Ao decretar a prisão dos quatro policiais militares responsáveis pela segurança do empresário Paulo César Farias, assassinado ao lado da namorada, Suzana Marcolino, em 23 de junho de 1996, o juiz Alberto Jorge Correa Lima andou várias casas no jogo da caça ao mandante. Os seguranças são acusados de participar ativamente das mortes e de protagonizar uma trama para impedir que o duplo homicídio fosse esclarecido. Ao prender temporariamente por 30 dias os cabos Adeildo dos Santos e Reinaldo Correia de Lima Filho e os soldados José Geraldo da Silva e Josemar Faustino dos Santos, a Justiça alagoana descarta efetivamente a tese do crime passional apresentada três anos atrás para explicar a morte do ex-tesoureiro de Fernando Collor e conhecedor dos segredos do maior esquema de corrupção já revelado no País. Já em junho de 1996, ISTOÉ mostrava que a polícia de Alagoas e a família Farias defendiam uma versão fantasiosa. Na época, a polícia determinou a prisão de Reinaldo, o chefe dos seguranças, pois a reportagem de ISTOÉ relatava que houvera um duplo homicídio com a participação dos seguranças. O delegado, porém, se limitou a perguntar se Reinaldo confirmava ou não o que dizia a revista. Como ele negou, foi libertado horas depois. "Está claro que houve uma armação", afirma o delegado Alcides de Alencar, um dos atuais responsáveis pelo caso. "Se descobrirmos quem comandou a farsa, com certeza estaremos muito próximos de saber o que motivou as mortes de PC e Suzana", completa o delegado Antônio Carlos Lessa, que ao lado de Alcides comanda o inquérito desde março. "Agora queremos saber quem são os chefes desse esquema todo."

Os indícios que levaram à convicção de que os seguranças de PC participaram de um esquema armado para encobrir a verdadeira motivação da morte de PC são as contradições contidas no próprio inquérito e algumas informações a que tiveram acesso o promotor Luiz Vasconcellos e os delegados. Com os cabos e soldados presos, as investigações passarão a ser centradas sobre personagens mais graduados. O primeiro deles será o deputado federal Augusto Farias (PPB-AL), irmão de PC e responsável pela administração da incalculável herança deixada por Paulo César. "O deputado está presente em diversos detalhes contraditórios e precisamos esclarecer cada detalhe", diz o delegado Antônio Carlos. Como deputado, Augusto tem direito a foro privilegiado. Os delegados, porém, até a quinta-feira 3 acreditavam que não seria preciso recorrer à Câmara ou aos tribunais superiores para convidá-lo a depor. "Cinco dias depois do crime, ele depôs e abriu mão de seus privilégios. Acreditamos que essa posição será mantida", dizia Alcides. Não será. Augusto não quer mais colaborar. Na sexta-feira 4, afirmou que não iria atender ao pedido dos policiais. "Esta discussão é estéril. Só falo nisso quando o caso estiver concluído", disse Augusto.

Herança oculta – Além das contradições, os responsáveis pelas atuais investigações sobre os assassinatos de PC e Suzana querem obter do deputado Augusto Farias explicações para alguns fatos que consideram importantes. O primeiro deles é de ordem financeira. Após a morte de Paulo César, seu ex-secretário Flávio de Almeida foi procurado por Augusto e, junto com um advogado, entregou à família documentos que eram mantidos por PC com os nomes de diversos operadores e números de contas bancárias. Exigiram recibo. Tanto o promotor Luiz Vasconcellos como os delegados sabem que Augusto e o irmão Luiz Romero estiveram nos Estados Unidos conversando com o operador de uma dessas contas para tentar levantar os fundos. O operador, então, fez contato com uma pessoa no Brasil, ligada a PC, que lhe orientou a não entregar o dinheiro, pois se tratava de quantia a ser entregue apenas para os filhos de PC. Os delegados querem saber detalhes dessa história, pois não descartam a possibilidade de a morte do empresário estar ligada a uma herança não declarada.

