Quem acredita que a CPI dos bancos acabou vai ter que esperar um pouco mais. Na quinta-feira 10, o ex-ministro José Eduardo Andrade Vieira, que foi dono do banco Bamerindus, irá depor no Senado, marcando o início das investigações da CPI sobre o polêmico Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer). O programa resultou num calote dos bancos sobre o Tesouro de cerca de R$ 10 bilhões. Andrade Vieira acusa a área econômica do governo de ter deliberadamente levado seu banco à liquidação pelo Proer para beneficiar o HSBC, grupo financeiro inglês que comprou o Bamerindus. Mas o ex-banqueiro promete trazer fatos explosivos em seu depoimento, surpreendendo aqueles que achavam que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, não mais voltaria à pauta da Comissão Parlamentar de Inquérito. José Eduardo Andrade Vieira está disposto a revelar a identidade de uma importante figura da República que cresceu nos bastidores do governo Fernando Henrique Cardoso e que é muito ligada a Malan. Trata-se do advogado Marcos Malan, irmão do ministro da Fazenda. O ex-banqueiro conta que durante o clímax do período de agonia do Bamerindus, "por volta de novembro de 1996", ele recebeu em sua casa, em Brasília, a inusitada visita de Marcos Malan "oferecendo seus préstimos para evitar a liquidação do Bamerindus". Marcos Malan é uma figura curiosa, desconhecida do grande público, mas reconhecido no mercado financeiro e empresarial como intermediário em grandes negociações, especialmente na área de seguros.

O advogado guarda em sua biografia muitos registros dignos de nota além do berço comum com o irmão ministro. Enquanto Pedro insistia em sua carreira estatal, como funcionário do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e titular de altos cargos no governo federal, Marcos transitava pelos dois lados do balcão que, a princípio, deveria dividir os interesses públicos e privados. Trabalhou para a Sul América Seguros por dez anos, nos anos 70, antes de integrar o Departamento de Abastecimento e Preços do Ministério da Fazenda, nos anos 80, e a direção da Superintendência de Seguros Privados (Susep), no início dos anos 90. A experiência na autarquia federal rendeu-lhe um bom convite para ocupar a vice-presidência executiva da Itaú Seguros, cargo em que esteve até 1995.

 

Referências O momento-chave de sua carreira, que lhe assegurou grande desenvoltura no mercado de seguros, deu-se em maio de 1992, ainda no governo Fernando Collor, quando Marcos Malan se tornou diretor da Susep. Seu irmão, Pedro, ainda era apenas negociador da dívida externa brasileira junto aos credores internacionais. Mas as boas referências garantiram-lhe o posto, que acabou servindo de trincheira para uma dura batalha contra Herbert Nogueira, um ex-funcionário de carreira do Banespa ligado à família do falecido deputado Ulysses Guimarães, escalado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, para sanear a autarquia. O motivo da disputa era a concessão do registro para que uma nova empresa fosse criada no mercado de seguros privados. Seu capital seria constituído com recursos de algumas corretoras pequenas, do Banco do Brasil e da Sul América, a mesma para a qual Marcos tinha trabalhado antes. Como o BB foi criado por lei, Herbert Nogueira queria que o Congresso desse ao banco poderes para atuar nessa área. Pragmático, Marcos queria apenas um referendo da própria Susep e o aval do Ministério da Fazenda. A briga desgastou Marcos Malan na Susep, mas rendeu-lhe a vitória no processo de decisão. Saiu tudo como ele queria. Hoje, o BB detém 47% da empresa e a Sul América tem 33%, depois de comprar pequenas participações. Os sócios minoritários possuem 20% do controle da BrasilPrev.

