Para falar do projeto ao qual dedicou os últimos três anos, o cineasta Carlos "Duto" Sperry pega uma caneta e começa a desenhar. Das mãos ágeis surge em três segundos um esboço do mapa do Brasil, que sai, casualmente, em forma de coração. O desenho é fiel à paixão que ele está sentindo pelo País, que acaba de destrinchar numa série de 24 documentários, chamada Retrato do Brasil. A ousada produção, conduzida por Enzo Barone, da Cinemacentro, e bancada pela Fiat, foi filmada quase integralmente em 35 mm (formato usado pelo cinema) e custou R$ 10 milhões, cerca de três vezes o orçamento do premiado Central do Brasil. É o maior trabalho do gênero já realizado no País. A série será distribuída para escolas a partir de setembro e deverá ser assistida por dez milhões de estudantes. "Os brasileiros precisam olhar com mais atenção para o próprio país, e essa série contribui para isso," diz Duto. "Não quero ser ufanista, mas o Brasil é mais bonito do que se imagina e as pessoas, como dizia o folclorista Câmara Cascudo, são ‘o melhor produto da terra’."

Essa valorização do brasileiro é uma das melhores características dos programas, cada um com cerca de 25 minutos. Dezenas de pessoas comuns, mas com muito a contar, dão depoimentos sobre suas vidas ou sobre a história da região onde moram. Esses jovens e velhos, mães, avós, negros, brancos e índios são apresentados pelo nome com que são chamados pelos vizinhos. Ao abordar a questão do cangaço no sertão nordestino, por exemplo, aparece na tela o senhor "Ioiô da Professorinha", velhinho da cidade de Euclides da Cunha, Bahia, que conheceu Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando. "O Corisco (um dos cangaceiros) era mais valente que Lampião. Agora, era um homem terrível. Por bobagem matava, como quem mata uma barata", lembra seu Ioiô no filme. Na boca dessas pessoas, o País ganha uma perspectiva nova. Seu Inácio, um senhor negro de Marimbus, Bahia, exemplifica a miscigenação de raças de um modo confuso, mas delicioso, falando de seu pai, um escravo. "O caboclo casou com essa índia velha e com essa menina que veio da África. Nessa família tem gente de todo jeito. Foi essa velha que costurou o africano com esse índio", diz ele, mostrando os parentes.

Se há trechos de grande magia, seja pelos personagens fantásticos ou pelas paisagens exuberantes, captadas com uma fotografia impecável, existe também o lado da miséria, do desamparo. No interior do Nordeste, Duto viu dois velhos escorando uma vaca, que estava morrendo, para tentar mantê-la de pé. Era o único patrimônio que tinham. "Dizer que o Brasil é a terra dos contrastes é só a ponta do iceberg. É um contraste punk. A vida é muito difícil", diz o diretor. Mas ele testemunhou também inúmeros exemplos de pessoas que, mesmo em meio a uma pobreza avassaladora, batalham para levar a vida de forma organizada. Viajando por uma estrada no sul do Piauí, o cineasta encontrou um menino vendendo mel. "Ele tinha aquela idade estranha que a subnutrição causa, algo entre 8 e 16 anos. Mesmo naquele fim de mundo, o garoto, que vende dois ou três potes de mel por semana, estuda. Me mostrou seu caderno todo caprichado, com as lições que fazia. De tempos a tempos, uma professora passa por lá e fica um dia dando aula para ele", conta o cineasta.

"O objetivo dos filmes não é esconder os problemas. Mas a gente percebeu que as coisas boas do Brasil sobrepõem as ruins", argumenta o jornalista Nivaldo Nottoli, diretor-adjunto da Fiat e coordenador do projeto. "Acho que esses documentários trazem uma mensagem de esperança para os jovens, que andam sem perspectivas. Só o fato de eles discutirem o País em sala de aula já representa uma esperança de melhora", acredita Nottoli. Os filmes procuram mexer com a cultura e a história, sem partir para uma análise sociológica do Brasil, abordagem que fica a critério de cada professor. Dos 24 documentários realizados, 11 foram feitos "na estrada", em longos itinerários que cobrem quase todo o território. Cinco outros programas tratam de temas específicos, como a música e as etnias no País. Oito filmes, ainda, serão enviados para escolas européias e do Mercosul. "Os alunos estrangeiros vão ver que o Brasil é muito mais que carnaval, samba e futebol", diz Nottoli. O importante é que os próprios brasileiros ganhem essa percepção.