Costuma-se dizer que todo sacrifício vale a pena. E há de se concordar que, para a maioria das pessoas, fazer ginástica duas ou três vezes por semana, reduzir o consumo de carne vermelha e substituir frituras por frutas e legumes em prol da saúde não é fácil. A recompensa para esses heróis, não é de hoje que se acredita, é uma vida mais longa e saudável. Agora, uma nova pesquisa confirma que essa recompensa de fato existe, pelo menos no que diz respeito à saúde do coração. Trata-se do projeto Monica – sigla para Monitoring trends and determinantes in cardiovascular disease ou Monitoração das tendências e determinantes em doenças cardiovasculares –, considerado o maior estudo de doenças cardíacas já realizado no mundo. Para surpresa de muita gente, a pesquisa acaba de comprovar que a incidência de problemas cardiovasculares, incluindo o infarto, diminuiu em boa parte do mundo.

A notícia tem um embasamento considerável. O projeto Monica é uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para tentar medir o tamanho dos estragos feitos pelas doenças cardíacas no mundo. Do início da década de 80 até meados de 1993, o projeto acompanhou 166 mil pacientes (enfartados, com hipertensão ou colesterol elevado) entre 35 e 64 anos em mais de 37 populações de 21 países como Austrália, Bélgica, Canadá, China, França, Itália, Espanha e Estados Unidos. O objetivo era saber a incidência do que foi batizado de eventos coronarianos, nome dado a qualquer problema nas artérias que irrigam o coração, incluindo a consequência mais grave deles, o infarto. Os dados foram sendo computados e só agora puderam ser divulgados. Os países que apresentaram maior queda de eventos coronarianos foram Suécia, França, Finlândia, Espanha e Escócia. "Mas quando avaliamos as populações da antiga União Soviética e do Leste europeu verificamos que essas foram as que menos melhora apresentaram", lamenta Hugh Tunstall-Pedoe, da Universidade de Dundee, na Escócia, e autor do projeto.

O relatório repercutiu de maneira otimista e surpreendente pelos quatro continentes. "Na hora em que li o artigo levei um susto porque achava que os índices estavam aumentando", diz Rafael Leite Luna, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Na verdade, a pesquisa foi uma espécie de tira-teima final para que os europeus confirmassem uma tendência observada pelos americanos e canadenses no final da década de 60. É verdade, porém, que as doenças isquêmicas do coração (quando há entupimento de uma artéria e cujo estágio mais grave é o infarto) continuam liderando as causas de morte no mundo e provavelmente serão líderes até o ano 2020, segundo estimativas da própria OMS. Mas os resultados obtidos pelo Projeto Monica são um sopro de esperança. "É uma alegria verificar que em países como China, Tchecoslováquia e Rússia, que no começo da década de 80 tinham progressão de mortalidade alarmante, beirando uma pandemia, agora se verifica uma evolução mais contida", acredita o cardiologista Luna.

Ao que parece, são duas as causas mais importantes dessa boa notícia. A primeira é a eficácia das medidas de prevenção para controle dos fatores de risco de doenças cardíacas (colesterol, fumo, diabetes, hipertensão, obesidade, stress e vida sedentária). A segunda são os avanços nos procedimentos médicos, em especial daqueles adotados no momento do infarto. "A partir de 1981, por exemplo, surgiu a droga estreptoquinase, capaz de dissolver coágulos recém-formados que estão entupindo a artéria e que vão levar, progressivamente, ao infarto", explica José Antônio Ramires, diretor do Instituto do Coração, em São Paulo. Esse tipo de atendimento pode salvar a vida do paciente nas seis primeiras horas do infarto. Outro recurso cada vez mais aperfeiçoado é a angioplastia com cateterismo, que permite dilatar a artéria coronária, facilitando a irrigação do coração. Foi graças a essa intervenção que o psiquiatra Paulo Galdêncio, 65 anos, interrompeu um processo de infarto, há cerca de três anos. Fumante inveterado e workaholic, Galdêncio mal se importava com o ritmo de vida que levava. O susto mudou tudo. "Quando eu me sentia eterno, era menos cuidadoso", diz. O ataque ao coração fez com que Galdêncio largasse o cigarro, diminuísse o consumo de álcool e iniciasse uma rotina de caminhar seis quilômetros três vezes por semana, além de se preocupar em incluir mais saladas e carne branca no prato.

 

Brasil Infelizmente, a falta de informação sobre os fatores de risco para as doenças cardiovasculares parece ser a principal razão para que populações como a brasileira não tenham alcançado o Primeiro Mundo na menor incidência de infartos. Pelo contrário. Segundo dados do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade pelo problema vem subindo. Em 1990, era de 34 por 100 mil habitantes. Em 1997, subiu para 35 por 100 mil. "Essa tendência de aumento se deve principalmente ao crescimento da mortalidade entre mulheres. Em 1990, a incidência de morte por infarto em homens era de 42,7 por 100 mil e, em 1997, manteve-se praticamente igual (cerca de 42,5). Já entre as mulheres a taxa subiu de 25,4 em 1990 para 28,3 em 1997", informa Jarbas Barbosa, diretor do Centro Nacional de Epidemiologia do Ministério da Saúde. Na avaliação do especialista, esse fenômeno ocorre por dois motivos: os homens estão se prevenindo mais, enquanto as mulheres, ao contrário, estão aderindo com mais lentidão às mudanças de hábitos. Sem falar que, com a maior participação no mercado de trabalho, a mulher passou a ter mais stress, outro fator de risco para doenças cardiovasculares.

Quando a consciência da necessidade de se evitar os fatores de risco se torna mais forte, não há dúvida de que a ameaça do infarto fica mais longe. Foi o que aconteceu com o casal Maria Helena e Jorge Aguiar, 48 e 54 anos. Depois de descobrirem que estavam com colesterol alto, resolveram mudar de vida. "Levávamos uma vida sedentária e decidimos começar a fazer ginástica", diz Maria Helena. "Temos também consciência do que pode nos fazer bem e do que faz mal. Por isso, evitamos carnes gordas e frituras", completa o marido, Aguiar.

A decisão de mudar os hábitos de vida pode também vir depois da perda, por problemas cardíacos, de algum amigo ou parente próximo. O consultor de empresas Cleo Carneiro, 60 anos, passou a levar mais a sério sua obesidade e seus hábitos sedentários após ter perdido um cunhado de 34 anos. Começou a andar três vezes por semana, equilibrou a dieta e emagreceu 16 quilos. Mas sua receita para o coração se estende também para a saúde mental. "Procuro ter uma atitude mais positiva diante da vida e reservar um tempo para o lazer", afirma. "Adoro ouvir música e brincar com meus netos." Podem parecer pequenos ajustes, mas essas atitudes, de fato, funcionam. "Por isso o projeto Monica foi importante. Independentemente de ter dinheiro para fazer centros com alta tecnologia em cardiologia, a morte pode ser evitada com educação da população e do médico", afirma o cardiologista Ramires.

Colaborou Thiago Lotufo