A rapidez com que o parlamentar passou a defender a tese do crime passional também desperta a atenção dos delegados e do promotor. Augusto Farias, antes de qualquer perícia mais detalhada, sustentou a versão do crime passional e protegeu os seguranças de PC. Todos eles, menos Adeildo, trabalham até hoje para os Farias. Quando foram chamados a dar esclarecimentos na polícia, estiveram acompanhados de advogados e motoristas funcionários de Augusto. Três anos depois do crime e já acusados formalmente pela morte de PC e de Suzana, os seguranças continuam sob a proteção do deputado. Até a mulher de Reinaldo está empregada na Tribuna de Alagoas, o jornal dos Farias. Na quarta-feira 2, horas antes de ser decretada a prisão dos quatro PMs, os advogados José Fragoso Cavalcanti e João Batista Boleado Filho estiveram no fórum para conversar com o juiz Alberto Jorge Correa Lima. Queriam checar se de fato a polícia havia requisitado a prisão temporária dos quatro. Até o final da semana passada, os advogados estudavam a possibilidade de ingressar com algum recurso judicial com o intuito de retirar os quatro PMs da prisão. Cavalcanti e João Batista são funcionários de empresas dos Farias. Os delegados acham que o fato de Augusto financiar os advogados para defender os que são acusados de terem participado da morte de seu próprio irmão é um comportamento que fica sob suspeição. No inquérito, as contradições envolvendo o parlamentar vão além de padrões comportamentais.

 

A porta – Augusto foi o último a deixar a casa de praia de PC antes de o empresário ter sido morto e o primeiro familiar a chegar ao local do crime. Em 28 de junho de 1996, o deputado disse que entrou e saiu do quarto onde os corpos foram encontrados pela janela. A porta estaria trancada por dentro. A perita criminal Anita Gusmão, no entanto, afirma que quando chegou ao quarto a porta estava fechada, mas não trancada. A polícia quer saber de Augusto quem abriu a porta. Os seguranças Reinaldo e Josemar também disseram ter entrado e saído pela janela. "Saber quem abriu a porta, é fundamental", diz o promotor Luiz Vasconcellos. "Afinal, o cenário do crime foi alterado." Uma bolsa tiracolo que Suzana carregava em 23 de junho é uma das provas mais contundentes da farsa. Reinaldo entregou a bolsa à família de Suzana horas depois do crime. O segurança afirmou que só a entregou com a autorização do delegado Cícero Torres, o primeiro a presidir o inquérito. Disse, também, que encontrou a bolsa na pia do banheiro, quando estava com Adeildo e a arrumadeira Marize de Carvalho. Tanto Adeildo quanto Marize disseram não ter visto a bolsa. O principal problema, porém, é que só seria possível entrar no banheiro caso a porta do quarto tivesse sido aberta. A perita Anita Gusmão diz que quando chegou à casa a bolsa de Suzana já não estava no banheiro.

"O deputado Augusto Farias foi o primeiro a chegar e a porta estava trancada. Ele não saiu mais da casa e quando a perita chegou a porta estava aberta e a bolsa de Suzana já tinha sido retirada do banheiro. Então, ele deve saber quem abriu a porta e quem pegou a bolsa", avalia o delegado Alcides. Caso o deputado se recorde desses detalhes, a polícia poderá também descobrir quem e por que rasgou as assinaturas dos documentos de Suzana, que estavam dentro da bolsa. Poderá, inclusive, encontrar alguma pista que leve ao telefone celular de Suzana. Está comprovado que na madrugada do crime, a namorada de PC fez três ligações, mas até hoje o aparelho permanece desaparecido.

 

O horário – Os delegados também buscam esclarecer divergências sobre alguns horários. Nessas contradições, a presença do deputado Augusto Farias é significativa. Reinaldo diz que arrombou a janela e encontrou o patrão morto por volta das 11 horas e que antes de qualquer outra providência tratou de avisar o deputado para só depois comunicar o fato a outras pessoas ligadas aos Farias. Augusto confirmou a versão e diz que chegou à praia de Guaxuma entre 12h e 12h10. Para justificar a demora, o deputado explicou que se dirigia para o interior quando recebeu o telefonema de Reinaldo. O problema é que Flávio Almeida afirmou que soube da morte do empresário por volta das 10h, fato confirmado pelo advogado Iran Nunes, que também ficou sabendo do crime por volta das 10h. "Vamos pedir para o deputado um esforço de memória, pois é imperioso saber exatamente a que horas Reinaldo lhe disse que PC estava morto", afirma o delegado Antônio Carlos. De fato, trata-se de um detalhe extremamente importante para as investigações. Há cerca de 15 dias, a mãe de Suzana, Maria Auxiliadora Blaulio, declarou que Claudia Daniele da Silva, ex-funcionária da loja de Suzana e ex-namorada de Reinaldo, soube da morte do casal por volta das 7h, pelo próprio Reinaldo. Na quarta-feira 2, Claudia Daniele negou o fato, mas não convenceu os delegados, pois há provas de que há três anos ela mentiu. Na ocasião, Claudia Daniele afirmou que jamais tivera qualquer relacionamento com Reinaldo, mas no inquérito existe um bilhete que comprova o íntimo relacionamento dos dois. Na sexta-feira, Milane Valente Melo, namorada de Augusto, depôs na polícia, mas pouco acrescentou. "O depoimento dela foi evasivo", disse o delegado Alcides.

