O corretor de imóveis João Faustino Ribeiro da Silva denunciou torturas e espancamentos que seu filho, Itamar Ribeiro da Silva, 25 anos, preso por falsificação de cheques, estaria sofrendo na Penitenciária de Montalvão, na cidade de Presidente Prudente (SP). O rapaz teria começado a apanhar em represália ao fato de seu pai ter denunciado o tráfico de drogas dentro do presídio. O corretor encaminhou denúncias à Ordem dos Advogados do Brasil e à CPI do Narcotráfico e pediu apoio ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao governador Mário Covas. Itamar, assegura o pai, corre perigo. A seguir, o seu relato e o que dizem as autoridades:

Meu filho está preso desde 16 de setembro de 1998. Foi condenado a três anos e sete meses, inicialmente em regime albergue. Quando cumpria a pena, ele se envolveu num furto e descobri que estava viciado em drogas. Acabou condenado a mais dois anos e oito meses, deixou de só dormir na casa albergue e foi para a penitenciária. Ao visitá-lo, descobri que ele continuava a receber droga lá dentro e fiquei indignado. Passei a denunciar o problema. Fui ao juiz Antonio Machado Dias, da Corregedoria dos Presídios, e ele falou para eu não registrar a denúncia por escrito porque meu filho poderia sofrer represálias. Denunciei também ao promotor Mário Coimbra e ele disse a mesma coisa. Os dois prometeram tomar providência. Mas o esquema de droga continuou lá dentro e voltei a procurá-los. Dessa vez, eu quis que a denúncia fosse feita por escrito. Foi pedido ao diretor do presídio que não revelasse o nome do denunciante nem o nome do preso para evitar represálias. O diretor deixou vazar o nome do meu filho. E o que aconteceu? Um segurança da penitenciária forjou um flagrante. E acusou o meu filho de estar negociando droga na cadeia. Não bastou o flagrante. Pegaram meu filho e deram-lhe uma surra, arrebentaram o rapaz. Bateram muito e lá se bate de verdade: com cano de ferro. Na cela forte, os presos passam um mês e os carcereiros batem até o 11º dia. Isso para evitar que vejam os hematomas. No dia 3 de agosto, quando fui visitá-lo, me impediram de entrar, porque ele estava numa cela forte. Fiquei apavorado e procurei as autoridades. Queria ver o meu filho, saber se ele estava bem. Falei com o procurador do Estado Marcos Azevedo e ele me acompanhou até o presídio. Enquanto falávamos com a diretoria, um agente penitenciário foi buscá-lo e o induziu a não dizer nada sobre os espancamentos. Meu filho então negou tudo. Ele ficou na cela forte por 30 dias, descalço e só de cueca. Uma vez por semana, cinco ou seis agentes penitenciários iam lá e tiravam os presos da cela, um de cada vez, e davam uma surra de dez minutos. Os presos gritavam pelo amor de Deus e não adiantava nada. Só depois de muito apanhar é que meu filho resolveu contar tudo. Decidi mover uma ação contra os agentes penitenciários. Aí, um preso chamado Célio se propôs a ser testemunha. Por isso, ele foi espancado e transferido. Apanhou tanto, que nem conseguiu sair andando. Tiraram ele de lá para não ter contato com a gente. Dois outros detentos quiseram nos ajudar, o José Fernando da Silva, e o irmão dele, o Luiz Carlos da Silva. Pegaram os dois e deram uma surra neles. Chegaram a sapatear sobre a barriga de José Fernando, estourando o intestino dele. O rapaz foi submetido a uma cirurgia e está internado na UTI da Santa Casa da região. Esse tipo de tratamento desumano não pode acontecer. O condenado tem de cumprir a pena, pagar pelo que fez e não ser espancado. Esse tipo de desmando não aguentamos mais. A própria penitenciária admite que lá dentro existe droga. Mas diz que quem leva são os parentes. É uma irresponsabilidade dizer isso. O diretor da peniten-ciá-ria também comunicou ao juiz que meu filho corre risco de vida, mas ele não tem condições de lhe dar garantia. Por isso, pedi a transferência dele para Maringá (PR), mas o juiz negou. Meu filho também já tem direito ao regime aberto, mas o juiz não concedeu até agora por razões pessoais. Peço o apoio e a ajuda de todos. O Estado não tem condição nenhuma de recuperar o meu filho. Então, que o devolva.
João Faustino da Silva

 

RESPONSÁVEL NÃO FALA

Perci de Souza, diretor da Penitenciária Estadual de Presidente Prudente: Procurado por ISTOÉ, não retornou os telefonemas.

 

OAB EXIGE PROVIDÊNCIAS

Pedro Dallari, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP: “Estamos exigindo providências em relação a esses fatos graves. Enviamos um relatório à Secretaria da Administração Penitenciária do Estado e queremos que o governo faça uma correição ou uma auditoria para apurar responsabilidades.”

 

JUIZ CRITICA PAI DO PRESO

Antonio José Machado Dias, juiz-corregedor dos presídios de Presidente Prudente: “Esse senhor está fazendo um escarcéu danado. Já foi em todo lugar, já falou até com a ONU. O filho dele foi pego recebendo maconha dentro da cadeia. Ele diz que tem irregularidade no presídio, só que eu não sou carcereiro, sou corregedor. Quando chega uma denúncia, instauro sindicância para apurar. E foi instaurada sindicância administrativa no presídio e aberto um processo. Estou aguardando o resultado dessa sindicância.”

 

COMISSÃO NÃO VIU NADA

Marcos Azevedo, procurador do Estado, vereador (PSDB) e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Presidente Prudente: “Fui ao presídio checar as informações, mas o preso Itamar negou que estivesse sendo agredido. Pedi exame de corpo de delito e o exame não deu nada. As condições do presídio são excelentes. As celas são limpas, arejadas, tem assistência médica e psicológica. Temos muitos problemas, mas na cadeia pública, onde denunciei irregularidades. Acho que isso é desespero de pai.”

 

GOVERNO PROMETE APURAR

Danielle Ardaillon, do gabinete pessoal do presidente da República: “O presidente Fernando Henrique Cardoso tomou conhecimento de sua carta (de João Faustino) e, sensível à sua solicitação, me incumbiu de encaminhá-la ao Ministério da Justiça.”