Nem Midas, o legendário rei que em tudo que tocava virava ouro, não faria melhor. Em Belford Roxo, uma das cidades mais pobres da Baixada Fluminense, o Projeto Vida Limpa transforma em comida o lixo e o entulho que os moradores recolhem das ruas. A iniciativa da prefeitura, além de evitar a sujeira e o derramamento de dejetos no rio Botas, responsável pelas enchentes na região, ajuda no sustento da população carente. A renda per capita do lugar não passa de dois salários mínimos. Os moradores fazem as trocas e recebem o alimento de acordo com uma tabela idealizada pelos organizadores do projeto. “O objetivo é educar as pessoas para que não joguem lixo nas ruas e nos rios. Estamos conseguindo essa conscientização”, comemora o secretário municipal de Saúde, Luiz Carlos Cavalcante. O projeto já beneficiou cerca de três mil pobres e recolheu mais de 250 toneladas de entulhos.

A tabela de conversão fica à vista de todos. Quem leva 4 quilos de garrafas plásticas pode trocar por um quilo de açúcar. Catorze quilos de vidro são trocados por um de feijão e um quilo de cobre pode ser trocado por uma lata de óleo. Há também arroz, fubá, macarrão e sardinha. Uma das moradoras, Regina Gonçalves tem cinco filhos e está desempregada. “Meu marido também está sem trabalho e os alimentos que eu consigo aqui me ajudam muito”, elogia para, em seguida, dar uma lição: “Também é importante manter a comunidade limpa”. Outra participante, Maria das Graças Oliveira, de 46 anos, com cinco filhos e dois netos para sustentar atesta: “Já participei duas vezes e consegui mais de 30 quilos de alimentos.” A coleta ajuda a amenizar um dos problemas mais graves de Belford Roxo: o lixo. São recolhidas 350 toneladas por dia. Uma das preocupações é coletar objetos que são mais difíceis de serem absorvidos pela natureza. Quem leva uma boa quantidade de garrafas plásticas concorre ao sorteio de uma cesta básica, oferecida como prêmio extra.

Além de ser um assunto de saúde pública, o recolhimento do lixo em Belford Roxo passa a ser questão de sobrevivência quando os bairros beneficiados ficam à beira dos rios da região. “No início do ano, o rio Botas transbordou e Belford Roxo ficou submersa”, lembra o secretário. O principal motivo da enchente foi a quantidade monumental de entulho jogado em seu leito. Além de garrafas e plásticos, alguns despejavam até velhos eletrodomésticos no rio. Na primeira fase, foram recolhidos quatro fogões, quatro geladeiras e três televisores. “Tudo isso acabaria sendo jogado no Botas”, afirma Cavalcante. Agora que os moradores estão fazendo sua parte, a prefeitura promete começar em breve a limpeza dos rios e a urbanização das áreas próximas, colocando cercas para impedir que o entulho volte a ser arremessado no leito, transformando em lixo cursos d’água que são valiosos presentes da natureza.