Um outro detalhe a ser explicado pelo deputado Farias seria a confirmação para a fantasia do crime passional. O deputado alegou que PC estaria rompendo suas relações com Suzana porque estaria iniciando um novo namoro com Claudia Dantas e que Suzana não aceitava essa situação. No entanto, pessoas íntimas de Paulo César, como o secretário Flávio Almeida e o paisagista Gilson Lima da Silva e seus próprios filhos, Ingrid e Paulinho, negam essa versão. Ao contrário, afirmam que PC e Suzana estavam bem.

 

Briga de peritos – No final desta semana o inquérito será encerrado. Na terça-feira 8, os seguranças de PC começam a ser interrogados. Tanto o juiz quanto os delegados avaliam que desses interrogatórios poderão surgir fatos novos. A maior aposta do promotor Vasconcellos, porém, está no debate entre as equipes dos peritos Fortunato Badan Palhares – que defende o crime passional – e Daniel Muñoz, que descarta o suicídio de Suzana. O promotor entende que só depois desse debate é que a versão inicial poderá ser derrubada definitivamente. O juiz não descarta a possibilidade de chamar Badan para depor em juízo caso fique comprovado que os erros apontados em seu laudo foram feitos de maneira intencional.

 

Jogo perigoso

Desde que foram descobertos os corpos de Paulo César Farias e de Suzana Marcolino todos os que se posicionaram contra a tese do crime passional passaram a ser alvo de ameaças.

George Sanguinetti – Legista alagoano, o primeiro a discordar da tese oficial. Até hoje anda cercado por um batalhão de seguranças e não costuma sair de casa a não ser para trabalhar.

Faildes Mendonça – Promotora que evitou que o caso fosse arquivado, pois discordou da versão do homicídio seguido de suicídio e determinou novas investigações. Recebeu diversos telefonemas anônimos e se afastou do caso.

Antônio Carlos Lessa e Alcides de Alencar – Os novos delegados do caso. Até o sábado 29 recebiam ameaças diárias por intermédio de telefonemas anônimos. Ambos andam com seguranças.

Luiz Vasconcellos – Promotor que entrou no lugar de Faildes. Na última semana, seu filho, um garoto de dez anos, atendeu o telefone e ouviu a seguinte mensagem: "Diga para seu pai parar de investigar a morte de PC. Ele terá o pescoço cortado e vai morrer."

Ana Luiza Marcolino – Irmã de Suzana. Após o crime, passou a receber ameaças e deixou Alagoas. Na semana passada, foi perseguida por um carro importado preto. Anotou as placas do carro, aliás de Maceió (AL), e verificou tratar-se de chapa fria.

Gilson Lima da Silva – Paisagista e guru de PC. Depois de declarar a ISTOÉ que Suzana e PC não estavam brigando, recebeu a visita do secretário de Justiça, Rubens Quintela, que lhe "aconselhou" a jamais se manifestar sobre o crime. A ameaça consta no depoimento que prestou à polícia há cerca de dez dias.

 

As pendências de Augusto
Por que é tão importante que o irmão de PC Farias preste novo depoimento:

1) Para explicar quem abriu a porta do quarto onde estavam Paulo César e Suzana;

2) Para saber exatamente a de que horas o cabo Reinaldo lhe avisou que PC estava morto;

3) Para descobrir quem pegou a bolsa de Suzana e dela retirou os documentos;

4) Para saber quem pegou o celular de Suzana;

5) Para entender por que a família Farias aceitou tão facilmente a versão do crime passional;

6) Para saber por que ele está pagando os advogados dos policiais acusados de participar da morte do casal, mesmo depois de eles terem sido presos.