do que muitos pensam, não significa criar um supergênio com um Q.I. estratosférico. "Inteligência é a capacidade de adaptação ao meio ambiente e engloba uma série de aptidões do ser humano", explica Cláudio Guimarães, médico do laboratório de neurociências da USP. Essa capacidade é o grande instrumento que o indivíduo tem para interagir com o mundo. Mas a velocidade com que ela aparece é individual. Comparar o ritmo de desenvolvimento de seu filho com o do vizinho não é saudável. A evolução de cada um varia. Um bebê pode andar com dez meses e, outro, com um ano e dois meses, sem que isso seja ruim. Rapidez não é inteligência. Sentar, andar, correr cedo não são sinais de Q.I. acima da média.

A grande busca no desenvolvimento dos filhos deve ser o equilíbrio. Da mesma forma que oferecer estímulos é importante, deixar que a criança tenha um tempo livre também é. Ela precisa de horas diárias para brincar sozinha, fantasiar e resolver os seus pequenos dilemas, como o seu relacionamento com os pais. Nessa tarefa, incentivar o hábito da leitura pode ser mais uma contribuição dos pais. A leitura dá um tempo de reflexão que as outras formas de conhecimento não propiciam. O deputado estadual petista e professor de História Chico Alencar leva a lição ao pé da letra. "Criei a Hora do Conto aqui em casa. Escolhemos um dia e, a partir das 19 horas, é obrigatório desligar a tevê e abrir um livro. As crianças adoram", conta Alencar, 49 anos e pai de três meninas. Entre elas, Nina, cinco anos. O exemplo de Alencar é uma combinação de arte e ciência regada a muito carinho e dedicação. E essa equação é, pelo menos até agora, a que contribui melhor para a aventura do crescimento.

Colaboraram: Cilene Pereira (SP) e Francisco Alves Filho (RJ)

 

O papel da escola

É nas escolas que as crianças aprimoram sua desenvoltura social e intelectual. Por isso, hoje aceita-se que elas possam ser levadas aos berçários já aos três meses. "Só não aconselhamos que elas entrem no berçário em torno dos oito meses, quando ocorre sua primeira crise de identidade, em que percebe que ela e a mãe não são a mesma pessoa", explica a psicóloga Isabel Linares, dona do berçário e pré-escola Recreio, em São Paulo. A escola segue alguns princípios pregados pelo filósofo suíço Jean Piaget, elaborador da teoria construtivista – segundo a qual a inteligência é construída a partir das relações recíprocas do homem com o meio. Por esse motivo, o Recreio desenvolve com as crianças atividades que permitem socialização e expressão corporal.

Em geral, nas escolas o processo de alfabetização é gradual e começa cedo. Na Caravelas e no Vera Cruz, também em São Paulo, isso acontece, respectivamente, a partir dos dois e três anos. "Não alfabetizamos como há 15 anos, letra por letra, sílaba por sílaba. Hoje o processo tem início com a chegada da criança na escola, quando começa a olhar os primeiros livros", explica uma das coordenadoras do Vera Cruz, Magdalena Jalbut. "Respeitamos o ritmo de cada criança. O que importa é que até a primeira série todas estejam lendo e escrevendo grandes frases", completa Maria Cappi, diretora pedagógica da Caravelas.

 

A opinião dos especialistas

 

 

 "A estimulação tem de estar relacionada ao prazer e ao exercício da subjetividade da criança. Ela deve encontrar um sentido no que faz e tomar gosto pelo que realiza. É necessário também uma rotina mínima, permeada por condutas criativas, e uma dedicação que atenda às exigências mínimas da sociedade, como, por exemplo, o momento de aprender a fazer cocô e xixi sozinha. Exercícios automáticos e repetitivos não fazem sentido. Estimular uma criança é muito diferente de adestrar um animal

Talvez o aspecto mais importante da inteligência seja o crivo crítico que podemos ter. E a leitura, por exigir um tempo de reflexão, é fundamental para o desenvolvimento desse crivo. Não somente para julgar políticos e médicos, mas, principalmente, para o indivíduo poder fazer qualquer escolha na vida. Hoje, no entanto, as crianças nascem num mundo altamente visual e não aprendem a importância do texto escrito. De que adianta a Internet se não soubermos criticar as informações ali contidas?"