 

Em ebulição O novo salto na carreira de Marcos Malan deu-se, por ironia, assim que deixou a Susep, em junho de 1994. Seu irmão ainda era presidente do BC, mas logo seria alçado ao comando do Ministério da Fazenda. Cabe ao ministro a função de presidente do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgão máximo da burocracia do setor, que decide sobre a legalidade e a oportunidade de fusões, incorporações e mudanças de capital de seguradoras. Marcos escolheu mergulhar num mercado em ebulição: a participação do setor de seguros no Produto Interno Bruto (PIB) saltaria de 0,8% para 2% nos dois anos seguintes, indicando uma boa safra de lucros pela frente. O irmão do ministro logo abriu uma empresa privada para dar consultoria a seguradoras interessadas em entrar no mercado brasileiro. Valia-se, nas negociações, de sua amizade com Márcio Coriolano, novo homem forte da Susep, que coordenaria, com o ministro Pedro Malan, a abertura do setor ao capital externo. Discutia-se, então, a abertura da concorrência num filão que faturava R$ 11 bilhões por ano e despertava a cobiça de companhias americanas e européias. Uma delas, a Aetna, logo conheceria os serviços de Marcos Malan. Com presteza, o advogado atuou nas negociações que levaram a multinacional a adquirir 49% do capital da Sul América. Ao comprar parte da seguradora brasileira, a companhia americana também se beneficiou de três lucrativas sociedades com o Banco do Brasil. A primeira delas na BrasilPrev e as outras duas com a Brasil Saúde e a Brasil Veículos – todas muito atuantes no mercado de seguros. O acordo foi selado no dia 3 de fevereiro de 1997 e a cerimônia contou com a presença ilustre de Marcos Malan.

Depois de deixar a Susep, o advogado abriu uma empresa, a Inclusive Consultoria Empreendimentos e Participações. Em sociedade com o economista João Fernando Moura Viana, ex-chefe do Departamento de Controle Econômico da Susep, Marcos Malan decidiu topar novos desafios. De acordo com a home page da empresa na Internet, a Inclusive "tem largo espectro de atividades nos mercados de seguros, previdência privada aberta e capitalização, englobando, dentre outras, administração e aconselhamento de provisões técnicas, administração financeira, marketing e suporte legal, oportunidades de negócios e amplo conhecimento das tendências de mercado". A empresa, diz o texto, oferece "consultoria e aconselhamento com custos extremamente competitivos", além de promover parcerias, incorporações, fusões e compra de empresas no mercado segurador brasileiro, conforme propaganda eletrônica feita no endereço "https://www.callnet.com.br/inclusive".

Procurado por ISTOÉ em sua empresa e em sua residência, Marcos Malan não retornou os recados deixados na sexta-feira 4. Tampouco houve resposta para a mensagem enviada ao e-mail da Inclusive. Mas, segundo seus amigos, sua versão para os fatos descritos por Andrade Vieira é completamente inversa. Segundo relato feito pelo próprio Marcos Malan a amigos, ele é que teria sido procurado, em 1996, por um emissário de Andrade Vieira para resolver os problemas de seu banco, em agudo processo falimentar. Tratava-se de João Elísio Ferraz, então presidente da Bamerindus Seguradora, que acenava a Marcos com o convite para uma consultoria. Marcos, num gesto de prudência, diz que telefonou ao irmão, Pedro, para ouvir sua opinião. "É melhor não entrar nisso, não", teria alertado o ministro. A sugestão teria sido acatada e Marcos não voltou a tratar do assunto, garante um de seus amigos.

Nesta quinta-feira, quando se encerrar o depoimento de Andrade Vieira, a CPI dos Bancos terá, então, de se debruçar sobre duas questões. Primeiro, esmiuçar o motivo pelo qual Marcos Malan teria ido à casa de Andrade Vieira, quanto custaria seu serviço e que tipo de préstimos ele poderia oferecer ao então banqueiro. Por fim, a CPI terá de decidir se há ou não conflito de interesses entre um ministro da Fazenda, com poderes de decisão final sobre o destino das empresas do setor de seguros, e o fato de seu irmão prestar consultoria a essas empresas.

Colaboraram: Wladimir Gramacho e Sônia Filgueiras (DF)